“Pedido de impeachment tem erros conceituais básicos”, diz Advogado Geral da União

PalavraLivre-jose-eduardo-cardozo-agu-defesa-dilmaResponsável pela defesa da presidenta Dilma Rousseff no processo de impeachment, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, disse ontem (4) que a denúncia aceita pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresenta erros “erros conceituais básicos de direito financeiro” e confunde gestão orçamentária com gestão financeira.

“Quem já atuou na gestão pública sabe disso. Mas é possível que pessoas que não militem nessa área tenham dificuldade de entender”, disse Cardozo.

Segundo o ministro, a Lei Orçamentária estabelece uma programação, com uma previsão do que vai ser arrecadado e define onde será efetuado o gasto. Ao falar em defesa de Dilma na comissão especial que analisa o impeachment, Cardozo lembrou que a Lei de Responsabilidade Fiscal criou instrumentos para garantir o controle financeiro, “a despeito” do controle orçamentário, que é efetivado por meio do contingenciamento, que é a limitação de gastos do orçamento.

“Quando fala-se créditos suplementares não se está falando em gestão financeira, mas orçamentária”. De acordo com o ministro, na maior parte das vezes, os créditos não têm implicação com o gasto financeiro.

Assim como fez o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, quando esteve na comissão na última semana, Cardozo comparou a elaboração orçamentária do governo ao gastos domésticos em uma feira, que podem variar conforme a necessidade de uma família.

“O crédito suplementar é a alteração da lista [de compras] sem que isso implique gasto a mais, porque o gasto é controlado pelo contingenciamento. Ele altera a disponibilidade do gasto”, argumentou o ministro.

“Em síntese, os créditos suplementares editados por decreto não afetaram as metas fiscais. Metas fiscais têm a ver com gestão financeira, que é controlada pelo decreto de contingenciamento. A simples alteração de crédito suplementar não implica em ofensa à nenhuma meta estabelecida.”

Mesmo que houvesse ilegalidade, segundo Cardozo, o argumento só poderia servir de base para o pedido de impeachment sem ferir a Constituição, se houvesse, necessariamente, uma ação dolosa da presidente.

“Sabem os senhores quantos órgãos técnicos intervêm para que um decreto seja expedido? Mais de 20. Todos os decretos foram respaldados por relatórios técnicos”, argumentou.

“Ela [Dilma] agiu com má-fé quando todos os técnicos dizem que é possível, factível e pode ser feito? Há um princípio no direito que trata da legitimidade dos atos administrativos. Ele prevê que os atos administrativos são legais até que se prove o contrário. Imaginar-se que a presidente tivera uma ação dolosa na edição de decreto quando própria AGU, o Ministério do Planejamento firmou esses estudos, seria um verdadeiro absurdo”, acrescentou.

Cardozo destacou que, por 15 anos, o Tribunal de Contas da União e os tribunais de contas estaduais admitiram a prática de edições de decretos.

“Portanto, se essa Casa admitir o impeachment haverá processos de impeachment em todo o país, de governadores e prefeitos. Todos praticam porque as cortes de contas aceitam isso.”

Pedaladas
Sobre as chamadas pedaladas fiscais, o ministro da AGU ressaltou que, mesmo que elas sejam consideradas crimes – tese que ele discorda – ocorreram no mandato de Dilma encerrado em 2014 e, portanto, a presidente não pode ser penalizada com a perda de mandato por essa razão.

“[A aprovação do impeachment] fere o princípio da previsibilidade jurídica, fere a segurança das instituições, criam-se teses para justificar fatos a partir de uma concepção política. Não pode o país viver com tal situação de imprevisibilidade na gestão governamental. Ao defender a presidenta, defendo todos os governadores e todos os defeitos”, argumentou Cardozo.

Por quase duas horas, o ministro apresentou a defesa da presidente Dilma à comissão especial do impeachment. Por determinação do presidente do colegiado, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), os parlamentares não puderam fazer perguntas ao ministro. Ao longo da exposição, no entanto, alguns deputados favoráveis a saída de Dilma interromperam a fala de Cardozo com críticas a ele e ao governo.

Com informações da Ag. Brasil

Funai:”Os contratos com indígenas não tem validade”, matéria da Agência Pública

Em setembro do ano passado, os líderes da população Munduruku assinaram um contrato leonino com uma empresa irlandesa, transferindo os direitos aos créditos de carbono da reserva por 120 milhões de dólares. Pelo documento, a empresa ganharia acesso restrito às suas terras e os índios ficariam impedidos de dispor de seu uso sem a autorização prévia da compradora.

O contrato entre a Organização do Povo Munduruku e a Celestial Green foi assinado sem a presença de representante da Funai (Fundação Nacional do Índio), responsável por defender os direitos dos índios e, portanto, por acompanhar negociações comerciais que possam colocá-los em risco. A Pública trouxe a história à tona no dia 9 de março deste ano.

A Funai, no entanto, tomou conhecimento da transação no início de 2011, quando encaminhou o contrato à apreciação da Advocacia Geral da União (AGU). Em seu parecer, a AGU considera o contrato ilegal. Tese que vale para todos os contratos de crédito de carbono em terra indígena no Brasil.

O parecer, ainda não conclusivo, deixa em aberto a possibilidade que outros órgãos da União encontrem meios de regularizar futuros contratos com os indígenas. O presidente da Funai, Márcio Meira, é contra as negociações atuais, como a que envolveu os Munduruku. Mas defende que o comércio de crédito carbono funcione como meio de remunerar os indígenas pela preservação das florestas depois que o mercado for regulamentado no país.

Leia a entrevista:

 

Como a Funai avaliou o teor do contrato assinado entre os Munduruku e a Celestial Green?

Desde que tivemos o primeiro contrato desse tipo, há um ano e meio, nossa avaliação é de preocupação e alerta em relação ao assédio dessas empresas aos indígenas. Procuramos a assessoria especializada da Funai, que é ligada à Advocacia Geral da União, para que analisasse e, se necessário, tomasse medidas judiciais. Tomamos medidas educativas e de precaução. Fizemos uma cartilha distribuída às comunidades indígenas alertando para contratos que podem ser danosos a elas.

Por que a Funai não alertou os Munduruku sobre a ilegalidade do contrato?

A Funai não estava lá, naquele momento. Ficamos sabendo depois da reunião que os Munduruku tiveram com a empresa. Na maioria dos contratos desse tipo, a gente só toma conhecimento depois.

A Funai não sabia da negociação desde o início de 2011?

A Funai sabe que há negociações em curso, alguns indígenas informam. A gente passa a orientação para terem cuidado em relação a esse assédio, dizemos para não assinar o contrato. Mesmo assim alguns contratos são assinados. Mas eles não têm validade jurídica. Nós alertamos as empresas: esses créditos que estão no mercado voluntário não têm validade.

A informação que temos dos Munduruku é que não houve contato e orientação da Funai.

Isso não é verdade,  a Funai está em contato permanente com todos os povos indígenas do Brasil. Temos 36 regionais, quase 300 coordenações técnicas locais, o próprio chefe da coordenação técnica na área é um indígena Munduruku. Ele é a própria Funai.

Mas se a Funai está tão próxima, como não sabia que  o contrato seria assinado?

A Funai sabe de reuniões, mas não há como saber em detalhes o que acontece. Principalmente a sede da Funai. Eu não tomei conhecimento dessa reunião, a não ser depois que aconteceu.

Ambientalistas e movimentos ligados às populações indígenas dizem que a Funai está sendo omissa na orientação dos indígenas assediados por essas empresas. Como o senhor responde a essa crítica?

Não concordo, a Funai tem sido ativa, não tem poupado esforços. Essa cartilha que produzimos para alertar sobre os riscos foi feita com movimentos indígenas. Mas é um assédio muito forte. Mexe com recursos altos o que mobiliza os interesses.

Qual é o teor dos outros contratos que a Funai teve conhecimento?

Eles são parecidos. Temos cerca de 30 contratos, todos muito semelhantes e preocupantes porque não têm base jurídica. A Celestial Green é a que mais fez contratos com indígenas, são mais de dez.

O que vai acontecer com os outros contratos que já foram assinados?

Os contratos com indígenas não têm validade jurídica.

Eles também avançam sobre o direito dos indígenas de uso da terra?

Podem ter alguma cláusula que fere o direito territorial. De qualquer forma, esses contratos não têm validade jurídica. Terras indígenas são propriedade da União, indígenas tem usufruto exclusivo. No caso, o comércio de créditos de carbono não está regulamentado pela legislação brasileira e não é possível ser feito em terras indígenas no momento. Por isso a Funai tem defendido que, o mais rápido possível, seja feita uma legislação regulamentando essa questão.

A Funai já intermediou algum contrato de créditos de carbono?

A Funai não intermedia contratos dessa natureza porque eles são ilegais. Tomamos conhecimento de contratos depois de assinados. O único caso foi o povo Surui que nos procurou dizendo que tinha interesse em assinar e pediu orientação da Funai. Demos a orientação que tem que dar para eles terem cuidado.

A Funai acompanhou o contrato?

A Funai tem acompanhado as manifestações dos Surui para que, se eventualmente assinarem o contrato, não caiam em armadilhas. Pode ser que já tenham assinado, mas eu não tenho essa informação .

A Advocacia Geral da União recomenda que os contratos de crédito carbono devem ser intermediados pela União.  A Funai vai passar a desempenhar esse papel?

Essa é uma missão da Funai: proteção dos direitos dos indígenas em qualquer tema. Em qualquer política pública em relação aos direitos indígenas, a Funai tem que participar. Mas esse caso depende da regulamentação.

O senhor anunciou a Bolsa Verde como um incentivo para que os indígenas não cedam ao assédio financeiro. Mas R$ 100 mensais fazem frente aos milhões de dólares oferecidos pelas empresas estrangeiras?

O serviço que os indígenas prestam à humanidade na preservação da floresta tropical tem que ser reconhecido. A Funai fez isso quando regulamentou um auxílio aos indígenas no trabalho de monitoramento territorial. Mas temos é que olhar para frente e buscar um mecanismo de crédito de carbono. É uma boa ideia, mas não pode ser utilizada para os interesses econômicos apenas de terceiros. Sendo regulamentado, esse é o principal fator que pode contribuir para beneficiar os indígenas.

Circula a informação pelos jornais de que a Funai está funcionando em ritmo lento desde que o senhor pediu demissão. É verdade?

Sobre esse assunto eu não falo, isso é fofoca. Estou trabalhando aqui todo dia, incansavelmente, desde que cheguei há cinco anos.

Da Agência Pública