A SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial criou ontem (26.06) um Grupo de Trabalho que vai debater com advogados negros atuantes em casos de discriminação racial no Brasil a nova redação do Código Penal e propor alterações à comissão jurídica do Senado que discute as reformas do texto. Os advogados apontam a necessidade, por exemplo, da inclusão da discriminação e preconceito raciais e da intolerância religiosa como circunstâncias agravantes genéricas – que podem fazer aumentar a pena em qualquer crime (um homicídio, por exemplo) no qual aquela seja a motivação. O encontro foi mediado pelo Ouvidor Nacional da SEPPIR, o advogado Carlos Alberto Souza e Silva Jr.
“Este GT tem como objetivo produzir não apenas uma avaliação, mas também propostas de mudança do Código Penal Brasileiro. Não é preciso dizer da importância que a questão penal sempre teve para a população negra no Brasil. Em muitos sentidos, o racismo se constitui através da criminalização da negritude. O fato de ser negro e as manifestações todas que se referem à presença negra no Brasil sempre foram criminalizados”, afirmou a ministra Luiza Bairros, na abertura do encontro.
Princípio da Insignificância – “O mais grave é a adoção, pelo projeto de lei que dá a nova redação do Código Penal, do Princípio da Insignificância, uma porta larga para quem entende que o racismo não tem nenhuma importância. Pelo novo texto, o juiz pode, por exemplo, não considerar o fato criminoso quando, em sua interpretação, for mínima a ofensividade da conduta do agente; for reduzidíssimo o grau de reprobabilidade do comportamento; e a inexpressividade da lesão jurídica. A maior parte dos juristas não está a par dessa alteração e do alto grau de risco que isso representa como retrocesso no enfrentamento do racismo”, destacou Hédio Silva Jr., advogado e ex-secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado de São Paulo.
Outro exemplo de retrocesso do novo texto proposto para o novo Código Penal e apontado pelo advogado é a retirada do chamado tipo penal aberto, em que há uma descrição genérica de determinada prática cujo conteúdo preciso vai sendo definido pela experiência, a jurisprudência, a interpretação feita pelos advogados, juízes e promotores.
“Por esta ótica, qualquer conduta violadora de direitos com base em discriminação racial é prática de racismo. Isto é o que se chama tipo penal aberto e que foi suprimido na nova redação. Há no novo texto uma estrutura dos delitos de preconceito e discriminação, dentro de um tópico chamado Crimes Contra os Direitos Humanos, em que, na verdade, essa terminologia – preconceito e discriminação – é usada referindo-se a outras modalidades discriminatórias, começando pelos idosos, deficientes até chegar no problema da discriminação racial. Embora seja uma tecnicalidade, o fato de se suprimir o tipo penal aberto fez com que hoje, no projeto de lei como está aqui, se a discriminação racial não se referir a acesso a educação, emprego público e empresa privada, não haja mais discriminação”, explica.
Alegoria – O advogado Dojival Vieira chamou a atenção para o risco de o racismo passar a ser tratado como “alegoria”, apenas no plano simbólico. “É preciso que nós apresentemos uma proposta alternativa em que o enfoque do Código Penal que enquadra alguns temas siga um modelo de Justiça criminal restaurativa, em vez de retribucionista”, disse Vieira, contrapondo os conceitos jurídicos que preconizam uma resposta que leva as vítimas, os delinquentes e a coletividade a reparar, coletivamente, os danos causados, através de soluções alternativas à prática jurídica tradicional, e aquela em que a imposição de pena tem exclusiva tarefa de realizar justiça.
Participaram ainda do primeiro encontro do GT os advogados Jorge Terra (Procuradoria Geral do Rio Grande do Sul e Rede Afrogaúcha de Profissionais do Direito), Eduardo Pereira da Silva (presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo), Marco Antonio Zito Alvarenga (Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo), Ezequiel Santos (Ouvidor da Seppir/DF), Antonio Mario (Seppir/DF), Daniel Teixeira e Kayodê Silva (Ceert), Sergio São Bernardo (Instituto Pedra de Raio/BA), Elizeu Lopes e André Moreira.