Uma denúncia intermediada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) levou à libertação de 12 trabalhadores em condições análogas à de escravo, numa fazenda de criação de gado bovino, na zona rural do município de Castanheira (MT), a 800 km da capital Cuiabá (MT). Realizada entre os dias 24 de maio e 1º de junho, a operação constatou condições degradantes de trabalho e ofensa ao princípios fundamentais da dignidade humana.
Contratados para fazer o roçado e abrir a pastagem de pecuária extensiva e para aplicar agrotóxicos, os empregados estavam alojados de modo extremamente precário, em barracos de lona armados no meio do mato. O local não dispunha de quaisquer instalações sanitárias, e as vítimas eram obrigadas a se deslocar ao matagal, sem condições nenhumas de higiene.
Na fazenda, de 11mil hectares e com pelo menos 8 mil cabeças de gado, os trabalhadores não tinham carteira assinada. Eles também não dispunham de vestimentas ou de equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados para tais atividades. Tampouco haviam sido treinados para realizar as tarefas exigidas. A equipe de fiscalização que realizou o resgate teve membros da Superintendência Regional do Trabalho e Emorego do Mato Grosso (SRTE/MT), representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) e policiais estaduais do Grupo de Operações Especiais (GOE).
Segundo o coordenador da operação, o auditor-fiscal do trabalho Gerson Delgado, entre os 12 libertados havia uma mulher adulta que era responsável por preparar as refeições e que, embora tivesse um alojamento próprio, “dividia, sem nenhuma privacidade, o mesmo espaço com os outros empregados”. Além disso, a água que os trabalhadores bebiam e era usada para cozinhar os alimentos fornecidos pelo fazendeiro vinha diretamente de um córrego, sem passar por tratamento algum antes de ser ingerida pelo grupo.
Somente dois trabalhadores – bem como o “gato” que, além de recrutamento, também era o responsável por supervisioná-los – estavam há mais de seis meses na fazenda (desde novembro de 2011). Oito deles trabalhavam há apenas 10 dias no local. E os outros, desde janeiro de 2012. Uma arma de fogo e um caderno com informações sobre cada empregado, ambos pertencentes ao “gato”, foram apreendidos.
Ameaça, fuga e denúncia
Um disparo da espingarda confiscada na fazenda deu início à investigação da SRTE/MT, segundo o coordenador Gerson. “Um dia, o ‘gato’ reclamou do serviço de um dos trabalhadores, porque não estava a contento, por conta de um dia chuvoso e ruim. Esse cara pediu para sair da fazenda, e aí foi ameaçado pelo ‘gato’, que usou da arma para dar um tiro e intimidar o empregado”, explica o coordenador da operação à Reporter Brasil.
Assustado, o trabalhador fugiu do local e denunciou a situação. “A vítima saiu e procurou a CPT, que repassou a denúncia à Superintendência”, diz o auditor-fiscal. Se a pessoa que foi ameaçada não tomasse essa atitude, avalia Gerson, certamente a equipe de resgate teria demorado mais para aparecer e descobrir esse caso de trabalho análogo à escravidão na propriedade em Castanheira (MT). Isso explica, em parte, porque alguns empregados estavam há apenas 10 dias no local quando foram libertados.
Mulher tinha de dividir barraco com homens
Processos e encaminhamentos
No total, o fazendeiro e seu filho, encarregado pela administração da fazenda, tiveram que arcar com indenizações na soma de R$ 70 mil. Tanto os dois quanto o “gato” já assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por danos morais individuais com o MPT. Até o final do próximo mês de julho, uma audiência pública com os autuados será marcada para selar também a indenização por danos morais coletivos.
Segundo o procurador do trabalho José Pedro dos Reis, que acompanhou a fiscalização, será proposto também aos proprietários um compromisso de adequar as condições na fazenda ao exigido pela legislação trabalhista brasileira.
Após a libertação, os trabalhadores receberam as quantias a que tinham direito e foram cadastrados no Projeto Qualificação-Ação Integrada, iniciativa conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do MPT e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), que tem por objetivo a reinserção e requalificação de trabalhadores egressos de situação análoga à de escravo. O nome dos envolvidos não foi divulgado a pedido do coordenador da operação.
Por: Repórter Brasil