A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) notificou o Brasil sobre possível violação aos direitos dos militares homossexuais Fernando e Laci Alcântara. A denúncia dos primeiros parceiros gays assumidos do Exército Brasileiro foi levada ao órgão da em 2012.
A reclamação foi aberta pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil). Nesta terça-feira (29), a entidade anunciou o início do processo internacional contra o Estado brasileiro. O Brasil tem que apresentar, em maio, uma resposta para contestar a denúncia de discriminação contra os sargentos gays.
Para o Cejil, os dois militares sofreram “uma extensa gama de violações” aos direitos fundamentais. Laci e Fernando denunciaram perseguições motivadas pelo o fato de pertencerem às Forças Armadas e viverem uma relação homoafetiva.
Fernando se tornou responsável por uma seção do Exército que autorizava cirurgias de alto custo realizadas pelo plano de saúde da instituição. Foi quando verificou a existência de um esquema de fraudes nessas autorizações. Ao denunciar o esquema, Fernando afirmou que passou a ser perseguido. “Fizeram uma devassa na minha vida para encontrar fragilidades. E a fragilidade encontrada foi a minha homossexualidade”, disse em entrevista ao site em 2012.
O Cejil entende que os fatos correspondem a violar a liberdade de expressão e pensamento, o acesso a recursos judiciais, a igualdade e a não-discriminação, a vida privada, a integridade pessoal, a liberdade pessoal e as garantias judiciais.
Há dois anos, Fernando e Laci ameaçavam deixar o país temendo pela própria vida. Àquela época, o site já noticiava que eles haviam denunciado o caso à OEA.
Caso de Laci e Fernando:
Laci e Fernando foram o primeiro casal de militares homossexuais a assumir claramente a sua orientação sexual. Em entrevista à revista Época, o casal denunciou as constantes perseguições de que eram alvo. Segundo eles, a homossexualidade foi a desculpa encontrada por alguns membros do Exército para constranger Fernando.
Considerado então um militar de reputação ilibada, com várias condecorações, ele se tornou responsável por uma seção do Exército que autorizava cirurgias de alto custo realizadas pelo plano de saúde da instituição. Foi quando verificou a existência de um esquema de fraudes nessas autorizações. Ao denunciar o fato, conta que começou a ser perseguido. “Fizeram uma devassa na minha vida para encontrar fragilidades. E a fragilidade encontrada foi a minha homossexualidade”.
Na época em que a história dos dois sargentos veio a público, Laci estava afastado do trabalho por problemas de saúde e chegou a ser preso, acusado de deserção, ou seja, abandono do serviço militar. Durante esse período, o sargento sofreu com graves crises de depressão. Para o casal, o agravamento das crises, se deu, em parte, devido ao preconceito que sofreram em decorrência da relação homossexual. Foi nessa época também, relatam eles, que as ameaças contra a vida dos dois começaram a se tornar mais frequentes.
O casal alega que desde 2007 havia uma ação pedindo o reconhecimento da doença e a consequente aposentadoria de Laci, mas o Exército alegava que o quadro patológico do sargento não existia e ainda que alguma doença fosse diagnosticada, essa não significaria incapacidade para a vida militar, além de não guardar causa e efeito nem com o serviço, nem com a situação de imputação de crime de deserção.
Na última semana de dezembro do ano passado, no entanto, uma ata médica reconheceu a “incapacidade definitiva para o serviço militar” do sargento Laci. O documento foi produzido por uma junta pericial recursal vinculada à 11ª Região Militar, com sede em Brasília. O alto escalão do Exército ainda poderá recorrer do resultado.
Para o casal, a decisão já é uma vitória importante. “Certamente, o documento explicita a total falta de coerência com o discurso e com o ato agora de reconhecimento das enfermidades. Esse documento comprova que o Exército mentiu por vários anos, pois prova justamente o contrário do que eles alegavam. Também reforça a denúncia feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e influencia, decisivamente, no explícito entendimento da grande farsa gerada em torno do processo de deserção contra o Laci. Agora, vamos lutar pela segunda parte do problema, que é a equiparação da aposentadoria ao salário”, sintetiza Fernando.
Com base no tal documento, o Exército iniciou o processo de reforma do sargento. Fernando contesta a informação, veiculada em alguns jornais, de que eles teriam entrado com novo pedido de aposentadoria. Ele afirma que ainda na última semana de dezembro, o casal foi chamado para comparecer ao Hospital das Forças Armadas, local em que Fernando trabalhava. Lá, foram informados do processo de reforma. “Não pedimos nada para o Exército, eles é que impuseram o processo de aposentadoria. Fomos pegos de surpresa com essa decisão e até poderíamos recorrer dela, mas não queremos mais. Temos um processo na Justiça comum [pelo reconhecimento da dependência econômica de Fernando em relação a Laci] e é lá que vamos lutar. Não acreditamos mais em uma palavra do Exército, então, não vamos mais gastar tempo com eles. Isso tudo nos mostra que eles só estão preocupados com a imagem institucional e não com a saúde de um sargento”, afirma o ex-sargento, que emendou: “O Exército não tem qualquer isenção nas decisões relacionadas ao nosso caso”.
O processo pode demorar de 30 a 60 dias para ser concluído até o ato de aposentadoria ser publicado no Diário Oficial da União.
O laudo, assinado por três militares, não considera Laci “inválido”. Por isso, a aposentadoria deve ser concedida de forma proporcional aos 18 anos de serviços prestados no Exército, informa Fernando. “Isso irá reduzir o salário do Laci drasticamente. É uma sensação de que eles querem se livrar logo da gente. É muito duro conviver com isso”, desabafa.
Fonte: Congresso em Foco.