A retrospectiva 2014 poderia se basear em um levantamento de números. Quantos casamentos – tanto hetero como homoafetivos –, quantos divórcios consensuais ou litigiosos, quantas uniões estáveis assumidas ou desfeitas.
Reduzir as relações familiares à tabulação em planilhas certamente não dará resposta a vários questionamentos, até porque, superadas as modificações há muito introduzidas em nosso ordenamento jurídico, a vida a dois (ou a três, como alguns já admitem como se natural fosse), caminha para certa normalidade numérica.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 – que reconheceu em seu artigo 226 a família como base da sociedade, ampliando em seu parágrafo segundo a proteção do Estado à união estável – até as novas regras de sucessão trazidas pelo novo Código Civil para os cônjuges (a partir do artigo 1.829 e seguintes) e companheiros (artigo 1.790 do Código Civil), as inovações jurídicas no Direito de Família seguem nos surpreendendo. Ora por força do legislador, ora por força da aceitação da sociedade que revendo usos e costumes admite em seu convívio novas formas de família.
Melhor assim. O Direito de Família e Sucessões, ao contrário de outros, toca no nevrálgico ponto das relações familiares, que são, ao final, a base de qualquer sociedade. Parece que a última novidade com o que encerramos o ano de 2014 fica com a aprovação do Projeto de Lei originado na Câmara dos Deputados sob o número 117/2.013, que busca regulamentar em uma penada a guarda compartilhada, medida para se ver com reservas.
Apesar de todas essas inovações, o instituto da família persiste forte, ainda que em formatos inusitados. O casamento monogâmico, heterossexual e indissolúvel que forjou a família brasileira não é mais a única opção para a sociedade moderna. Nos deparamos com a família monoparental, onde os filhos são criados só pelo pai ou só pela mãe, e a família anaparental, onde os filhos são criados sem presença materna ou paterna.
Cada vez mais surgem consultas da família pluriparental, que é a reconstrução em um novo lar de uniões desfeitas gerando, quanto aos filhos, os já conhecidos “os meus, os seus e os nossos”. Há quem faça questão de registrar a família eudemonista, construída pela comunhão de afeto recíproco entre seus membros, sendo dispensável o vínculo biológico. A família paralela passa a ter reconhecidos direitos decorrentes das relações extraconjugais. E se muitos e diferentes surgem para formar a mesma família, discute-se na ponta oposta a família unipessoal que é formada por um único indivíduo.
A prole não tem mais como condição obrigatória as figuras de um pai e uma mãe, na medida em que, contornando o que a natureza limita, é possível filhos com ascendentes de apenas um sexo, ao menos na certidão de registro civil. A multiparentalidade, enfim, é uma realidade com a qual já convivemos nos dias de hoje.
A noção de casamento (ou similares) como base da família, instituição arraigada ao ser humano desde os primórdios, sempre foi das mais solidificadas e que soube se aperfeiçoar e demonstrar-se imprescindível. Se no passado vivemos o casamento indissolúvel com injustiçados desquitados que viviam à margem da sociedade, muito especialmente as esposas, caminhamos agora para uma revolução do conceito de família, cujo círculo ainda não fechou.
O ano de 2015 promete novos desafios, sem ainda termos dado respostas concretas àqueles já colocados pela sociedade brasileira. Devemos abraçar todas as opções a qualquer preço e a qualquer título? De um extremo a outro, in médio virtus é o alerta que nos faz o Direito Romano. No meio é que está a virtude. Resta saber até onde pretendemos chegar.
Por Luiz Kignel do ConJur