Escândalo Siemens em SP: Lobista tucano é suspeito

O empresário José Amro Pinto Ramos circula nos meios sociais paulistanos com desenvoltura. Coleciona arte e é sócio do Jockey Club paulistano, onde tem mesa cativa com vista privilegiada para o Padock e nome gravado em bronze. Suas digitais, porém, aparecem com frequência em um dos mais rumorosos escândalos financeiros dos últimos tempos, no qual estão envolvidos líderes da direita como o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e seu antecessor José Serra.

Pinto Ramos ingressou na lista dos homens mais ricos do país ao intermediar grandes negócios nas mais altas esferas do poder, há mais de 40 anos. Participou da venda de caças Mirage para a FAB, nos anos 70, e foi consultado pela Aeronáutica agora, para a substituição das esquadrilhas pelo caça Rafale, também fabricado pela francesa Dassault. Pinto Ramos também deixou rastros no escândalo doSistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) durante o primeiro mandato de FHC e está entre os citados no estrondoso caso dos investimentos fraudulentos do megainvestidor Bernard Madoff, nos EUA.

“Ele tanto apresentou o marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, para Sérgio Motta e o PSDB, quanto aproximou José Dirceu e o PT da Casa Branca. Foi homem forte na gestão de Jânio Quadros na prefeitura de São Paulo e trafegou com desenvoltura nos governos de Orestes Quércia, Luiz Antônio Fleury e Mário Covas.

Auxiliou as maiores empreiteiras do Brasil em negócios no país e no exterior e fez do eixo Washington-Paris-São Paulo-Brasília, o seu cenário de “operações”, algumas tidas como nem sempre ortodoxas. Paulo Maluf, em histórico bate-boca com o falecido ministro Sérgio Motta, disse claramente que José Amaro Pinto Ramos mandava no tucanato. Serjão, apesar de toda sua conhecida irreverência, calou-se e não respondeu ao adversário”, cita uma matéria divulgada, nesta segunda-feira, no site de notícias 247.

Pinto Ramos, além da Polícia Federal brasileira, é alvo de uma investigação por parte da PF norte-americana (FBI, na sigla em inglês) “por negócios mal esclarecidos nos Estados Unidos”, segundo o site. “O lobista da Alstom e da Siemens (dentre outras dezenas de grandes corporações nacionais e internacionais) sai à luz com a revelação de que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal o investigam por suposta participação central no escândalo do Metrô, com o comprovado desvio de mais de US$ 1 bilhão”, acrescenta.

“Uma das ‘operações’ de José Amaro Pinto Ramos, a que o 247 teve acesso com exclusividade, chamou a atenção do MPF e do DPF. Ela se deu em 30 de junho de 2010, quando o lobista transferiu a titularidade de uma empresa de sua propriedade, através da cessão e transferência de 1 milhão e duzentas mil quotas pelo valor de R$ 1,00 por quota, para outras três empresas, capitaneadas pelo ex-deputado federal paulista Antônio Henrique Cunha Bueno, notório ex-líder monarquista e amigo pessoal de FHC.

Pinto Ramos e a Epcint Assessoria Técnica Ltda., transferiram as quotas que possuíam para as empresas Marenostrum (1.248.502 quotas), à Ressac (83.363 quotas) e à EDEN (333.454 quotas). José Amaro Pinto Ramos e a sua empresa (Epcint) transferem o negócio e as três empresas, imediatamente, formam a Vitrus Consultoria de Mercados, uma sociedade anônima. A nova diretoria é constituída por Cunha Bueno, como presidente, e Pinto Ramos é nomeado diretor-administrativo”, diz a matéria.

“As autoridades trabalham com a possibilidade de que Pinto Ramos realizou uma operação bastante conhecida no mercado, tentando apagar os rastros de operações de lobby e pagamento de propinas realizadas por sua antiga empresa, a Epcint, formando uma nova, com a incorporação de outras empresas, que seriam dele ou de pessoas ligadas a ele. Esse pode ser, segundo uma fonte da Polícia Federal, um dos caminhos pelos quais passa a intrincada história do rombo de mais de US$ 1 bilhão do metrô paulista”, completa.

247 traz, ainda, “com exclusividade, trechos da ata de constituição da Vitrus, que chamou a atenção do Ministério Público e da Polícia Federal”:

Data: 30.06.10. Hora: 16h. Local: Sede Social.Presença: sócios representando a totalidade do capital social: José Amaro Pinto Ramos (Presidente) e Epcint Assessoria Técnica Ltda. (“EATec”); bem como os seguintes presentes: Marenostrum Participações Ltda.; Ressac Participações Ltda.; Epcint Desenvolvimento de Negócios Ltda. (“EDEN”); Sayoko Minemura; Helio Machado Bastos Filho; e Antônio Henrique Bittencourt Cunha Bueno (Secretário). Deliberações tomadas por unanimidade. 1. Cessão e transferência de quotas , no valor nominal de R$ 1,00 cada uma, conforme segue: (i) José Ramos transfere a totalidade de suas quotas da seguinte forma: (a) 1.248.502 quotas à sócia ingressante Marenostrum; (b) 83.363 quotas à sócia ingressante Ressac; e (c) 333.454 quotas à sócia ingressante EDEN; e (ii) EATec cede e transfere a totalidade das 1.949 quotas de que é titular à sócia ingressante Marenostrum; 2. Retirada dos sóciosEATec e José Ramos e o ingresso das sócias Marenostrum, EDEN e Ressac, como únicas sócias da Sociedade; 3. Transformação da Sociedade em sociedade por ações; 4. Alteração da Denominação Social , que passa a ser Vitrus Consultoria de Mercados S.A.; 5. Nova Composição do Capital Social , totalizado em R$ 1.667.268,00, que passa a ser representado por 1.667.268 (“Ações”), com valor nominal de R$1,00 cada uma, divididas em Ações Ordinárias Classe A e Ações Ordinárias Classe B, distribuídas nas seguintes proporções: (a) Marenostrum é titular de 1.250.451 Ações Classe B, (b) Ressac é titular de 83.363 Ações Classe B, e (c) EDEN é titular de 333.454 Ações Classe A; 6. Aprovação do Estatuto Social ; e 7. Eleição dos Diretores da Sociedade, todos com mandato de 3 (três) anos: (i) o Sr. Antônio Henrique Bittencourt Cunha Bueno, para o cargo de Dir. Presidente, (ii) o Sr. José Amaro Pinto Ramos, para o cargo de Dir. Administrativo; e (iii) a Sra. Sayoko Minemura, para o cargo de Diretora sem designação específica, que farão jus a honorários no limite global e anual de R$ 1.000,00 (mil reais). Aprovada e por todos assinada. SP, 30.06.10. Jucesp – Reg. 311.199/ 10-0, em 27/08/10. José Amaro Pinto Ramos, Presidente. Constituída sociedade Vitrus Consultoria de Mercados S.A., sob NIRE: 35.300.383.508.

Governos tucanos

Com isso, Pinto Ramos tornou-se um dos principais alvos principais das investigações que buscam desvendar as suspeitas de formação de cartel, corrupção, lavagem e pagamento de propina pelo consórcio encabeçado pela alemã Siemens e a francesa Alstom em 23 anos de negócios com o governo de São Paulo. Nos documentos investigados pela PF e o Ministério Público (federal e estadual), Pinto Ramos aparece como dono de seis empresas com atuação nacional e internacional. Mas o que mais chama a atenção em seu perfil, no entanto, é a longevidade e a capilaridade da rede de negócios amparada nas relações políticas.

Ele se aproximou do governo paulista já na redemocratização, atravessou as gestões de Franco Motoro, Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury intermediando negócios, mas firmou-se mesmo como personagem de bastidor e operador nos governos do PSDB. Numa das representações com pedido de investigação sobre suas atividades, encaminhada pela bancada do PT na Assembleia paulista já em 2008, Pinto Ramos é descrito como “amigo fraterno” do falecido ex-ministro Sérgio Motta, num relacionamento que teve início antes mesmo do PSDB chegar ao Palácio do Planalto e ao governo paulista, em 1994.

Durante a posse do ex-presidente americano Bill Clinton, em 1993, o lobista apresentou Motta ao marqueteiro James Carville, estrategista em eleições que mais tarde viria prestar assessoria à campanha vitoriosa de Fernando Henrique nesse mesmo ano. No mesmo dia da posse de Clinton, Pinto Ramos ofereceu um jantar a Fernando Henrique, na época chanceler do Brasil, em que participou também o empresário Jack Cizain, ex-diretor da Alstom. Três anos depois, Cizain participa da compra da Ligth como representante da Electricité de France (EDF), integrante do consórcio que ganhou a privatização. A estatal fluminense foi dirigida até o ano passado por José Luiz Alquéres, que foi presidente da Alstom, também apontado como suspeito no esquema.

Pinto Ramos especializou-se, ao longo dos anos, na prestação de serviços de energia e transporte sobre trilhos e, por conta dos negócios com estatais, respondeu denúncias de recebimento depropinas da Alstom. Em uma das ações, arquivada, chegou a ser acusado por formação de quadrilha e falsidade ideológica, ao lado do ex-presidente do Metrô na gestão do ex-governador Orestes Quércia, Antônio Sérgio Fernandes. Em 1995, segundo reportagem da revista U.S. News & World Report, Pinto Ramos foi investigado pelo FBI no caso de corrupção envolvendo o secretário de Comércio de Bill Clinton, Ron Brawn. A atuação do empresário se estende também a negócios brasileiros na Europa, Japão e União Soviética.

Na única entrevista em que aceitou tocar no assunto, ao diário conservador paulistano O Estado de S. Paulo, em 2008, cujo teor foi anexado às investigações, José Amaro Pinto Ramos admite que trabalhou para a Alstom, mas nega que tenha recebido propina. Contou que uma de suas empresas foi contratada no início dos anos de 1990 pelo consórcio Mafersa/Villares, mais tarde arrendado pela Alstom, para estruturar “um complexo crédito externo” que garantiria a produção nacional de trens para a Linha 2 do Metrô de São Paulo. Procurado pelo iG , o empresário não foi encontrado.

O que o Ministério Púbico busca agora é o elo internacional entre o suposto esquema de propina paga a personalidades ligadas ao PSDB com as empresas de Pinto Ramos. Ele figura na Junta Comercial de São Paulo como sócio da Epcint Desenvolvimento de Negócios Ltda, Epcint Importação & Exportação Ltda, Epcint Assessoria Técnica Ltda, Lutécia Administração & Participações Ltda, Vitrus Consultoria de Mercados Ltda, e Ecopro Tratamentos e Recuperações Industriais Ltda. Todas foram abertas entre 1984 e 2007 e despacha num escritório do complexo empresarial da região da Berrini.

Uma dessas empresas, a Epcint Assessoria Técnica S/C Ltda foi multada pela Prefeitura de São Paulo por não recolhimento de tributos e responde processo cível na Justiça Federal. Em 2005, a empresa aceitou pagar à Prefeitura, em sessenta prestações, uma dívida de ISS de R$ 1.186.743.96. Ainda em 1996, em meio à campanha eleitoral pela Prefeitura de São Paulo, o então prefeito e hoje deputado Paulo Maluf, chamado de “ladrão” pelo ex-ministro das Comunicações de Fernando Henrique, devolveu a ofensa com uma fina e curta ironia: “Ele se chama Sérgio Pinto Ramos Motta”. Era uma insinuação de que a ligação entre os dois poderia estar relacionada às ligações do lobista com o governo tucano.

Dois anos depois, Maluf tentaria convencer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a usar um dossiê como uma suposta prova da existência de uma conta bancária da cúpula tucana em Cayman – conhecido paraíso fiscal do Caribe – para tentar derrotar Fernando Henrique Cardoso.

Os documentos entregues a emissários de Maluf por um grupo de estelionatários internacionais, porém, eram falsos e a emenda saiu pior do que o soneto, com todos os denunciantes do chamado Dossiê Cayman, Maluf entre eles, foram processados e condenados por calúnia contra o presidente da República e as investigações sobre o suposto esquema de propinas acabaram prejudicadas. Lula só não usou os papéis para denunciar o esquema porque a origem, que incluía também Leopoldo Collor, o irmão do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor, era duvidosa. Quem o livrou de uma complicação mais grave foi o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, à época, advogado do PT.

Quinze anos depois, as suspeitas ganharam força com a delação da Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, ressuscitaram a Alstom e, por tabela, e as perigosas relações do empresário José Amaro Pinto Ramos. Embora o Dossiê Cayman tenha sido frustrado, as suspeitas de dinheiro sujo, circulando por paraísos fiscais, voltam a assombrar os dirigentes do PSDB.

Do Correio do Brasil

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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