Por que será que, por mais que a gente tente, muitas vezes é incapaz de abandonar determinadas memórias afetivas: imagens que construímos de nós mesmos, velhos amores, antigos padrões de comportamento? E parece que não adianta mesmo fugir – tais memórias são nossa bagagem, estarão sempre a nos acompanhar. Claro que tudo isso depende do uso que fazemos do nosso passado. Pois uma coisa é ter o tempo pretérito como referência – é por meio do exemplo de pessoas e ações que vieram antes de nós que procuramos não perpetuar os erros de outrora ou que nos espelhamos para construir um presente melhor. Isso é essencial em todas as culturas, do velho pajé que conta antigas proezas da tribo aos mais jovens até os livros de história que nos ensinam sobre os capítulos sombrios da nossa civilização.
Outra coisa bem diferente (e daninha) é a fixação no passado, quando remoemos aquilo que já está longe no tempo e no espaço, ou idealizamos (alguém, uma situação, um estilo de vida) a ponto de não mais conseguirmos olhar para a frente e aproveitarmos o presente – nosso tempo – em todo seu potencial. Aí entra a danada da nostalgia. Sim, porque a nostalgia, essa palavra grega que significa algo como “saudade de um lar que não mais existe ou nunca existiu”, pode ser um obstáculo para o nosso crescimento. Repare em como num momento ou outro a gente pensa num tempo bom que não volta nunca mais, numa “era de ouro” (completamente idealizada, uma ficção que mistura memória e desejo) em que tudo tinha cores mais belas. Ah, antigamente…
Ao ser comparada à depressão e à melancolia, por exemplo, a nostalgia pode ser considerada um estado de espírito, quando a depressão e a melancolia são doenças em si. “A nostalgia pode ser vista como algo que desperta para a ideia de que também no presente coisas boas serão possíveis. Somente quem viveu momentos belos e felizes é que é invadido pela nostalgia, diferentemente daquele que passou pela vida e não viveu. Por isso, nostálgicos voltam ao passado no qual amaram e foram amados. Na melancolia ou depressão: nunca foram amados ou amparados”, afi rma a psicanalista Maria Olympia França.
Faz sofrer
Você certamente conhece a figura: aquele eterno insatisfeito, o tipo de pessoa de quem mais se ouve que antigamente… – ah! antigamente, como as mulheres eram mais bonitas (a beleza natural), as ruas mais limpas e o ar mais puro. É bem possível mesmo que a vida fosse mais amena. O custo de vida era mais baixo e o trânsito, muito menos estressante. E, lógico, havia menos gente no mundo. Acontece que esse “antigamente” idealizado nunca mais voltará. Fato é que fabricamos muitas das nossas memórias e não temos certeza do passado, por isso mesmo é que o tempo pretérito nos parece ter cores tão mais definidas e ostenta uma cenografia tão impecável. É como um quadro que pintamos em nosso cérebro. Para Maria Olympia, a nostalgia é uma espécie de reaproveitamento da tristeza. “Ainda que difusa, ela sinaliza algo que foi bom. Eu era feliz e não sabia”, afirma a psicanalista. Isso denota o estado fantasioso da nostalgia em relação ao presente.
Claro que é impossível voltar ao passado, mas trazer seus elementos agradáveis de volta ao presente é algo bastante concreto. Se você gostava, por exemplo, de tocar violão, mas não pratica há anos, que tal treinar de vez em quando? Se sente muita falta da casa da mãe, comer um arroz com feijão no fim de semana pode dar um gostinho do lar para sempre desaparecido. Não é que vá matar a saudade. Até porque nostalgia e saudade são coisas diversas.
Uma saudade dos velhos tempos ou uma fantasia sobre certo fato do qual você adoraria ter participado podem alimentá-lo, mas, quando essas sensações se tornam obsessivas, é melhor ficar atento: finque o pé no presente e bola pra frente.
Pois nostalgia e perda são sentimentos tão parecidos que muitas vezes podem se confundir. A dor imensa que representa a perda de um filho é um exemplo de situação-limite que instaura uma condição nostálgica – e que pode desencadear uma baita depressão, já que as lembranças do passado se convertem em um fardo insuportável. “Nesses casos, a tristeza levará à impotência, ao sentimento de fracasso e de culpa. Nada mais é recuperável”, diz a psicanalista. Aí o recomendável é que se trate a depressão advinda desse processo.
Vida Simples – Abril