A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) criticou a Medida Provisória 681/2015, que amplia de 30% para 35% o limite do crédito consignado para incluir despesas com cartão de crédito. Segundo a entidade, a medida é contrária à garantia da intangibilidade dos salários.
“A MP agrava ainda mais o atual quadro da vulnerabilidade salarial mediante consentimento”, diz a associação, em nota, que também alerta para cobrança de altas taxas de juros, acima da inflação, em caso de inadimplência, bem como para o aumento de 17% da capacidade de autoendividamento do trabalhador brasileiro.
Além da Anamatra, advogados também criticaram a MP 681, pois o assunto deveria ser tratado por meio de uma lei ordinária e não por medida provisória. Além disso, a mudança executada pela Presidência da República fere a divisão dos poderes, pois a edição de MP’s é uma atividade atípica do Executivo, que só pode legislar em ocasiões excepcionais.
Confira a íntegra da nota:
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Anamatra, entidade representativa dos juízes do Trabalho do Brasil, em vista da edição da Medida Provisória n. 681, de 10.7.2015 — que altera a Lei 10.820/2003 “para dispor sobre o desconto em folha de valores destinados ao pagamento do cartão de crédito” —, e à vista do que dispõe o artigo 4º do seu Estatuto Social, vem a público externar o seguinte.
1. A pretexto de fomentar o mercado de operações de crédito e financiamento diretos ao consumidor, a Presidência da República lamentavelmente reforçou o descuido com uma garantia tradicional constante da legislação trabalhista brasileira, que é intangibilidade dos salários, pela qual “ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”, ou, em caso de danos, quando resultantes de dolo (art.462, caput e §1º, da CLT).
2. Os descontos salariais “por dispositivo de lei” sempre foram aqueles de natureza fiscal, relativos ao Imposto de Renda Pessoa Física (Lei n. 7.713/1988) e ao Regime Geral de Previdência Social (Lei n. 8.212/1991), além da própria contribuição sindical (artigo 578 da CLT). Em 2003, com o advento da Lei n. 10.820, esse universo foi expandido para alcançar todo financiamento, empréstimo ou operação de arrendamento concedido por instituições financeiras ou empresas de arrendamento mercantil, quando previsto no respectivo contrato, com desconto direto dos valores devidos em folha de pagamento, no limite de trinta por cento da remuneração disponível do empregado.
3. Conquanto já fosse de duvidosa constitucionalidade a retenção de verbas tipicamente alimentares, sem respeito ao mínimo legal, pela afronta às garantias do devido processo legal substantivo (artigo 5º, LIV, CF) e à proteção constitucional dos salários (artigo 7º, X, 1ª parte, CF), tem-se agora que a MP n. 681/2015 aprofunda essas distorções, agravando ainda mais o atual quadro da vulnerabilidade salarial mediante consentimento, elevando-se para trinta e cinco por cento a margem consignável de remunerações e verbas rescisórias, “sendo cinco por cento destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito”.
4. A ampliação, nas relações de trabalho, de instrumento financeiro tão arriscado em caso de inadimplência, com juros elevadíssimos e acima da inflação, potencializa danos incalculáveis a qualquer usuário de cartão de crédito, especialmente para o trabalhador.
5. Para atender especialmente ao interesse das administradoras de cartões de crédito e de empresas afins, aumenta-se em cerca de dezessete por cento (17%) a capacidade de autoendividamento do trabalhador brasileiro, valendo-se, para tanto, de uma espécie legislativa incabível para o caso – já utilizada em outra iniciativa, com idênticos objeto e forma, ora tramitando no Senado – com a clara inexistência dos requisitos constitucionais de urgência e relevância (artigo 62, CF).
6. A teor da Constituição de 1988, os salários devem ser protegidos pelo legislador ordinário. Na prática, porém, seguem submetidos aos interesses financeiros e ao propósito de redução geral da inadimplência do mercado. Nessa medida, resulta claro que a MP n. 681/2015, além de formalmente não encontrar apoio nos critérios de relevância e urgência, também dispôs impropriamente no conteúdo, sendo importante que o Congresso Nacional a rejeite.
Brasília/DF, 14 de julho de 2015.
Germano Silveira de Siqueira — Presidente da Anamatra