Advogados e jornalistas discutiram na manhã de ontem (22) a liberdade de imprensa e a democratização da comunicação no Brasil em um dos painéis do Congresso Brasileiro de Advogados, que ocorre nesta semana, no Rio de Janeiro. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto defendeu a importância da rejeição da censura prévia.
“Não se pode impedir que o Judiciário fale por último, nem que a imprensa fale primeiro”, disse o ex-ministro, que apontou o fato de a liberdade de expressão, por vezes, se confrontar com outros direitos estabelecidos constitucionalmente, como o direito à imagem, à honra e à intimidade.
Para ele, “a Constituição não hipotetiza a violabilidade do direito de liberdade de expressão. Para os direitos de intimidade, da imagem e honra, ela admite, mas assegura o direito de reparação. A lógica da Constituição foi essa. Não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso”.
Ayres Britto disse que a reparação é prevista em lei, com indenizações e direito de resposta. “O próprio nome diz, o direito de resposta vem depois. Primeiro, vem a liberdade de pensamento”, destacou o ministro, que também alertou para o fato de a Constituição proibir a formação de monopólios e oligopólios, o que considerou importante para avaliar o respeito à lei.
O professor da Universidade Federal de Alagoas, Marcelo Machado, acredita que a formação de oligopólios e monopólios, proibida no Artigo 220, “foi jogada na lata do lixo pela concentração dos veículos de comunicação”.
“Sou contra a liberdade de imprensa que é confundida com liberdade de empresa. Ela está censurada pelos meios que a monopolizaram e se apropriaram dela”. Machado afirmou que quem levanta a discussão é considerado a favor da censura, mas declarou-se contrário às restrições da liberdade. “Sou contra a liberdade de imprensa que está aí, porque sou a favor da liberdade de imprensa”.
Diretor jurídico da Rede Globo, Carlos Araújo, defendeu que a publicação de biografias não requeira autorização prévia dos biografados, o que, segundo ele, vem acontecendo via ações judiciais.
Araújo defendeu a ação direta de iconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que permitem aos biografados pedir a proibição da circulação de suas biografias. “Não se trata de defender a invasão da privacidade”, explicou.
O jornalista Luis Nassif criticou a visão de que as reparações previstas na lei funcionem. “Entre a realidade e a teoria dos fundadores da democracia americana, você tem um abismo de lodo e de assassinatos de reputação”.
Segundo ele, na prática, os meios de comunicação não são punidos, e as pessoas atacadas têm medo de reagir e sofrer retaliações. Nassif acredita que a internet reduz o poder absoluto da mídia, opinião compartilhada pelo jurista Luiz Flávio Gomes. Ele vê na mobilização online uma forma de democratizar a comunicação e aumentar a participação política e a fiscalização do estado.
O uso das redes sociais na política já não é novidade. E, diante da influência que se pode exercer na internet, não para de crescer o número de ações turbinadas por partidos e eleitores em defesa ou contra candidatos nas eleições deste ano. A criação de anúncios de festas pela vitória ou até derrota de alguns políticos é um ingrediente adicional.
Há ao menos 40 “festas” marcadas no Facebook para celebrar uma eventual derrota da presidente Dilma Rousseff (PT), que vai tentar se reeleger. É o que mostra levantamento doCongresso em Foco realizado até o último dia 15. Trata-se de um recurso para chamar pessoas em suas linhas do tempo para encontros de mentirinha. Desses eventos destinados à despedida da petista, o mais famoso deles já beira os 700 mil convidados “confirmados”. Se a provocação der certo, o evento acontecerá no domingo de 5 de outubro, mas sem uma cidade definida até o momento.
Organizador de uma outra festa, o gestor de recursos humanos Kleyton José “Conservador”, 42 anos, de Brasília, faz parte da Nova Aliança Renovadora Nacional. Ele aposta que esse tipo de iniciativa em um espaço como o Facebook pode fazer diferença em relação a quem ainda não decidiu em quem vai votar. “A discussão e a exposição de opiniões nas redes sociais podem mudar o rumo das eleições no âmbito estadual e federal”, disse Kleyton ao Congresso em Foco. O evento dele já tem mais de mais de 210 mil convidados “confirmados”. Se tudo acontecer como espera Kleyton, a festa será em Brasília, na 904 Sul, no dia 5 de outubro.
Em resposta às manifestações contra Dilma, surgiram pelo menos nove anúncios de festas para celebrar a eventual reeleição da petista. Esses eventos também somam menos apoiadores – o principal, criado pelo empresário Tom Pereira, de São Paulo, tem mais de 11 mil “confirmados”. Se a contraprovocação também der certo, a festa deve acontecer na Avenida Paulista, em frente ao Masp, a partir das 16h.
Boicote
Pereira suspeita que o Facebook faz “boicote” à sua festa pró-governo. “Esse evento vem sendo boicotado diretamente pelo Facebook, estava com duas mil confirmações por dia. Do nada, a evolução caiu para 100 por semana”, diz o organizador. “Além disso, o contador de visitantes já voltou e avançou tantas vezes na contagem. É ingênuo confiar nessa ferramenta”, reclama. “Muitas pessoas estão perdidas, pois a oposição tem duas grandes armas: a mídia e sua teoria do caos. Nós temos a fraternidade e a união”, acrescenta Pereira.
O contador Mark Lehm, de Joinville (SC), organiza um evento pró-Dilma. Ele diz não acreditar que seu evento possa influenciar alguém, mas, na avaliação dele, serve para mostrar que ninguém é obrigado a ser anti-PT ou anti-Dilma apenas porque quase todo mundo na internet demonstra ter esse sentimento oposicionista. Tanto Pereira quanto Lehm informam que não são filiados a nenhum partido.
Há ainda alguns eventos para celebrar a despedida de Dilma somente em 2018 e para a posse da petista em novo mandato, em 1º de janeiro do ano que vem.
Aécio e Campos na berlinda
Se os eventos desfavoráveis à presidente Dilma parecem dominar o Facebook, rede social mais usada pelos brasileiros, também não são positivas as menções ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), nem em quantidade e nem em conteúdo. Ele vai concorrer ao Palácio do Planalto e aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. Há pelo menos quatro eventos em apoio ao tucano.
Há ainda referências à acusação segundo a qual o parlamentar é usuário de cocaína. Em entrevista recente, Aécio disse apenas ter fumado maconha aos 18 anos. “E ficou por aí”, disse.
Presidenciável do PSB, o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, também parece não ter empolgado os internautas, ao menos por enquanto. Até o último domingo, havia um evento sobre eventual posse do pessebista como presidente da República.
Adiós, governador!
Outros políticos também não escapam da onda de eventos anunciados em redes sociais. Há festas de despedida para vários governadores.
Entre eles, o do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), o de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), o de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD. Festas semelhantes estão marcadas para celebrar o “adeus” das urnas ao senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Todos devem tentar a reeleição.
Cardápio para políticos
Além de eventos, há páginas e grupos com o mesmo propósito. No Brasil, o Facebook tem 83 milhões de usuários – o país é o terceiro mercado da rede, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. Em 2013, o termo “eleições” foi o mais buscado no Facebook, segundo Bruno Magrani, diretor de relações institucionais da rede, declarou ao jornal Valor Econômico.
Este ano, a empresa ofereceu um “cardápio” de serviços eleitorais. Realizou um seminário em Brasília para mais de 200 pessoas, com um especialista do Facebook em campanhas e dicas para publicação de vídeos curtos, uso de linguagem informal e publicação no “horário nobre” das 20h às 22h.
Jornalismo é noticiar os fatos, não espetacularizar e destruir reputações
Há exatos 13 anos conheci uma senhora de origem alemã de forma inusitada. Trabalhava na antiga Conurb, hoje Ittran ou coisa parecida quando lá ela apareceu para conversar comigo. Sabia meu nome, e pedia minha colaboração ao trabalho dela, confeitaria e cozinha em geral, já que precisava manter a família. Marli Plocharski, a mulher tinha os olhos cansados, a pele marcada pela dor e humilhação. A sua voz guardava a emoção ao falar do que tinha acontecido à sua família, atingida pela ação nefasta da mídia e da polícia civil catarinense. Ela era mãe de Aluísio Plocharski, cuja imagem foi espalhada pela cidade e país indevidamente como sendo o então “maníaco da bicicleta”, personagem criado para “estigmatizar” um criminoso que estuprava mulheres em Joinville (SC), sempre se deslocando com uma bicicleta.
Dali surgiu uma amizade, um pacto entre o jornalista e a vítima de erros da mídia e da polícia. Eu prometi discutir o caso em monografia, ela em ser a fonte e abrir ainda mais a vida em família e as cicatrizes. Há 10 anos defendi “Na Teia da Mídia – A história da família Plocharski no caso Maníaco da Bicicleta”, que se transformou em livro no final de 2011 em parceria com o também jornalista e advogado, Marco Schettert. Ali abordamos temas delicados da nossa profissão, ingrata, que nos pressiona sem dó em busca da notícia, do furo jornalístico e assim, da fama. Tratamos do dano moral, buscamos a comparação com outro erro gigantesco da mídia e da polícia brasileira no caso Escola Base. Citamos também o caso de Oscar do Rosário, acusado, condenado e inocentado após ser provada a falta de… provas. Discutimos seriamente a cobertura feita pela mídia.
Espetacularização das notícias e redes sociais
Naqueles tempos, e nem faz tanto tempo assim, ainda não existiam as poderosas redes sociais como vemos hoje. Era o início de uma nova era, e que por isso mesmo não abordamos em nossos estudos e pesquisas. Em todos estes casos que citei, pessoas tiveram suas vidas rasgadas, marcadas, e até destruídas. Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, ex-proprietários da Escola Base morreram em 2014 e 2007 respectivamente, sem ver suas imagens restituídas, e tampouco as indenizações totalmente pagas. Marli Plocharski morreu em julho de 2012 sem ver os responsáveis punidos, nem a imagem do filho e da família resgatadas. Seu marido, Ludovico, e o filho que foi a vítima dos erros da polícia e mídia, Aluísio, vivem solitários e sofrendo as consequências de tudo há 14 anos. Oscar do Rosário foi solto após três anos e 14 dias em que ficou preso, com marcas psicológicas que somente ele pode avaliar. Voltou a morar em Canoinhas, casou e tem um filho. Pede indenização ao Estado de Santa Catarina no valor de R$ 8 milhões.
A midiatização da vida, e com ela a espetacularização dos fatos aumentaram exponencialmente a partir de 2004. Agora com um clique, uma frase do tipo “Verdade”, “Vergonha”, “Bandido”, e um compartilhamento com sua rede de seguidores, fãs e amigos, a “notícia” explode em milhares, por vezes milhões, de leitores. Porque digo isso? Vejam o caso do “boato” que culminou com o linchamento até a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, no Guarujá (SP), no último sábado (3/5). As pessoas filmam os linchamentos, ou seja, assistem e são cúmplices de um crime, e depois repassam via redes sociais! Ou enviam para as grandes redes de televisão! E o ser humano que está ali? E se fosse inocente, como era realmente, como resgatar uma vida? Como já dizia em meu livro, quantos segundos de televisão ou quantos centímetros de papel jornal, valem uma vida? Atualizo para hoje: quantos compartilhamentos valem a vida de um ser humano como você, ou um dos seus?
Erros da mídia continuam, agora em maior escala pela internet
Não vou elencar aqui os outros casos de justiçamentos Brasil afora amarrando negros aos postes após agressões, ou mesmo o caso recente do assassinato de Mara Tayana em Joinville (SC) na última sexta-feira (2/5) cujo suposto assassino acaba de se entregar à polícia civil. O fato é que o jornalismo continua a errar, espetacularizando os fatos ao invés de noticiar os fatos. Quando o repórter busca apenas o furo jornalístico, o melhor ângulo da foto, a entrevista antes dos demais, as “ligações” do acusado ou suspeito com esse ou aquele, sem a profundidade devida, a análise apurada, ou então posta a foto do cidadão antes do outro veículo para ganhar visibilidade e “visitas” em seu site, fanpages, blog, sem cuidados com a imagem da pessoa, sem a convicção plena de que a pessoa é criminosa, o jornalismo passa a deixar de ser jornalismo e passa a ser apenas um espetáculo. E cruel.
O agravante hoje em dia é que além dos erros da polícia, que sempre ocorrem, os erros dos jornais e seus repórteres que ainda continuam por conta da pressão das redações e do lado comercial a perseguir o furo que rende mais leitores e negócios, temos também os “repórteres e jornalistas” das ruas! Sim, hoje as empresas de comunicação buscam a “participação” dos leitores como repórteres, ou colaboradores da mídia. Isso em altíssima escala na internet com suas redes e processos de comunicação altamente virais pode promover erros cada vez maiores e mais sérios, como esse que ocorreu em Guarujá (SP). Passados quase 14 anos do caso Maníaco da Bicicleta com suas vítimas, do caso Escola Base de São Paulo que completa 20 anos, de Oscar do Rosário que completa sete anos, infelizmente o que vemos é a barbárie voltando ao dia a dia da nossa sociedade com base em pretenso jornalismo informativo.
Os mesmos erros de apuração, edição e publicação continuam acontecendo, e agora em larguíssima escala via internet. Reputações que eram derretidas em páginas de jornal impressos, ou em horários de televisão altamente assistidos por incautos telespectadores, agora são dizimadas em alguns cliques no meio digital. Como evitar isso? Penso que as escolas de jornalismo, os centros de direitos humanos, as universidades e faculdades, devem investir mais em debater o tema, conscientizar os futuros jornalistas da grande importância do seu trabalho na vida das pessoas. Jamais publiquem algo sem a devida apuração, prova cabal do que parece estar à sua frente. Vidas valem mais, muito mais do que minutos de fama ou curtidas e fãs nas redes sociais.
* Por Salvador Neto, jornalista, editor do Blog Palavra Livre, autor do livro Na Teia da Mídia, apresentador do programa de entrevistas Xeque Mate na TV Babitonga Canal 9 da NET em Joinville (SC).
Pressionado por parlamentares e pela ameaça de perder mais de R$ 150 milhões em verbas publicitárias do governo federal, o SBT decidiu retirar – ao menos temporariamente – a âncora e comentarista Rachel Sheherazade do ar, segundo a coluna Ooops!, do UOL.
A versão oficial da emissora é de que a jornalista está em férias, mas, de acordo com a coluna, isso não é verdade. Rachel já havia tirado suas férias em janeiro, quando viajou para a França.
Em edição do telejornal “SBT Brasil” em fevereiro último, Rachel disse que era “compreensível” a ação dos chamados “justiceiros” que acorrentaram um suposto infrator a um poste, no Rio de Janeiro (RJ). Por conta disso, ela e a emissora viraram alvos de representações protocoladas pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e por cidadãos comuns no Ministério Público.
Oficialmente, segundo a coluna, o SBT informou que ela voltará ao trabalho no próximo dia 14 de abril. No entanto, no final de março, a própria jornalista comentou que seus dias na TV “estão contados”, segundo o colunista Ricardo Feltrin.
Pedidos
Jandira Feghali pediu aabertura de inquéritoa contra Rachel Sheherazade e o SBT, por apologia e incitação ao crime, à tortura e ao linchamento, e a suspensão da verba publicitáriaoficial da TV durante as investigações.
Na última semana, o Congresso em Focoinformou que o Ministério Público Federal (MPF) mandou as representações para o Ministério Público do Estado de São Paulo para condução do caso na esfera criminal.
Já o pedido referente à suspensão de verba publicitária do governo federal para o SBT está sob análise na divisão cível do MPF-SP, segundo a assessoria do órgão.
Durante mais de uma semana, o repórter deixava a redação e ia para o local onde funcionava a Escola Base. Entrevistou os principais personagens envolvidos numa história que horrorizou o país na década de 1990. Na época, profissional do Diário Popular, o jornalista escreveu, evidentemente, mas não publicou sequer uma linha sobre o assunto. Após 20 anos, o Comunique-se foi em busca de Antônio Carlos Silveira para descobrir como ele fez para não cair no erro que marcou a história da imprensa brasileira. “No próprio jornal, fomos (o jornalista e a direção) criticados por ter ‘perdido o furo'”.
Após a denúncia da mãe de um dos alunos da escola infantil, Silveira foi o primeiro jornalista a saber do caso. Era comum, segundo ele, conseguir informações exclusivas na época. “O delegado que ouviu a denúncia se sentia em ‘débito’ comigo por causa da apuração de outra reportagem. Acredito que, por isso, ele me ligou. Consegui chegar ao local antes de todos e daria a matéria sozinho”. Foi ao conversar com o dono da escola, Icushiro Shimada, que Silveira desconfiou. “Quem é acusado de um crime desses não dá entrevista. A pessoa foge, coloca o advogado na frente, mas não fala. Shimada me recebeu junto de sua esposa, abriu a escola, contou como era o trabalho e disse que era absurda a acusação”.
Denúncia O Diário Popular tinha excelente equipe de reportagem policial. Quando recebi a denúncia, fui para o local. Falei com diversos personagens, com o delegado, as pessoas que estavam lá, os donos da escola. Na rua, os grupos se formavam com pessoas que acusavam e outras que defendiam os educadores. Lá mesmo pude ouvir gente falando que tudo não passava de invenção das crianças. Toquei a campainha do colégio, pedi para entrar e os donos me receberam bem. Quem é acusado de um crime desses não dá entrevista. A pessoa foge, coloca o advogado na frente, mas não fala. Shimada me recebeu junto de sua esposa, abriu a escola, contou como era o trabalho e disse que era absurda a acusação.
Não publicaremos! Naquela época, quem comandava a redação era o Jorge Miranda Jordão. Ele tinha uma filosofia de vida e não gostava de publicar matérias sobre suicídio – por acreditar que poderia incentivar outras pessoas – e sobre violência contra a criança. Toda vez que a pauta tinha esses dois ganchos, a redação já ficava atenta. Mas, claro, o caso da Escola Base era diferente, tinha muito apelo social e por isso fui cobrir. Quando voltei à redação, conversei com os diretores e editores. Eles me perguntaram qual era a matéria e eu disse que a situação era muito complicada pois não havia nenhum tipo de prova de que as crianças teriam sido vítimas de abuso sexual. Tinha gente dizendo que era verdade e gente dizendo que era mentira. Era apenas isso que tínhamos. Os diretores foram conversar e eu escrevi a matéria contando o caso. Era um texto de quase 40 linhas explicando todos os pontos e deixando claro que, embora tivesse o boletim de ocorrência, não havia prova. A decisão de não publicar foi do diretor, mas eu tinha, como repórter, a obrigação de escrever, mesmo sabendo que estava tudo muito estranho. Deixei nas mãos do Miranda e, no dia seguinte, quando olhei o jornal, percebi que não tinha saído. Fiquei tranquilo. Parte da redação do Diário dizia que tinha sido uma boa atitude, outra criticava muito por ter perdido a chance de dar “furo sensacional”. Naquele momento não era possível mensurar se estávamos certos ou errados. Tínhamos fotos, informações exclusivas e detalhes, mas não demos. A única coisa que publicamos sobre o assunto foi uma carta de um leitor dizendo que o impresso era vendido e por isso não falou sobre o assunto. As coisas ficaram graves, destruíram a escola e eu acompanhei tudo ‘n loco, deixei matérias prontas sobre tudo que presenciei. Mas o Miranda afirmou que não fazia sentido publicar e manteve a decisão. Quando se tem um cargo como o dele, é difícil avaliar se as atitudes são corretas. É complicado, a direção mesmo se questionou sobre isso. O Miranda acertou, sobretudo, por seu posicionamento de não gostar de pautas com violência contra crianças.
Todos no mesmo barco A história era muito boa. Tudo começa com o repórter. Quando ele tem contato com algo de tal gravidade ele quer falar, fazer a reportagem, publicar antes da concorrência, considerando que na década de 1990 as redações tinham grandes repórteres policiais, como Percival de Souza. Hoje, ninguém consegue dar furo, a internet é muito rápida. Mas antes, embora tivesse essa disputa, era possível. Neste caso, as matérias da época eram desproporcionais. A acusação tinha muito mais espaço do que a defesa. Mas, isso não é algo muito claro para o repórter, que está sujeito a uma série de coisas, como influências por parte dos chefes, das fontes e mesmo pelo desejo de ser reconhecido por ter coberto um grande caso. Isso é bastante complexo
Erramos? A imprensa não reconhece seus erros. Quando os repórteres começaram a perceber que havia algo de estranho, que aquilo era mentira, os veículos fingiram que nada tinha acontecido e passaram a dar matérias ressaltando o outro lado, que era o da defesa. A imprensa conserta na surdina e não faz mea culpa. Ainda hoje é assim! As empresas de comunicação detonam as pessoas e quando percebem que erraram apenas ficam quietas. Temos casos recentes que fizeram isso. Existe temor grande na imprensa, atualmente, pois muitos jornalistas com bagagem estão afastados, trabalhando em assessoria. Os novatos que estão no mercado estão carentes de referência, fazem jornalismo na raça, com equipes reduzidas. Hoje, o Diário de S. Paulo, que era o antigo Diário Popular, não consegue se consertar, não está mais entre os grandes e quem era da equipe de polícia na época já não existe mais. Se você olhar para o Estadão, tem repórter da década de 1990 lá!
Qual foi o aprendizado? O fato de o Diário não ter cometido o erro de publicar o caso Escola Base não me fez mais, nem menos, repórter. O jornalista ganha muito reconhecimento com o furo, mas nunca é reconhecido pela matéria que não fez. Se eu tivesse publicado e fosse um furo histórico, talvez eu tivesse sido contratado por uma grande redação para ganhar um salário melhor. Mas, no final, não me trouxe nenhum ganho. Trabalhei por 11 anos no jornal, fui demitido com a desculpa de que meu salário era muito alto. A opção que eu tinha para pagar as contas era trabalhar com assessoria, área em que atuo até hoje. Pensei em voltar para a redação, mas trabalhar na imprensa requer pensar muito bem no que vão te oferecer!