Na teia da mídia

 

 

Esse caso da morte de Isabella traz novamente à tona o debate sobre o papel da mídia, dos jornalistas e demais envolvidos na construção e divulgação das notícias. Quem não lembra do caso Escola Base em São Paulo em 1994 onde a união polícia/imprensa levou à desgraça a vida de seis pessoas: Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, Maurício e Paula Alvarenga, sócios da escola, e um casa de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França. A partir de denúncias de que o local era utilizado para abusos sexuais das crianças alunas da escola, um delegado com grande interesse em aparecer e a mídia em busca de audiência e vendas, espetacularizou um possível fato. A Escola Base foi depredada, as vidas dessas seis pessoas foi destruída, e nada foi comprovado.

Outros casos também já aconteceram por todo o país. Em Joinville (SC), o trabalhador braçal Aluísio Plocharski foi detido pela polícia no ano 2000, época em que um criminoso atacava e estuprava mulheres na cidade, apelidado de “maníaco da bicicleta” por utilizar do veículo enquanto praticava seus atos. Ele foi levado à presença das vítimas para reconhecimento, pressionado para assumir os crimes. Negou. Mesmo assim, sua foto foi utilizada para reprodução de um “retrato falado” distribuído, também por um delegado interessado em aparecer, para a TV Globo e diversos jornais. A alegação para o uso do retrato de Aluísio foi fazer um desenho para a polícia agir. Mas o que se viu foi a divulgação da imagem do trabalhador no programa “Fantástico” da Rede Globo, com a publicação nos dias seguintes nos jornais A Notícia.

Não bastasse isso, a Polícia invadiu a casa de Aluísio no dia da exposição de sua foto em rede nacional buscando provas para prendê-lo. Sua mãe e seu pai ainda lembram disso como se fosse hoje, principalmente quando vêem a reprodução do modelo polícia/mídia no caso Isabella e também no caso do pedreiro Oscar do Rosário, outro que sofreu um pré-julgamento midiático e ainda está preso esperando julgamento. A casa foi invadida, um batalhão de policiais cercou a casa, tudo dentro de um script para a televisão. Ao final, e não encontrando nada que o incriminasse, o policial e seu séquito deixou a casa e Aluísio ao sabor de uma suposta participação em estupros que resultou em sua condenação social. Nunca mais ele recuperou sua auto-estima.

Conheci este caso de perto porque realizei minha monografia de conclusão do curso de jornalismo com o caso de Aluísio como objeto de estudo. Sob o título “Na teia da mídia: A família Plocharski no caso Maníaco da Bicicleta”, busquei pormenores dos fatos, organizei e comparei com a situação do caso Escola Base, e dialogando com vários filósofos da comunicação, produzi um texto denso, cheio de dores e sofrimentos da família pela invasão de privacidade que não só a polícia realizou, mas a mídia também. Os reflexos da espetacularização estão presentes na publicação, que está à disposição dos interessados na biblioteca da faculdade de jornalismo da Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc em Joinville.

E também estou finalizando um livro sobre o tema com base na monografia. Será uma contribuição para a sociedade em que vivemos, onde a mídia (internet, televisão, rádio, jornal) tem influência incomum. Por isso o debate e a reflexão entre os colegas de imprensa e sociedade é fundamental. O Palavra Livre quer exatamente isso: provocar o debate saudável e construtivo sobre temas atuais e relevantes para a vida das pessoas.

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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