Nem os mais otimistas integrantes de movimentos favoráveis aos direitos de uniões homoafetivas acreditavam em um resultado diferente na última semana.
A aprovação do Estatuto da Família (Projeto de Lei 6583/13) por 17 votos favoráveis e cinco contrários era tida como certa diante de uma comissão composta majoritariamente por parlamentares de bancadas religiosas.
O texto do relator deputado Diego Garcia (PHS-PR), que define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher, foi considerado um retrocesso por diversos segmentos que ainda esperam o arquivamento pelo plenário.
“A pauta do estatuto é desenhar esta família, dizer qual é o padrão natural, mas a sociedade não é estanque, ela se reorganiza e agora tem estatuto dizendo que este é único modelo de família que merece os investimentos em politicas publicas”, disse Patrícia da Silva, assistente social e diretora do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-SP).
Atuando na ponta, no atendimento às famílias, Patrícia afirmou que os espaços públicos estão tomados de conservadorismo e alertou para o risco de, o estatuto virando lei, restringir direitos fundamentais a algumas pessoas.
“A politica social diz que o centro é a família e todos os investimento que recebemos é para essas famílias, independente da formação. A partir do momento que o estatuto retira isso, a pluralidade, qual será o investimento e quem o Estado vai permitir que a gente atenda enquanto família? Como vamos olhar para a família que não tem a formação que o estatuto prevê”, disse.
O argumento dos conservadores é que a Constituição explicita claramente o conceito de família no artigo 226. E foi neste dispositivo que os parlamentares encontraram a lacuna para criar uma lei que assegurasse direitos como o do atendimento garantido em saúde.
“A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconheceu um dado que é da natureza. Porque o afeto não é critério constitutivo de família. As pessoas que quiserem ter o afeto que tenham, e o Estado vai garantir isso. Daí a transformar em entidade estável, que garante a procriação e a formação de pessoas, é outra conversa. Não estamos querendo impor nada, pelo contrário. Nós humildemente estamos reconhecendo o que a natureza prescreve”, argumentou o deputado Evandro Gussi (PV-SP).
Durante os debates na comissão especial, deputados do PT, PCdoB, PTN e PSOL tentaram, em vão, adiar a votação para ganhar mais tempo para convencer por uma mudança no texto.
Os deputados Glauber Braga (PSOL-RJ), Maria do Rosário (PT-RS), Bacelar (PTN) e Erika Kokay (PT-DF) protagonizaram os diversos requerimentos de adiamento que foram colocados em pauta, levando a sessão a se estender por quase cinco horas.
“Quanto mais essa comissão caminha, mas tenho convicção de que está sendo tramado um golpe no país. Temos que ter liberdade nas nossas relações. Que lógica é essa que impede a relação de um com o outro. Esse estatuto nasce morto. Será barrado no STF”, disse Erika Kokay, que várias vezes lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu favoravelmente à união civil homoafetiva.
Em decisão sobre uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, o então ministro do STF Ayres Britto declarou que nenhum dos dispositivos da Constituição Federal que tratam da família proíbem formação a partir de uma relação homoafetiva.
Segundo ele, diferentemente da Constituição de 1967, que previa a família constituída somente pelo casamento, a versão de 1988 evoluiu para dar ênfase à instituição da família, independentemente da preferência sexual de seus integrantes.
“A preferência sexual é um autêntico bem da humanidade”, disse, completando que o artigo 1723 do Código Civil deve ser interpretado conforme a Constituição, excluindo “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’”.
Com informações da EBC