Empresas concorrentes na licitação para compra de trens da linha 5 do metrô de São Paulo, um contrato de R$ 620 milhões, realizavam “reuniões secretas” de acordo “com o desejo” e também “por pressão” do próprio governo tucano de SP. As informações, que evidenciam a formação de cartel nas licitações, estão contidas no diário de funcionário da Siemens entregue à direção da empresa e encaminhado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça.
Escrito em alemão, o caderno traz um relato minucioso de dois anos de negociação entre empresa, concorrentes e governo, citado no documento como “o cliente”. A Siemens entregou às autoridades uma versão traduzida do documento, cujos registros vão de maio de 1998 a maio de 2000, ano em que foi concluída a licitação de compra, durante o governo de Mário Covas (PSDB), morto em 2001.
No processo do Cade, a Siemens identificou o diário como um documento entregue por Peter Rathgeber. Ele seria o único dos seis funcionários que colaboraram com as investigações internas e que ainda faz parte dos quadros da Siemens.
Em 4 de novembro de 1999, o funcionário escreveu, mencionando o governo paulista: “o cliente não quer que o projeto seja prejudicado por reclamações, pedindo então aos participantes que se entendam”. Vinte seis dias depois, relataria: “Paralelamente, ocorrem de acordo com desejo do cliente, as ‘Reuniões Secretas’ entre Alstom, ADTranz, Siemens, Ttrans e Mitsui. O bolo deverá ser repartido entre estes cinco proponentes (idealmente 20% para cada). Bombardier e CAF ficarão de fora”.
Além de mencionar a conivência da administração estadual com a formação do cartel, o funcionário vai além, ao dizer que o próprio governo “pressionava” para que houvesse acordo entre as empresas, apesar dos prejuízos ocasionados pela prática anticompetitiva, que também são citados no diário.
Em fevereiro de 2000, o funcionário escreveu: “por pressão do cliente a união entre Alstom, Ttraz, Adtranz Mitsui e Siemens para divisão do fornecimento torna-se contratual, com planilha de preços, sem data. Alstom é a líder do consórcio, a Siemens um ‘subfornecedor nomeado’.”
Três meses antes, ele escreveu: “se, de acordo com o desejo do cliente, se chegar a um acordo, temos possibilidades em relação à parte da tração num preço alto”, escreveu o funcionário, se referindo ao benefício que a empresa poderia obter. Apesar de se referir ao governo como “cliente”, o nome do interlocutor do governo com a empresa não é citado no diário.
A licitação foi concluída em 2000 e contou com a participação de várias entre empresas, entre elas Siemens, Alstom, CAF e DaimlerChrysler. De acordo com a previsão do funcionário ao fim do diário, elas formaram um consórcio que concorreu sozinho e venceu a licitação, sem que houvesse livre concorrência na disputa pelo contrato. As empresas Mitsui e T’Trans foram subcontratadas pelo consórcio.
Simens e Alstom informaram por meio de notas oficiais que colaboram com as investigações do Cade e que não poderiam fornecer informações adicionais. O Cade, por suas vez, disse que as investigações correm sob sigilo.
Do Correio do Brasil