Lupa na toga – O Judiciário é notícia

O Poder Judiciário continua presente nas páginas das edições de sexta-feira (17/2) dos jornais. Não apenas por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Ou pela condenação do jovem Lindemberg Alves, assassino da adolescente Eloá Pimentel, tema obrigatório em toda a imprensa nacional.

Também é notícia a nomeação, para o cargo de corregedor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, do juiz maranhense que em julho de 2009 proibiu o jornal O Estado de S.Paulo de publicar reportagens sobre investigações envolvendo o empresário Fernando Sarney.

Da mesma forma, também é assunto jornalístico a constatação de que o Conselho Nacional de Justiça, recentemente reabilitado em seu papel de órgão de controle externo do Judiciário, investiga a baixíssima produtividade de algumas corregedorias regionais. O Globo informa, por exemplo, que no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quase não há registros de punições por atos contra o patrimônio público. Dos cerca de 4.200 acusados em processos por improbidade administrativa, apenas onze foram condenados com sentença definitiva. Também chama a atenção da corregedoria nacional o fato de que praticamente não há processos disciplinares contra juízes na corte fluminense.

“Ofensa moral”

Nos últimos dias, os jornais noticiaram que a primeira ação do CNJ neste ano foi aplicar a pena de aposentadoria compulsória ao desembargador Roberto Wider, que foi corregedor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por favorecer o escritório de um advogado amigo em sentenças judiciais.

Também foi registrada a tentativa frustrada do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo de suspender o favorecimento de pelo menos 29 desembargadores no pagamento de supostos créditos trabalhistas.

Chama atenção, da mesma forma, a denúncia contra um desembargador de Minas Gerais acusado de chefiar uma organização criminosa que concedia decisões judiciais favoráveis a traficantes em troca de propina.

Ainda em relação ao Judiciário, publica-se na sexta-feira a sentença contra o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, de Belém do Pará, condenado por haver publicado em 1999 denúncia contra empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, falecido em 2008, apontado por ele como o maior grileiro da Amazônia. Detalhe: a Justiça já havia anulado os registros imobiliários de quase 5 milhões de hectares no vale do Rio Xingu que C.R. Almeida dizia serem de sua propriedade.

O jornalista foi condenado a pagar multa por “ofensa moral”, mesmo depois de comprovado que sua denúncia tinha fundamento.

A mulher de César

Parece perseguição da imprensa ao Judiciário? Essa é a percepção de muitos juízes. Mas observe-se a reportagem publicada na sexta-feira (17) pelo Estadão: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais acaba de concluir uma licitação para gastar mais de R$ 600 mil na compra de lanches. Entre os itens a serem adquiridos, a lista inclui “cem quilos de filé de bacalhau tipo Porto, quatro toneladas de peito de frango sem osso, dezenas de toneladas de frutas, 3,5 toneladas de queijos variados, 108 quilos de azeitona sem caroço” e outras guloseimas. Ah, também estão encomendadas cinco toneladas de pão de queijo, uai.

O documento especifica as marcas e destaca, em vários trechos, que os produtos devem ser de “primeira qualidade”, pois são destinados ao lanche dos desembargadores.

O jornal lembra que o menor salário da magistratura em Minas Gerais é de R$ 20.677,83, para um juiz substituto. Um desembargador como os que vão receber o modesto lanchinho ganha cerca de R$ 24 mil por mês. Além disso, eles têm direito ao auxílio-alimentação que é pago aos demais servidores do Judiciário.

Detalhe adicional: boa parte dos magistrados tem agenda oficial apenas na parte da tarde, período em que ocorrem quase todas as sessões das câmaras do Tribunal de Justiça, conforme lembra o Estadão.

Uma mesma empresa, que já fornece alimentos para o Tribunal de Minas Gerais desde 2010, ganhou a concessão de todos os seis lotes da licitação.

Alguns integrantes do Judiciário se queixam de má vontade e despreparo de jornalistas ao tratar de assuntos ligados à Justiça. Mas, como se dizia da mulher do imperador romano, não basta que seja honesta. Também tem que parecer honesta.

Na escalada de denúncias de corrupção que inunda o noticiário, o pano de fundo é a impunidade. E o Judiciário tem tudo a ver com isso. Se os juízes honestos não se distinguem na massa de notícias negativas, vão todos para o mesmo balaio da imprensa.

* por Luciano Martins Costa do Observatório da Imprensa

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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