Após meses de argumentação contrária, Brasil acata sanções da ONU contra Teerã. Para especialistas, episódio chegou a um fim previsível, pois Brasil quer afastar imagem de política externa aventureira.
Depois de meses de debate, visitas diplomáticas e um pouco de insistência, chega ao fim, pelo menos nas Nações Unidas, a atuação brasileira em prol do programa nuclear iraniano. Em maio último, o Brasil intermediou um acordo para transferência de urânio levemente enriquecido do Irã para a Turquia. No fim do episódio, restou ao governo brasileiro acatar as sanções das Nações Unidas contra Teerã.
Na Europa, é consenso que ao Brasil não restava alternativa. “Um comportamento divergente colocaria em risco toda a confiança internacional que o Brasil tem, então qualquer governo brasileiro não tomaria uma decisão leviana”, afirma Günther Maihold, do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Livre de Berlim
Lições aprendidas
“O governo Lula pode ter concluído que não se pode ter tanta confiança nos Estados Unidos, porque sempre há o risco de se acabar sozinho no final do processo”, lembra Maihold. De fato, o acordo mediado por Brasil e Turquia foi baseado em solicitações da Agência Internacional de Energia Atômica, reiteradas pelos Estados Unidos 15 dias antes de o presidente Lula visitar o Irã.”O Brasil teve que recuar, argumentando que fazia isso em prol do fortalecimento do multilateralismo. Ao mostrar uma diplomacia bastante desenvolvida, mas sem os ganhos esperados, o Brasil deverá ser levado em conta para futuras negociações nessa temática”, sugere Villa.
Recados multidirecionados
Ao Irã, por outro lado, ficou claro que o Brasil não está disposto a manter seu apoio a qualquer custo. “Esta posição se deve ao padrão internacional brasileiro como uma força que está apoiando a Carta da ONU e jogando conforme as regras da comunidade internacional”, lembra Maihold.
E à Turquia, que exerceu esse papel de mediadora a convite brasileiro, também restará a opção de acatar as sanções, sugerem os especialistas. “A Turquia também tem que olhar para o seu futuro e agir com concordância, já que busca entrar para a União Europeia”, ressalta Villa.
Sinan Ogan, diretor do Centro Turco de Relações Internacionais e Análises Estratégicas, em Ancara, na Turquia, acredita que nenhum dos membros da ONU tem o direito de criticar a atuação dos dois países que tentaram dialogar com o Irã. “E o Irã também não tem o direito de criticar a Turquia e o Brasil, por aceitarem as sanções”, adiciona.
O pesquisador acredita que o governo turco não encerrará sua participação nesse processo.”A Turquia deverá sempre tentar fazer com que Teerã se sente à mesa para discutir negociações de paz, mas continuará a acatar as resoluções da ONU. Como duas potências regionais em ascendência, Turquia e Brasil poderão cooperar em muitos conflitos globais, não se limitando ao caso do Irã”, defende Ogan.
Iniciante em política de conflito
Com esse desfecho “previsível”, segundo os especialistas, o governo Lula corre o risco de ser taxado como amador ao defender o diálogo com Teerã. “Esse engajamento brasileiro pode ser visto com uma ‘aventura’, especialmente em tempos eleitorais em que se podem ganhar muitos votos assumindo um compromisso com o Irã”, sugere Maihold.
As potências europeias podem, de fato, ver o Brasil com esses olhos, concorda Duarte Villa, mas esses países também captaram uma outra mensagem: “O Brasil quer passar a desempenhar um papel de ‘global player’ também em assuntos políticos e aspectos de segurança. Isso é decorrência do próprio fortalecimento interno que o país está atravessando.”
Por outro lado, a diplomacia brasileira, com destaque para o ministro Carlos Amorim, ganhou mais evidência: “A comunidade internacional continuará vendo o Brasil como um dos membros mais ativos e inovadores, características mais do que necessárias num mundo onde posições pré-estabelecidas inibem soluções a muitos conflitos”, finaliza Günther Maihold.
Informações site:dw-world.de