Cuspiu no chão em local público, multa de R$ 300. Não limpou a sujeira deixada pelo animal de estimação na rua terá de pagar até R$ 3 mil. Ser mal-educado na capital do Brasil custará caro, no que depender das autoridades locais. Um projeto de lei elaborado pelo governo do Distrito Federal (GDF) prevê multa para quem tiver “má conduta”, como urinar em áreas públicas ou perturbar o sossego e o ouvido dos vizinhos. É o chamado “Código de Posturas”, que está em fase final de ajustes e será enviado à Câmara Legislativa para votação nos próximos 30 dias. As penas variam de leves – como essas que se referem a costumes – a gravíssimas, como construir irregularmente em terreno público. Nesse caso, além da demolição, o infrator estará sujeito a multa de até R$ 10 mil.
Com a proposta, de 48 páginas, o governo do DF tenta se adequar ao Estatuto das Cidades, que prevê que cada município ou estado deve estabelecer regras de “boa convivência”. No Distrito Federal, a discussão envolve vários órgãos, mas é coordenada pela Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab). O projeto começou a ser elaborado em setembro do ano passado, mas não tem relação com a Copa do Mundo de 2014, segundo o governo local.
As normas de “boa educação” valerão tanto para locais públicos como privados. Recolher os dejetos deixados por animais nas ruas, por exemplo, passará a ser obrigação prevista em lei. Segundo o projeto, as fezes dos animais devem ser acondicionadas, lacradas e depositadas em recipiente apropriado. Quando o animal urinar fora de área verde deve-se espalhar água com desinfetante biodegradável no local. Os “mal-educados” que não tomarem essas providências podem ser punidos com multa de até R$ 3 mil. O “acusado” terá dez dias para se defender.
Casa limpa
Atos praticados dentro da própria casa também estarão sujeitos a punição. De acordo com o projeto, todo morador será obrigado a manter sua residência “limpa, salubre e habitável”. Até um ato rotineiro como sacudir ou bater o tapete na janela poderá ser enquadrado como “má conduta”. A punição nesse caso será de multa entre R$ 300 a R$ 3 mil.
Os donos também terão de garantir o asseio e a saúde de seus animais de estimação. O projeto pune, com multa nos mesmos valores, quem deixar cachorros e gatos, por exemplo, sujeitos à ação de pulgas, piolhos, carrapatos ou outros insetos. A regra estética vale para o lado de fora das casas e prédios. As fachadas devem estar em “bom estado”. Fica proibido estender roupas em varandas, utilizá-las como depósito ou guardar objetos que causem “perigo ou desconforto” aos vizinhos.
Os estabelecimentos comerciais também estão na mira do Código de Posturas. Quem for a uma casa noturna, terá de deixar por lá uma fotografia de lembrança. Caso a proposta vire lei, casas noturnas serão obrigadas a instalar equipamento de registro e armazenamento fotográfico em suas dependências a fim de identificar os frequentadores. As que não dispuserem de sistema de armazenamento devem anotar os dados do cliente, incluindo o horário em que ele saiu e entrou no local. Bancas de revistas e sex shops não poderão expor conteúdos eróticos nas vitrines e prateleiras. As multas para estes casos podem ser de até R$ 3 mil.
Experiência própria
Responsável pela elaboração da proposta, o secretário da Habitação, Geraldo Magela, diz que a ideia é incentivar hábitos de cidadania e de bom uso da cidade. Para ele, não há qualquer exagero nas regras propostas. “Não há exagero. Essa pergunta tem que ser feita para quem já sofreu com estes problemas. Você pisou em cocô de cachorro? Eu já. Pisei também em chiclete, tive problemas com vizinho que jogou lixo na minha porta. Você só sente o problema quando passa por ele”, afirmou o secretário ao Congresso em Foco. Ele lembra que vários estados ou cidades já têm o seu código. Alguns deles até serviram de base para o que vai ser aplicado na capital federal.
A proposta também prevê a conservação da cidade com a proibição de jogar lixo na rua, a previsão de coleta seletiva em todas as cidades e a instalação de lixeiras nas ruas. Também está sujeito a multa o motorista que andar com carros vazando óleo, colocando em risco outras pessoas. O mesmo cuidado serve para a poda de árvores. O proprietário de um terreno arborizado deve fazer a poda regularmente. O cidadão deve avisar aos órgãos responsáveis o perigo de árvores com galhos grandes. Os passageiros de ônibus e metrô também devem ter um comportamento “adequado”, mantendo-os limpos e não ouvindo músicas em alto volume sem fones.
Participação popular
Para sanar problemas com eventuais questões polêmicas, foi elaborado um questionário em que a população poderia responder, aprovando ou reprovando os itens do projeto. No site da secretaria, foi até aberto um fórum para o envio de sugestões. O tema que gerou maior interesse foi o que trata de barulho excessivo. Mas os internautas demonstraram outras preocupações. Um usuário questiona ponto do projeto que pune quem faz reformas e atrapalha o bem-estar da vizinhança. “Como obrigar um cidadão a restaurar sua edificação sem invadir a sua privacidade – dizer onde ele deve aplicar o seu dinheiro?”.
Outro questionamento recai sobre a estética dos toldos que terão de cobrir os estacionamentos dos prédios residenciais. “Como obrigar que um condomínio exija dos condôminos a adoção do mesmo tipo e cor de toldos na fachada dos prédios?”, perguntou um dos participantes. O Código de Posturas obriga a proprietário de imóvel a manter a estética e a conservação das edificações. “Os proprietários devem manter os acabamentos das fachadas externas das edificações em bom estado de conservação”, diz o texto preliminar.
A diretora de Padrões e Normas Urbanas do GDF, Josiana Aguiar, diz que os internautas se mostraram, de maneira geral, favoráveis às novas normas. “Não tem ponto nenhum que a gente propôs que a população não tenha aprovado. Muitas pessoas queriam até punições mais duras”. O projeto de lei está em fase final de redação. Para que as normas de “boa educação” virem lei, o texto precisa ser aprovado pelos deputados distritais na Câmara Legislativa e receber a sanção do governador Agnelo Queiroz (PT).
Do Congresso em Foco.