A ordem era clara: surrar, reprimir, amedrontar. A prisão de manifestantes que tentavam chegar ao local de concentração do ato contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo remeteu a um triste passado brasileiro. Em 31 de outubro de 1975, a Secretaria de Segurança do estado colocou barreiras por todos os lados para tentar impedir que cidadãos contrários à ditadura chegassem à Catedral da Sé para o ato ecumênico em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões do DOI-Codi uma semana antes.
Guardadas as proporções, a repetição não surpreende. A Polícia Militar de São Paulo não passou pela depuração institucional que exige a chegada à democracia, em qualquer lugar do mundo, e segue a servir como instrumento de repressão. Nos arredores do Teatro Municipal, revistas violentas eram a ordem, e “porte de vinagre” foi subitamente transformado em crime. Valia qualquer pretexto para tirar de circulação e provocar medo em quem decidisse sair de casa ou do trabalho para apoiar a passeata.
Demonstração da sanha de recolher foi a montagem de um centro de “batida” policial do outro lado do Viaduto do Chá, na Praça do Patriarca, em frente à prefeitura.
Surpreendente foi a ira contra jornalistas. Durante toda a noite de horror, mais de uma dezena foi detida, espancada ou agredida. A repórter Gisele Brito, da RBA, procurava um lugar tranquilo para começar a escrever um texto já ao final da manifestação quando foi surpreendida com um golpe de cassetete na nuca. O motivo? Nenhum. Não era necessário achar motivo porque a ordem era essa: surrar, reprimir, amedrontar.
Ordens, isso mesmo. Uma corporação militar não age sozinha: obedece. Dada a proporção que ganhou o movimento, difícil imaginar que não tenha partido de dentro do Palácio dos Bandeirantes a determinação para transformar São Paulo em caos. Geraldo Alckmin (PSDB) tem buscado em todos seus mandatos lucrar com a agenda do endurecimento e da repressão de movimentos sociais.
Neste sentido, os atos contra o aumento do preço das passagens de trens, ônibus e metrô lhe caiu como uma luva. O tucano atendeu a seu chamado de classe, e ao chamado dos meios de comunicação que o apoiam, excitados com a possibilidade de agressões contra “baderneiros”. “Depredação, violência e obstrução de vias públicas não são aceitáveis. O governo de São Paulo não vai tolerar vandalismo” foi a resposta que ofereceu, pelo Twitter, à população – depois disso passou a se divertir com anúncios de obras e de liberação de verbas para o interior.
Alckmin é fã da PM que reprime movimentos sociais. Promoveu a invasão da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, e por inúmeras vezes agrediu estudantes e professores reivindicando reajuste salarial ou aumento das verbas para educação. Este ano, parecia que seria influenciado pela mudança de companhia ao atender ao pedido do novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e suspender a reintegração de posse no Jardim Iguatemi, zona leste da capital.
Mas parece que neste caso foi Alckmin quem influenciou Haddad. A cooperação e a disposição para o entendimento que petista e tucano têm demonstrado desde o começo do ano é motivo de celebração. Porém, este diálogo deve sempre trabalhar em prol da população, e não contra ela, como ocorreu nessa quinta-feira. O que o prefeito fez com suas afirmações, proferidas durante a tarde, foi dar chancela a um movimento de aterrorização da população: manifestantes e não manifestantes todos saíram perdendo nesta história, que levou a cidade a parar mais cedo, a se esconder, a ter medo de conversar.
Voltar atrás pode ser uma dificuldade política. Não se contesta o cálculo que pode estar sendo feito na prefeitura. No entanto, daí a dizer que o movimento foi violento, quando todas as cenas mostravam o contrário, vai uma distância imensa. “São Paulo está acostumada às manifestações. O que a cidade não aceita é a forma violenta de se manifestar e se expressar. Com isso não compactuamos”, disse Haddad. “A renúncia à violência é o pressuposto de diálogo.” Tem razão. Por isso, pede-se ao prefeito que telefone ao governador, e sugira que renuncie à violência para que se possa abrir o diálogo.
A fala do prefeito faz supor alguém encastelado, que não olhou de perto a situação desde ontem, quando voltou de Paris. Até onde se sabe, Haddad é um homem sensível, como demonstrou ao cobrar de Alckmin que não reprimisse os moradores do Jardim Iguatemi. A postura leva a imaginar que esteja vendo a situação a distância, sem se dar conta de que o caso é grave.
Não mais feliz foi o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também do PT, que voltou a oferecer a Polícia Federal como apoio para o governo estadual. Melhor faria a gestão Dilma Rousseff se negociasse rapidamente com o Congresso a aprovação de projetos que reduzam a dívida do município, abrindo caminho para que se possa negociar o aumento do subsídio à tarifa, com a consequente redução do valor da passagem.
“A prefeitura já subsidia em R$ 1,2 bilhão por ano o transporte público na cidade. Se não subisse esses vinte centavos, o subsídio subiria para R$ 1,8 bilhão”, ponderou o vereador Nabil Bonduki. “Veja, tudo está subindo. Não é só o ônibus. Não vejo lógica de a prefeitura ter de sustentar essa inflação quando é importante investir no sistema de transportes. Entendo que só podemos construir uma saída pelo diálogo.”
A proposta está na mesa: o Ministério Público Estadual sugeriu, antes da repressão, que o aumento de tarifa fosse suspenso por 45 dias para que se pudesse buscar um acordo. Mas nem Haddad, nem Alckmin responderam aos pedidos de conversa. Nas contas da prefeitura, abrir mão do aumento de vinte centavos, de R$ 3 para R$ 3,20, tem um custo total de R$ 600 milhões. Não é pouco para uma prefeitura com uma dívida elevada, mas o custo social para um prefeito que até então se mostrava sensível e aberto à conversa pode superar bastante essa barreira matemática.
De João Peres, da Rede Brasil Atual