Comitês em 18 Estados devem pressionar Comissão da Verdade

Enquanto a presidente Dilma Rousseff tenta aprovar o projeto que cria a Comissão da Verdade sem alterações no Congresso, vítimas do regime montam comitês locais para pressionar por mudanças no texto e reunir papéis que poderão ajudar na investigação de crimes da ditadura militar (1964-1985).
Já foram criados ao menos 18 grupos: quatro em São Paulo, três em Minas Gerais e um em cada um dos estados de Alagoas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Amazonas, Rondônia, Ceará, Pernambuco e Bahia, além do Distrito Federal. Os comitês defendem alterações no projeto do governo e se articulam para municiar a futura comissão.

O objetivo é juntar relatos e documentos sobre os crimes cometidos pelo Estado contra militantes de esquerda durante o regime militar, que poderão ser usados caso a criação do órgão seja aprovada na Câmara e no Senado. A mobilização por comitês estaduais repete a estratégia dos ativistas no fim da ditadura, quando o governo foi forçado a promulgar a Lei da Anistia, em 1979.

Limitações
Conforme texto enviado ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, a comissão não julgará a responsabilidade de agentes estatais em mortes, torturas e desaparecimentos durante a ditadura. A ressalva foi feita para esfriar os ânimos dos militares e para não criar atrito com o STF (Supremo Tribunal Federal), que declarou a validade da Anistia para ex-agentes do regime acusados de torturar presos políticos.
Os representantes das vítimas dizem que isso pode limitar a eficácia da comissão, já que ninguém será punido. O governo quer aprovar o projeto sem discussão no Congresso por temer que a comissão não saia do papel. Por isso, trabalha por acordos na Câmara e no Senado para aprovar o texto como está, em regime de urgência, sem necessidade de análise por uma comissão especial.

Apoio discreto
Ao mesmo tempo em que tenta evitar o debate parlamentar, o governo tem estimulado, por meio da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, a criação dos comitês locais. Nas últimas semanas, a ministra Maria do Rosário foi à inauguração de ao menos três deles. Assessores ajudam a fomentar a criação dos grupos, ligando e fornecendo contatos, sem no entanto dar-lhes dinheiro.
Iara Xavier Pereira, do comitê do DF, diz não haver “jogo duplo”, mas a tentativa de sensibilizar a sociedade para a importância da aprovação da Comissão da Verdade. “Queremos influenciar na [mudança] do texto da lei, mas, principalmente, acompanhar a Comissão, que é quando vai começar o trabalho mais importante”, disse. No fim de junho, vítimas da ditadura conseguiram marcar um debate sobre o projeto na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mas nenhum representante do governo participou

Memórias Reveladas

Ministro da Justiça diz que não há democracia plena sem a verdade revelada

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou ao defender a aprovação da Comissão da Verdade pelo Congresso Nacional, que não há democracia plena sem a verdade revelada. “Todos os países da América Latina viveram dias sombrios em que o Estado agiu com violência contra seus cidadãos”, lembrou o ministro, na abertura do 2º Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição. “Por isso, é preciso denunciar a situação que se passou sem nenhum medo.”

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, ressaltou que a Justiça de Transição compreende pilares fundamentais, como o direito à memória e à verdade. “O Brasil deve resgatar e conservar a memória, a verdade, até para preparar as próximas gerações para o conhecimento da história do seu país.”

Para Abrão, com a aprovação da Comissão da Verdade e o conhecimento dos arquivos da ditadura, é possível que outros setores, como o Ministério Público e o Judiciário, se posicionem em relação ao crimes cometidos naquela época contra os direitos humanos.

Abrão lembrou que, recentemente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou alguns dispositivos da Lei de Anistia, considerando-os em desacordo com a as obrigações internacionais do Brasil e, por isso, o país deve se adequar à Justiça de Transição. Ele ressaltou que, para isso, já existem alguns instrumentos de reparação, como a Comissão de Mortos e Desaparecidos. “O Brasil já avançou muito. Há respostas,ainda que tímidas por parte do Estado”, reconheceu.

Segundo o presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos, Marco Antônio Barbosa, o modelo de Justiça de Transição do Brasil chama a atenção de outros países, por incluir um programa de reparação às vítimas da ditadura, pela plena vigência da Lei de Anistia. Ele destacou, entretanto, a importância do acesso aos arquivos da ditadura.

“A abertura dos arquivos da ditadura é fundamental para o processo de esclarecimento histórico, principalmente para o respeito aos direitos dos perseguidos. Até porque ainda restam tarefas referentes à localização dos restos mortais dos desaparecidos”, disse Barbosa.

O seminário reúne, até amanhã (8), em Brasília, especialistas do Brasil e de outros países para discutir os processos de transição democrática e as violações de direitos humanos cometidas durante as ditaduras do século passado em países da América Latina.

O Projeto de Lei 7.376/10, em tramitação no Senado, cria a Comissão Nacional da Verdade para esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988, e autoriza o acesso aos arquivos da ditadura militar (1964-1985).

Para José Eduardo Cardozo, o Brasil vive um momento de transição, passo já dado por outros países da América Latina que puniram as violações de direitos humanos ocorridas durante regimes de exceção. “É um processo complexo, que depende, em cada país, das condicionantes históricas e políticas. Cada país tem seu ritmo”, disse o ministro.

Agência Brasil