A guinada à direita no governo da presidenta Dilma Rousseff, eleita com os votos da esquerda e de parcela considerável do eleitorado de centro, ao reforçar a presença do ministro Joaquim Levy poderá lhe custar muito caro. A observação é do advogado, jornalista, urbanista e senador da República Roberto Requião (PMDB-PR). Ex-governador do Estado do Paraná, em entrevista exclusiva ao Correio do Brasil, Requião foi categórico:
– Perder apoio à esquerda pode ser fatal.
Leia, adiante, a íntegra da entrevista:
– Como o Sr. avalia a atuação do governo Dilma Rousseff no campo econômico, com a presença do economista Joaquim Levy no Ministério da Fazenda?
– A presença de Joaquim Levy na Fazenda é um acinte, uma excrescência, uma anomalia face aos compromissos da presidenta no segundo turno das eleições de 2014. Nada a ver com os 54 milhões e meio de votos que ela teve.
Ela foi reeleita para aprofundar um programa econômico, social e politico à esquerda, o justo oposto ao programa neoliberal de Aécio Neves. E eis que ela adota exatamente o programa do adversário derrotado. Derrotado, diga-se, por causa de seu programa de ajustes e arrochos. Enfim, o bovino tossiu.
– Quais os resultados práticos para o país o Sr. espera de um estrategista econômico que reza pela cartilha conservadora da Escola de Chicago, em um governo que deveria trilhar por rumos mais à esquerda?
– Tudo aquilo que vimos, que estamos vendo, acontecer na Europa e em todos os países que rezam pela bíblia mofada, apodrecida, ultrapassada de Milton Friedman. Deu errado uma vez, duas vezes, três vezes com FHC. Vai dar errado sempre. Dizia-se, meses atrás, que os programas sociais seriam preservados. Hoje, selecionam quais programas sociais cortar. Era inevitável que seriam cortados. Há uma incompatibilidade absoluta, in limine litis (na questão inicial), entre os ajustes neoliberais e a manutenção de programas sociais. Desde de o principio das coisas, desde o Big bang todos sabemos disso. Querem enganar a quem? Dizem que trair e coçar e só começar. Começou, e agora não haverá limites para os golpes levyanos contra os interesses nacionais e populares.
– A rejeição de setores do PT e de segmentos majoritariamente socialistas do eleitorado às demandas do ministro Levy seria um fator a mais de desequilíbrio político para o governo?
– Sim. Perder apoio à esquerda pode ser fatal. Desacreditado à direita, abandonado à esquerda, o que resta ao governo? Restaria demitir Levy e adotar uma política econômica-social nacionalista, popular e radicalmente democrática. Radicalizar a democracia elevando os interesses das classes desapegadas do grande capital nacional e multinacional à política de Estado. Antes de tudo, o emprego, o salário, a moradia, a segurança alimentar, a educação e a saúde públicas universalizadas, garantidas como princípios e direito. Fim das concessões e privatizações disfarçadas ou não disfarçadas . Reerguer a Petrobrás e garantir o monopólio estatal absoluto sobre o petróleo. Fulminar a prevalência do rentismo sobre a produção. Estancar o processo de desindustrialização do país e início imediato de um programa de inventivo à indústria brasileira. Digo programa e não iniciativas episódicas, soluçantes, de desoneração e coisa e tal.
– O Sr. acredita na possibilidade de um golpe de Estado no Brasil?
– Cui prodest? A quem beneficia um golpe de Estado hoje? A banca, o capital vadio, os especuladores nacionais e multinacionais não estão sendo satisfatoriamente contemplados? Apoiam o golpe e oimpeachment, parece-me, apenas os ressentidos, os que não se conformam com a derrota eleitoral. A direita irracional, os fascistas de sempre. Talvez seja possível afirmar que hoje o risco de golpe não está presente.
– O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na sua opinião, resiste à pressão para que deixe o cargo, uma vez que o STF aceite a denúncia contra ele?
– Acredito que isso depende do balanço de forças. Se ele for abandonado pelos atuais apoiadores, caso ele se isole, é possível que não se sustente no cargo, mesmo que apenas denunciado e não julgado. Vamos ver que rumo toma a procissão…
‘Que comunicação?’
– Como o Sr. interpreta a recente onda de demissões nas empresas que integram a mídia conservadora no país (Organizações Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo etc)?
– A crise da velha mídia não é de hoje. Há tempo que ela vem minguando, encolhendo. Agora, com a crise econômica nacional e mundial, os calos ficam ainda mais apertados. No entanto, que não haja ilusões, que não se comemore antes do tempo: a influência nefasta, deletéria da velha mídia continua forte. E essa influência precisa ser combatida. O remédio imediato que temos à mão é o meu projeto de Direito de Resposta, aprovado por unanimidade no Senado e que dorme na Câmara, embora sob regime de votação urgente. Garantir já o direito ao contraditório, obrigando a mídia abrir espaços para restabelecer a verdade dos fatos, é um passo gigantesco para quebrar o monopólio da informação.
– As mesmas empresas que demitiram centenas de jornalistas, até agora, são as mesmas que receberam, ao longo das últimas décadas, bilhões de reais em verbas públicas…
– Isso não é de hoje. A chantagem que a grande mídia exerce sobre o poder público é algo entranhado à vida nacional. É a troca do verbo pela verba. Imaginava que os governos do PT pudessem mudar isso, fortalecendo os meios públicos de comunicação. Quando cobrei isso, ainda no primeiro ano do governo Lula, determinado ministro, poderosíssimo, disse-me: ‘Governador (eu era governador do Paraná, então), já temos a nossa televisão, é a Globo’. Pois é…..
– De que forma o Sr. analisa a estratégia de Comunicação do governo Dilma?
– Que comunicação? Há uma comunicação? Existe alguma estratégia (ou tática) de comunicação no Governo Federal? Comunicar o quê? O arrocho Levy? Os anunciados cortes em programas sociais? Aliás, queria deixar aqui uma pergunta (a Dilma): é verdade que a presidenta, até hoje, não deu nenhuma entrevista exclusiva aos veículos da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC)?
– O Sr. vê alguma solução prática para a democratização da mídia, no Brasil?
– A aprovação do Direito de Resposta, quebrando a versão única da mídia conservadora seria uma passo gigantesco.
– Por último, e já agradecendo pela entrevista: o Sr. é contra ou a favor a descriminalização das drogas?
– A liberação não diminuiu o consumo, onde adotada. E como a descriminalização é sobretudo da maconha, também não diminuiu o tráfico. Portanto. Tata-se de uma panaceia e não tem sentido.
Entrevista de Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.