Um leilão de objetos de tortura que deveria ocorrer na terça-feira em Paris, foi suspenso após uma grande polêmica no país e por protestos de organizações de direitos humanos. Em um comunicado conjunto, organizações não-governamentais como a Anistia Internacional afirmaram ser ”chocante e inaceitável” que instrumentos utilizados para torturar e executar pessoas possam ter fins comerciais. ”Diante da emoção suscitada por essa venda, decidimos suspendê-la para que todas as partes envolvidas possam examinar com calma o conteúdo real dessa coleção”, afirmou o leiloeiro Bertrand Cornette de Saint Cyr.
A venda, intitulada ”Penas e castigos do passado”, reunía 350 objetos e documentos ligados à tortura de prisioneiros e à aplicação de penas capitais na Europa ao longo dos séculos. Entre eles, um aparelho para esmagar as mãos, uma banheira para recolher cabeças decapitadas, máscaras usadas por carrascos para esconder o rosto durante a execução do condenado e uma cadeira com assento repleto de pontas espetadas.
A coleção, estimada em 200 mil euros, também tinha um chicote encontrado na Torre de Londres (que funcionou como uma prisão até o século 12) ou ainda uma corda de enforcamento ”autografada” pelo carrasco britânico Syd Dernley, que atuou nos anos 50 e morreu em 1994.
Pêra da angústia
A venda incluía ainda uma ”pera da angústia”, como era chamado o instrumento colocado na boca e que ia aumentando de volume para sufocar os gritos dos prisioneiros que podiam ”incomodar” os juízes dos tribunais da Inquisição.
A ”pera da angústia” também era usada nas partes genitais de homossexuais ou de mulheres suspeitas de ter relações com o ”diabo” na Idade Média. O proprietário da coleção posta à venda também foi motivo de polêmica na França. Os objetos e documentos pertenciam ao ex-carrasco francês Fernand Meyssonnier, que realizou, sob ordens do governo da França, quase 200 execuções na Argélia entre 1957 e 1962, no período da guerra de independência do país.
O leilão, que não continha nenhum objeto da guerra civil da Argélia, havia sido organizado a pedido da família do ex-carrasco, falecido em 2008. O ministro da Cultura, Frédéric Mitterand, também havia criticado a venda e expressado o desejo de que ela fosse cancelada.
Morbidez e barbaridade
”A natureza da coleção se enquadra mais na categoria de morbidez e barbaridade do que cultural. Ela também provoca, em razão de sua origem, dolorosos questionamentos históricos”, declarou o ministro.
”Em vários países, o uso da tortura ainda é uma prática comum. Aceitar a venda desses objetos significa banalizar o flagelo”, diz o comunicado das ONGs, que pediram ao governo francês para que a coleção seja adquirida por museus.
Antes mesmo do início previsto da venda, o leiloeiro já havia decidido, na semana passada, retirar da coleção a réplica de uma guilhotina, afirmando que ainda existe um ”contexto emocional” na França em relação ao objeto.
Da BBC