Primeiro vamos tentar informar e ensinar aos que saem às ruas pedindo a volta do regime autoritário aos gritos e berros o que foi o AI-5. E relembrar a tragédia que foi para o Brasil enfrentar anos de autoritarismo e falta das liberdades. Leiam por favor:
“O Ato Institucional nº 5, conhecido usualmente como AI-5, foi um decreto emitido pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silva no dia 13 de dezembro de 1968. O AI-5 é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura e que concluiu uma transição que instaurou de fato um período ditatorial no Brasil.
O AI-5 não deve ser interpretado como um “golpe dentro do golpe”, isto é, não deve ser visto como resultado de uma queda de braços nos meios militares que levou um grupo vitorioso a endurecer o regime. Ele deve ser enxergado como o resultado final de um processo que foi implantando o autoritarismo no Brasil pouco a pouco no período entre 1964 e 1968. Foi a conclusão de um processo que visava a governar o Brasil de maneira autoritária em longo prazo.
O AI-5, na visão das historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, “era uma ferramenta de intimidação pelo medo, não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a oposição e a discordância|1|. Já o historiador Kenneth P. Serbin fala que, por meio do AI-5, as forças de segurança do governo tiveram carta branca para ampliar a campanha de perseguição e repressão contra a esquerda revolucionária, oposição democrática e Igreja|2|.
Esse ato institucional foi apresentado à população brasileira em cadeia nacional de rádio e foi lido pelo Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva. Contava com doze artigos e trazia mudanças radicais para o Brasil. Por meio desse decreto, foi proibida a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos.
Também decretou o fechamento do Congresso Nacional, pela primeira vez desde 1937, e autorizava o presidente a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens privados e intervir em todos os estados e municípios.
Por meio do AI-5, a Ditadura Militar iniciou o seu período mais rígido, e a censura aos meios de comunicação e a tortura como prática dos agentes do governo consolidaram-se como ações comuns da Ditadura Militar”. (Fonte: Brasil Escola).
A nossa miséria enquanto sociedade Porque falo que estamos em uma miséria como sociedade? Porque não aprendemos nada com o passado. Chegamos ao ponto de, em meio ao maior acesso da história da humanidade à informação via internet, redes sociais, meios de comunicação antigos, vermos pessoas irem às ruas defender que suas liberdades sejam retiradas. Que o governo, qualquer que seja ele, possa intervir a qualquer momento, hora, lugar, em sua vida, dos seus filhos, familiares, amigos. Estes seres vão às ruas não para pedir, salvemos vidas, mas sim que vidas possam estar ainda mais em risco sob o comando de um poder autoritário regido por um lunático como temos hoje na Presidência, ou ainda qualquer outro que assuma as rédeas do poder! Se isto não é insanidade, não sei mais o que seria.
Nasci um ano antes do AI-5. Vivi minha infância ouvindo os adultos falarem baixinho, comentarem que este ou aquele sumira. Na adolescência, fui parado por policiais nas ruas nem uma, nem duas, mas várias vezes só porque eramos estudantes, andávamos com pastas escolares. Estudar portanto-, era um crime… Repentinamente chegavam viaturas, mandavam todo mundo colocar mãos na parede, davam chutes para que abríssemos as pernas para revistarem, até tapas rolavam… No Brasil quem ensina a pensar, quem pensa, educa, orienta, é considerado por muitos um inimigo. Estudei muito, e entre as coisas que li e pesquisei, a ditadura foi a que mais me chamou a atenção pela violência e torturas que realizou. Não é fake, é verdade. Basta ler um pouco a história em fontes reais, não postagens em redes sociais.
Ao crescer, entrevistei muitas pessoas que foram atingidas diretamente pela ação autoritária na ditadura militar. Algumas estão em meu livro “Gente Nossa (2014)”, outras estão arquivadas em minhas memórias. Ver em pleno século 21 em meu país que tanto sofreu com desaparecimentos de pessoas que foram mortas por divergir e buscar a democracia e liberdade dos direitos de todos nós – inclusive dos que hoje vão às ruas pedir para que acabem com a sua liberdade – é de uma tristeza sem fim. Uma tragédia pior que a miséria econômica e social que não conseguimos pelo menos reduzir ao longo de tantos anos.
Por isso, denunciar e lutar contra esses desejos macabros do Presidente da República e de seus asseclas, filhos mimados, e poucos líderes políticos, é uma missão a todo brasileiro e brasileira que sabe o que é ter ou não ter liberdade. A sociedade brasileira enfrenta três poderosos inimigos: o coronavírus mortal, o vírus bolsonarista e o vírus da falta de educação que leva a tantos pedirem a volta de militares e AI-5. Essa gente não enxerga o outro como ser humano, não chora pela morte de milhares de ontem e hoje, e pensa ser inteligente e superior ao clamar por ditadura. Cuidado, o chicote que pedes ao outro pode rasgar a tua carne e dos teus também. Voltem à sanidade senhores e senhoras. Urgentemente.
Quanto ao Presidente (?!), deve ser imediatamente enquadrado na lei que nos rege, a Constituição Federal do Brasil promulgada em 1988 após longos anos da ditadura militar. Temos ordenamento jurídico claro, construído a muitas mãos em uma constituinte legítima que nos deu a carta de princípios a seguir em todas as áreas. Não implementamos nem 30% dela até hoje porque as elites brasileiras insistem em não perder o poder acumulado por séculos. Mas é assim, via democracia, que vamos conquistando. Com diálogo, respeito ao outro pensamento, votando, sendo votado, com liberdade. No grito, não. Que as instituições democráticas ajam para evitar o pior, que se acontecer, será o pior também para os que gritam saudosos por algo que nem sabem o que é. Depois será tarde demais para retroceder. Ditadura, nunca mais!
“Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”.
A frase, que aparecia em uma faixa durante a manifestação contra o governo Dilma Rousseff em Brasília, em março de 2015, causou polêmica nas redes sociais e provocou até uma resposta da ONU, defendendo o educador brasileiro famoso mundialmente pela teoria da pedagogia crítica.
Considerado patrono da educação no Brasil desde 2012, Freire dá nome a institutos acadêmicos em países como Finlândia, Inglaterra, Estados Unidos, África do Sul e Espanha, mas, em sua terra natal, tem sido criticado por manifestantes e articulistas pelo que consideram sua “influência esquerdista” no ensino.
O historiador e doutor em Educação José Eustáquio Romão, seu amigo pessoal e especialista em sua obra, discorda: “Paulo Freire nunca foi aplicado na educação brasileira. (…) Ele entra (nas universidades) como frase de efeito, como título de biblioteca, nome de salão.”
Em entrevista à BBC Brasil, ele diz que as ideias e o método de alfabetização de adultos criado por Freire já serviram de base para políticas públicas em diversos países, mas ainda se resumem a experiências pontuais no Brasil.
“Estou convencido de que se aplicarmos hoje (o método), acabamos com o analfabetismo no Brasil em um ano”, afirma. Segundo os dados mais recentes do IBGE, o Brasil ainda possui 13 milhões de analfabetos, apesar da diminuição do índice nos últimos anos.
Romão, que é um dos fundadores do Instituto Paulo Freire e, atualmente, diretor de mestrado e doutorado na Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo, passou os últimos 15 anos em busca do manuscrito perdido do livro Pedagogia do Oprimido, obra mais conhecida e traduzida do educador pernambucano, morto em 1997.
O manuscrito, que contém trechos inéditos do livro – publicado nos Estados Unidos em 1970 e proibido pelo regime militar brasileiro até 1974 – sobreviveu à ditadura chilena nas mãos de Jacques Chonchol, ex-ministro de Agricultura no governo de Salvador Allende (1970-1973). Agora, foi devolvido ao Brasil.
Confira alguns dos principais trechos da entrevista.
BBC Brasil: Como o senhor descobriu a existência do manuscrito? E como o encontrou?
José Eustáquio Romão: Foi uma busca de 15 anos. Algumas vezes ele (Paulo Freire) dizia para nós, que éramos amigos mais próximos, que gostaria de rever o manuscrito antes de morrer. Mas, pelo que a gente sabia, os originais do livro tinham sido datilografados.
Paulo era muito desorganizado. Ele escrevia até em guardanapo quando tinha uma boa ideia. Então um de seus amigos juntou essa papelada e datilografou em 1968. Quando Paulo falava de manuscrito, eu achava que ele estava delirando.Mas não estava.
“Queria que vocês recebessem estes manuscritos de um livro que pode não prestar, mas que encarna a profunda crença que tenho nos homens.Trecho da dedicatória escrita por Paulo Freire a Jacques e Maria Edy Chonchol.”
Ele foi um dos primeiros a ser preso pelos militares, em abril de 1964, porque havia sido convidado a fazer parte de um projeto do governo João Goulart após o sucesso da sua experiência de alfabetização de camponeses no Rio Grande do Norte, em 1963.
Após 70 dias na prisão, ele conseguiu se exilar na Bolívia e, de lá, foi para o Chile, onde conheceu o ministro Jacques Chonchol, uma figura de destaque na política chilena, que articulou a eleição de Salvador Allende. Chonchol chamou Paulo para trabalhar com ele e os dois ficaram amigos.
Anos depois, Paulo foi convidado a ensinar aos doutores em Harvard (nos Estados Unidos), mesmo sem nenhum título, por causa de seu método de alfabetização de adultos. Antes de ir, decidiu copiar os originais de seu livro e dar este manuscrito de presente ao casal Chonchol.
Só que, depois de Allende, Chonchol era o homem mais visado pela polícia do (general Augusto) Pinochet. Ele só não foi morto no palácio junto com Allende (no golpe militar chileno, em 1973) porque estava em missão, mas chegou a Santiago no dia do golpe. Avisado pelos amigos, ele fugiu pela cordilheira (dos Andes). No fim, foi parar na França e ficou 20 anos no exílio.
A polícia de Pinochet invadiu a casa de Chonchol em Santiago, levou uma série de documentos e queimou livros. Mas o manuscrito de Paulo Freire parecia um documento sem importância, então ficou intacto. Anos depois, a irmã do ex-ministro conseguiu sair do país para visitá-lo na França e levou o manuscrito, achando que poderiam ser documentos pessoais.
Quando eu finalmente consegui localizá-lo, Chonchol me disse que várias vezes teve a tentação de doar o manuscrito para a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em Paris, mas resolveu não fazê-lo. Eu consegui convencê-lo a devolver o manuscrito para o Brasil.
BBC Brasil: Quais são as principais diferenças entre o livro Pedagogia do Oprimido como é conhecido hoje e o manuscrito?
Romão: A parte do livro em que Paulo Freire fala sobre a “teoria da ação revolucionária” não existe em nenhuma edição em nenhuma parte do mundo. O que nos faz supor que os (editores) americanos tiraram diversas partes – eu já fiz uma leitura comparada e comprovei que não estão lá.
Eles tiraram coisas que acharam um pouco mais perigosas para a ideologia liberal norte-americana. Não fazem por mal, mas por princípio ideológico. É uma teoria de esquerda mesmo, diz que o sujeito da história não são as lideranças, é o coletivo das massas oprimidas. Americano não vai admitir isso, nem os Democratas.
BBC Brasil: O que a Fundação Paulo Freire pretende fazer com o original?
Romão: A família dele nos autorizou a fazer mil exemplares do texto, mas não a vendê-los. Estamos distribuindo uma versão digitalizada a editores e às grandes bibliotecas do mundo, para que as novas edições se baseiem nisso aqui.
O manuscrito atualmente está escondido, eu o escondi. Ele vale milhões. Além disso, não queremos que suma novamente (risos).
BBC Brasil: Que relevância teria uma nova edição deste livro num momento em que setores da sociedade fazem duras críticas ao PT – do qual Freire foi membro fundador – e à influência dele na educação brasileira?
Romão: Alguns críticos falam muita bobagem, dizem que a educação brasileira está ruim por que Paulo Freire está sendo aplicado. Primeiro, Paulo Freire nunca foi aplicado na educação brasileira. Estamos lutando para ver se ele entra nas universidades até hoje.
Ele entra como frase de efeito, como título de biblioteca, nome de salão. Isso eu já vi no Brasil inteiro. Mas o pensamento dele não entrou até hoje.
BBC Brasil: Por que não?
Romão: Antes eu achava que era porque ele não tinha títulos e o Brasil é um país muito credencialista. Isso a gente deveria aprender com os norte-americanos, que o convidaram para Harvard. Eles não fazem questão de diploma, fazem de competência.
Paulo nunca fez Pedagogia, nunca fez licenciatura. Fez Direito à noite, um curso mal feito, abandonou a profissão na primeira causa. Mas era um gênio.
Lendo com mais calma e profundidade a obra dele, vejo que ele faz uma inversão intelectual tão violenta que os intelectuais tremem nas bases. Todos eles têm a mania de considerar que devemos partir da teoria para iluminar a realidade, e Paulo Freire desmonta isso. Ele diz que a legitimidade do conhecimento só vem da prática.
BBC Brasil: Como você responde a críticas sobre o viés de esquerda na obra de Paulo Freire?
Romão: Eu não tenho o conceito de ideologia que (a filósofa) Marilena Chauí tem. Ela considera que ideologia é algo ruim, para mim é apenas a visão de mundo. Todo discurso é ideológico no sentido de que parte de determinada perspectiva, do olhar de quem olha.
Quem faz esse tipo de crítica está considerando que seu próprio discurso não é ideológico. Ao meu juízo, é menos ideológico (de maneira negativa) quem revela a sua visão de mundo logo no início, porque prepara o interlocutor para dizer “há outras visões de mundo, há outras ideologias que interpretariam isso de maneira diferente”.
Há um grupo conservador que considera Paulo Freire de extrema esquerda. E há o grupo de esquerda que considera Paulo Freire conservador, idealista. Quem tenta conciliar teorias, como ele tentou conciliar – sem fazer ecletismo – leva tiro de todos os lados.
BBC Brasil: A obra de Freire também é criticada por ter referências a figuras como Che Guevara (guerrilheiro argentino) e Mao Tsé-Tung (líder comunista chinês).
Romão: Quero que me apontem o texto de Paulo Freire em que ele insiste tanto em Mao Tsé-Tung.
BBC Brasil: Pedagogia do Oprimido tem uma referência…
Romão: Ele faz apenas uma referência a uma teoria das mais amenas de Mao. Marx dizia que o motor da história é a classe operária. E Mao dizia que não, que existe o motor, mas que a fagulha do motor são as classes médias, que desencadeiam acontecimentos.
Ele diz que o povo pode fazer coisas irracionais e, por isso, tem que haver coordenação do processo revolucionário e isso nem sempre ocorre pelo proletariado. Marx e os marxistas ortodoxos, inclusive, devem ter se revirado no túmulo com essa.
Além disso, Paulo não aceita o maoísmo puro, nem o marxismo puro. Aliás, ele usava uma metáfora interessante, dizia que era “um barbudo no meio de dois barbudos”: Jesus Cristo e Karl Marx.
Por isso, há repercussões políticas importantes na teoria dele. Os freireanos não propõem eliminar o opressor e, sim, salvá-lo também, a partir do momento em que os oprimidos se libertam.
BBC Brasil: O que Paulo Freire diria sobre a violência no regime comunista chinês, no soviético e no cubano?
Romão: Tem um texto seminal dele, que está na Pedagogia da Autonomia, em que ele diz que somente a consciência fanática, que ele chama de fundamentalismo, leva ao processo de violência e destruição.
Ele diz que a tendência do oprimido – ao incorporar o discurso, os valores e a atitude do opressor – é a violência física ou simbólica.
Por isso mesmo a humanidade só avança quando os oprimidos deixam de tentar imitar seu opressor. Quando eles não querem trocar de lugar com o opressor, mas mudar as relações de opressão. E por isso que é raro na história isso ocorrer.
BBC Brasil: Como você responderia aos críticos que dizem que é ruim ter Paulo Freire sendo lido por estudantes porque isso pode, de alguma maneira, “transformá-los em esquerdistas”?
Romão: Não significa transformá-los em esquerdistas porque o que Paulo Freire mais insiste é “não me repita”.
Esse é o princípio fundamental da metodologia freiriana de construir conhecimento: “não me repita, mas se considerar que alguma ideia minha resolve algum problema da realidade, reinvente essa ideia em cada contexto”. Não sei que influência maléfica nos alunos seria essa.
BBC Brasil: Algum país realmente aplicou as ideias de Paulo Freire na educação?
Romão: Um país muito simpático ao conjunto da obra do Paulo Freire é a Finlândia, que avançou muito na educação. Cuba também acabou com o analfabetismo com base no método. A Coreia do Sul também. Para você ter uma ideia, o maior seminário internacional sobre Paulo Freire foi realizado na Universidade Nacional da Coreia do Sul há três anos. Estávamos lá debatendo com todas as autoridades coreanas e todos os freirianos do mundo.
Há projetos freirianos na Hungria, no Japão… tem um grupo trabalhando com a alfabetização de decasséguis que sofrem por ir viver lá e não dominar o idioma. Estão usando o método de Paulo Freire para alfabetizá-los na segunda língua. Os grupos que estão tendo sucesso são os que reinventaram. Aplicaram só os princípios, mas têm pontos de partida que são bem diferentes.
O Brasil não aplica sequer esse método. Há experiências de sucesso pontuais, mas isso não é usado como política. Sei também que na Armênia agora estão fazendo uma grande experiência com as ideias de Paulo Freire. E no País Basco.
Certa vez, eu estava no deserto de Góbi, na Mongólia, com o povo nômade, em missão. Em uma tenda, vi os criadores de cabra sendo alfabetizados por dois professores. Eu não entendia nada do que eles falavam, mas um nome soava meio familiar. Era Paulo Freire. Eles estavam com o último capítulo da Pedagogia do Oprimido nas mãos, traduzido para o chinês, que trata justamente do método de alfabetização.
BBC Brasil: O que há de tão extraordinário no método de alfabetização de adultos de Paulo Freire?
Romão: Fui a Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, porque lá, Paulo Freire, com um grupo de estudantes – nenhum deles de Educação – alfabetizou primeiro uma turma de 30 e, no final, 300 camponeses. Por que hoje a gente começa com uma turma de 30 adultos e termina com três? Por que eles não aguentam o curso?
Conseguimos conversar com os alfabetizados daquela época. Eu saí convencido de que, se aplicarmos hoje o que fizeram lá, acabamos com o analfabetismo no Brasil em um ano. É tão simples.
A pessoa precisa aprender que as letras constroem as palavras, mas não vai ter interesse nenhum se não souber pra que a palavra serve na sua vida. Por isso, um “círculo de cultura” substitui a aula. Nele, você vai discutir a vida das pessoas. Parece que está perdendo tempo, mas em um mês eles são alfabetizados, com 40 horas de aula.
Tenho uma experiência escrita à mão por uma pessoa que foi alfabetizada por ele em Brasília, a famosa experiência do tijolo. Tijolo foi uma palavra (usada por Paulo Freire como) “geradora” porque (os alunos) eram operários da construção civil, estavam construindo Brasília.
Ele mostrou aos alunos um tijolo físico, o partiu e colou nele as sílabas da palavra tijolo. E pediu que as pessoas formassem outras palavras a partir daquelas sílabas. As pessoas primeiro gravaram mentalmente as sílabas e as combinaram: jiló, laje, etc. Uma senhora, no entanto, fez uma frase: “Tu já lê”. Estava alfabetizada.
A gente, que trabalha com alfabetização, sabe que a pessoa só começa a ler na hora em que dá um clique. Esse clique é a grande descoberta do Paulo Freire.
Documentos relacionados à ditadura militar e que foram divulgados apenas nesta quinta-feira (9) apontam que a CIA, agência de inteligência dos Estados Unidos, criticou a expedição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) conforme informações do jornal O Globo.
A CIA classificou o AI-5, em documentos considerados confidenciais, como fator potencial de aumento da violência cometida por grupos extremistas, que representou uma guinada do Brasil rumo a políticas abertamente autoritárias.
O AI-5 foi expedido em 13 de dezembro de 1968 pela ditadura militar e considerado, na época, o mais duro golpe na democracia, dando poderes quase absolutos aos militares.
O AI-5 impôs, por exemplo, censura prévia aos meios de comunicação, deu poder ao presidente da República de assumir as funções legislativas, proibia atos de natureza popular, entre outras ações.
O documento da CIA datado em fevereiro de 1969 dizia que “a proscrição em dezembro (AI-5) de canais democráticos de oposição ao governo certamente levará mais brasileiros em direção ao extremismo”.
“Violência atribuída a grupos esquerdistas provoca reação violenta por direitistas, e vice-versa. Uma continuação de atos terroristas vai provocar constrangimento à administração e vai fortalecer a posição de quem é linha-dura no governo e acredita que o presidente Costa e Silva deveria ser mais vigoroso em empregar seus poderes de repressão”, disse a Agência de Inteligência norte-americana na época. Confira a reportagem na íntegra.
A OAB Nacional sediou nesta quarta-feira (1) a apresentação à sociedade civil do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. O evento, que contou com a participação de diversas entidades, representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e familiares de mortos e desaparecidos políticos, aconteceu no Dia Internacional dos Direitos Humanos e foi marcado por discursos em defesa da democracia e pela busca de justiça.
“O relatório da Comissão da Verdade, além de ser imprescindível para a memória nacional, resgatando a verdade e possibilitando a justiça, possui a relevante função de estimular o amor à democracia, principalmente entre os jovens, que não viveram os horrores do regime que impedia a liberdade de expressão e que tratava a divergência política como caso de polícia”, afirmou o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
“Está no DNA da Ordem a luta pela democracia e pelo restabelecimento da verdade. O relatório aqui apresentado é um marco na justiça de transição, sintetizando e expressando ao povo brasileiro a necessidade do resgate de nossa história. Temos que construir país de tolerância, que respeite as diferenças, que seja democrático, em busca da construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna. Temos que lembrar para jamais repetir”, completou.
Ao agradecer a entrega da do relatório físico, que soma 4.400 páginas em três volumes divididos em oito tomos, Marcus Vinicius afirmou que a obra “constituirá para a entidade um patrimônio da advocacia e da sociedade, um dos itens mais relevantes do acervo da história de nosso país”. “Recentemente, o STJ declarou ser possível a indenização no campo civil em razão dos horrores da ditadura. A OAB permanece aguardando que o STF julgue os embargos de declaração na ADPF que enfrenta o tema e acreditamos que podemos evoluir no sentido de realizar a tão esperada Justiça”, continuou.
Pedro Dallari, coordenador atual da Comissão Nacional da Verdade, agradeceu a OAB por receber o evento e disse que a entidade tem um peso indiscutível na memória democrática do país. Antes de apresentar o relatório final, Dallari afirmou que a entrega do documento não representa o fim dos trabalhos de investigação dos crimes ocorridos na ditadura. “A Comissão propicia uma plataforma que permitirá que comissão estaduais, municipais e setoriais, universidades, entidades da sociedade civil e a imprensa possam aprofundar investigações, para que muito ainda venha à tona. Fazer um trabalho de referência foi o que nos motivou”, explicou.
Além de Dallari, são integrantes da Comissão Nacional da Verdade: Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha.
Representante do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no Brasil, Jorge Chediek leu no auditório da OAB mensagem enviada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, elogiando a publicação do relatório da Comissão da Verdade e os esforços de promover a verdade e a reconciliação nacional.
“A ONU encoraja e apoia esforços para desvendar fatos que envolvam a violação de direitos humanos, baseada na Declaração Internacional dos Direitos Humanos e em tratados internacionais. A verdade oferece possibilidade de prestação de contas com o passo, dando dignidade e alguma reparação por perdas. A ONU está ao lado de todos os brasileiros na lembrança de suas perdas e no esforço para fortalecer os direitos humanos e a reconciliação nacional”, escreveu o dirigente das Nações Unidas.
O vice-presidente da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que o trabalho da Comissão deve ser saudado por toda a sociedade. “O direito à memória e à verdade histórica está no relatório. É um trabalho denso e extraordinário, que merece todos os nossos elogios. A OAB se sente honrada por poder sediar esse momento e guardar esse material que representa muito a todos nós”, disse.
Segundo o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e coordenador da Comissão Estadual da Verdade do RJ, Wadih Namous, lembrou da dificuldade de trabalho das comissões, especialmente quando as Forças Armadas não colaboram com as investigações. “O relatório deve ser recebido como obra aberta, pois muitos fatos ainda restam por apurar. Não descansaremos enquanto não descobrirmos onde estão enterrados todos os mortos e a localização dos desaparecidos. Nosso presente ainda guarda traços do período ditatorial, as mazelas do passado são as do presente. Temos que lutar contra o preconceito racial e diversas outras mazelas. Ainda precisamos saber quem pôs uma bomba na OAB, matando a Dona Lida. A entrega deste documento não poderia ser em outro local. A OAB combateu a ditadura e a sociedade se orgulha dos advogados que desceram aos porões da ditadura para defender os presos políticos”, afirmou.
O conselheiro federal Henrique Mariano, presidente da Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça da OAB, disse que temos que “encarar esse 10 de dezembro como o início da nova história que todos construímos para consignar na República Brasileira”. “Quero reiterar o inquebrantável compromisso da OAB de perseguir a responsabilização de agentes de Estado que cometeram crimes de lesa humanidade e graves violações de direitos humanos. Nosso compromisso de dar continuidade ao sentimento que presente na vida de muitos que lutaram por um Brasil melhor e mais justo. Demos um grande passo para construir a memória e a verdade, mas temos que avançar mais para cumprir a implementação da justiça de transição em sua plenitude”, discursou.
Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, lembrou a passagem bíblica que diz que a verdade nos libertará. “A verdade tem rostos, histórias e vidas, homens e mulheres que ainda sofrem a dor que não desapareceu. A Comissão da Verdade também mostrou os rostos dos que mataram e torturaram. A democracia é preciosa demais para voltarmos ao passado”, disse, antes de lembrar os nomes dos dons Paulo Evaristo Arns, Helder Câmara e Luciano Mendes de Almeida, que lutaram contra a ditadura.
Em nome da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, Francisco Calmon afirmou que a responsabilização dos agentes envolvidos dará sentido para que nunca mais se torture no país e que o poder não seja mais usurpado, além de sugerir a criação da Comissão da Verdade do Cone Sul. Isamel Antonio de Souza relembrou o trabalho das centrais sindicais tanto na luta contra a ditadura quanto na elaboração do relatório da Comissão da Verdade.
Fechando a cerimônia, Togo Meirelles Neto falou em nome das famílias de mortos e desaparecidos políticos. “Estamos há 45 anos procurando a verdade do que aconteceu com nossos familiares. Não tivemos ajuda de quem cometeu esses crimes, mas queremos saber as respostas e queremos Justiça. Queremos que o Ministério Público Federal investigue e processe todos os agentes de Estado que cometeram crimes. Esse processo não termina hoje, mas foi importante porque nos trouxe a possibilidade de que a sociedade reconheça e não aceite mais esses crimes”, afirmou.
“O caso da Casa Azul foi muito impressionante porque, provavelmente, foi o maior centro clandestino [que existiu]”, relata a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloísa Starling.
A especialista coordenou as pesquisas sobre os centros de tortura existentes durante o período militar e espalhados pelo país. Os estudos mostram que a casa localizada no sudeste do Pará não era um simples centro de interrogatórios. “Tem uma coisa interessantíssima: o tempo todo você tem um observador militar do Planalto, dentro da Casa Azul. Isso mostra a ligação direta com o Alto Comando [das Forças Armadas]”.
Trechos do livro Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, citam que uma investigação realizada pelo Ministério Público Federal, em 2001, por meio de depoimentos, identificou a instalação de quatro bases militares na região sul e sudeste do Pará.
Em Marabá, além da Casa Azul, eram utilizados mais dois imóveis: a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e um presídio militar. Em São Domingos do Araguaia estava localizado o presídio da Bacaba onde era feita a triagem dos camponeses suspeitos. Dali, alguns seguiam para a Casa Azul.
O Alto Comando em Brasília provavelmente soube o que se passou com o soldado Manuel Messias Guido Ribeiro. Ele foi recrutado pelo Exército para servir na “guerra contra comunistas”, mas tinha pena dos prisioneiros.
Manuel conta que também foi torturado, o que era chamado, pelos militares, de treinamento, para que ele se brutalizasse e esquecesse da dignidade dos detentos.
O “treinamento” de Guido, entretanto, não surtiu o efeito esperado. Ele conta que levou água e comida para os torturados em muitas noites e que não participou de nenhuma sessão de tortura, pois apenas os chamados “doutores” estavam autorizados.
Na casa abandonada, as memórias de Guido Ribeiro foram retornando aos poucos. Durante os relatos à Comissão Nacional da Verdade, em meados de setembro deste ano, ele suava de calor, mas também de nervosismo, causado pelas lembranças.
“Aqui tinha mais presos do que poderia caber numa cela. Eram torturados. O que o senhor pensar de tortura que pode ser feita, foram feitas. Choques, colocava [a pessoa] em cima de duas latinhas e dava choque nas latas. Tinha até uma música, horrível, não consigo esquecer aquela desgraça”, lembra chorando.
“É torturante. A música era assim: ‘era um tal de mexe-mexe, era um tal de pula- pula, quem tá em cima não cai, quem tá embaixo segura’. E davam o choque.”
Após seis anos, Guido foi dispensado de servir os militares. Alguns dos homens que ele viu sofrer na Casa Azul morreram, e seus corpos seguiram para um local em que eram enterrados clandestinamente a mando dos militares. Nesse local, hoje, funciona o Cemitério da Saudade.
Os irmãos Ivan Jorge Dias e Ivaldo José Dias carregaram, entre os anos de 72 e 73, o peso de corpos inocentes para lá. Os irmãos também foram vítimas de tortura e eram obrigados a fazer o serviço. Retornar ao cemitério com a Comissão Nacional da Verdade foi, para eles, mais um ato de coragem.
Ivaldo segurou o choro enquanto mostrava os locais onde possivelmente estariam enterrados alguns corpos da guerrilha que passaram pela Casa Azul. “Me dá vontade de chorar, sinceramente. Eu estou me segurando para não chorar de tristeza do que eu passei aqui nessa região, na época. Eu não estou bem não, mas, perto daquela época e do que eu passei, estou superado, graças a Deus.”
Os sobreviventes ainda hoje sentem muito medo e aguardam uma reparação pelos danos físicos e psicológicos por parte do governo brasileiro. Enquanto isso, convivem diariamente com pesadelos e noites mal dormidas nas quais revivem as angústias pelas quais passaram.
A Comissão Municipal da Verdade de Joinville (CMV) realiza na segunda-feira (8) a segunda audiência pública para ouvir vítimas e apurar fatos relacionados a violações de direitos humanos durante a ditadura militar do Brasil, de 1964 a 1985, principalmente em 1975 quando foi realizada a Operação Barriga Verde em Santa Catarina.
O local é a Câmara de Vereadores, às 19 horas. Na primeira audiência pública, realizada dia 2 de setembro, foram ouvidas duas mulheres que relataram a prisão de seus maridos, a fragilidade familiar e as humilhações que passaram em corredores de órgãos de segurança.
Para a segunda audiência está prevista a ouvida de outras duas mulheres. Ao todo, a Comissão da Verdade ouvirá pelo menos cinco pessoas, cujos relatos serão formalmente encaminhados à Comissão Estadual da Verdade.
A Comissão da Verdade de Joinville, criada por lei no dia 26 de junho, é a única em âmbito municipal em Santa Catarina. É composta por dez membros entre titulares e suplentes que representam os poderes Executivo, Legislativo, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituições de ensino superior e instituições de defesa dos direitos humanos.
O coordenador, Luiz Henrique Lima, procurador do Município, explica que além de ouvir as vítimas será feito um resgate histórico daquele período. “A comissão será um importante canal para ouvirmos vítimas e outras pessoas envolvidas nesses episódios e que queiram se manifestar”, explicou. Interessados podem entrar em contato com integrantes da CMV pelos endereços eletrônicos comissaodaverdade@oab.org.br, luizhlima@hotmail.com, rossana.cunha@gmail.com e maikon.jean.duarte@gmail.com .
Um dos integrantes da CMV, o professor de história Maikon Jean Duarte, disse que outro objetivo que a comissão pode alcançar é identificar a cadeia de comando das operações de repressão com base em nomes que atuaram direta e indiretamente na repressão. “Uma grande dificuldade é a identificação desses nomes. A comissão ouvirá vítimas ou acusados que queiram se manifestar. O objetivo é expor o outro lado da história”, explicou.
Durante os 21 anos do golpe militar, de 1964 a 1985, são conhecidos casos de 90 pessoas que foram presas ilegalmente em Santa Catarina, quase todas ouvidas pela Comissão Estadual da Verdade. “As que ainda não foram ouvidas precisam se sentir encorajadas a falar, seja como forma de colaborar com a verdade histórica, seja na fundamentação de possíveis medidas jurídicas cabíveis”, exortou o jornalista e professor do curso de Jornalismo do Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus/Ielusc, Sílvio Melatti.
A Comissão Municipal da Verdade de Joinville (CMV) confirmou nesta quarta-feira (27), durante entrevista coletiva à imprensa, que o principal foco dos trabalhos será o depoimento cinco pessoas vítimas diretas ou indiretas da repressão militar, especialmente durante a Operação Barriga Verdade, em 1975.
Para ouvir essas pessoas em audiência pública já foi estabelecido um calendário durante o mês de setembro, na Câmara de Vereadores. A primeira será no dia 2, a partir das 19 horas.
As informações coletadas nesses depoimentos complementarão os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade. “Nosso prazo é até o final de novembro, porém nada impede de prosseguirmos na apuração de fatos relacionados com violações de direitos humanos para resgate da verdade histórica”, enfatizou o coordenador da CMV, advogado Luiz Henrique Lima.
Um dos integrantes da CMV, o professor de história Maikon Jean Duarte, disse que outro objetivo que a comissão pode alcançar é identificar a cadeia de comando das operações de repressão com base em nomes que atuaram direta e indiretamente na repressão. “Uma grande dificuldade em todo país é a identificação desses nomes. A comissão ouvirá vítimas ou acusados que queiram se manifestar. O objetivo é expor o outro lado da história”, explicou.
Durante os 21 anos do golpe militar, de 1964 a 1985, são conhecidos casos de 90 pessoas que foram presas ilegalmente em Santa Catarina, quase todas ouvidas pela Comissão Estadual da Verdade.
“As que ainda não foram ouvidas precisam se sentir encorajadas a falar, seja como forma de colaborar com a verdade histórica, seja na fundamentação de possíveis medidas jurídicas cabíveis”, exortou o jornalista e professor do curso de Jornalismo do Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus/Ielusc, Sílvio Melatti.
A Comissão A Comissão da Verdade de Joinville, criada por lei no dia 26 de junho, é a única em âmbito municipal em Santa Catarina. É composta por dez membros entre titulares e suplentes que representam os poderes Executivo, Legislativo, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituições de ensino superior e instituições de defesa dos direitos humanos.
“Além de ouvir as vítimas e realizarmos um resgate histórico daquele período, a comissão será um importante canal para ouvirmos outras pessoas envolvidas nesses episódios e que queiram se manifestar”, explicou o coordenador. Interessados podem entrar em contato com integrantes da CMV pelos endereços eletrônicos comissaodaverdade@oab.org.br, luizhlima@hotmail.com, rossana.cunha@gmail.com e maikon.jean.duarte@gmail.com.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra negou a acusação do Ministério Público Federal de ocultação de cadáver. “Agi com a consciência tranquila. Nunca ocultei cadáver. Sempre agi dentro da lei”, disse Ustra, que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi-SP), entre 1970 e 1974.
O coronel compareceu hoje à comissão e, apesar de decisão judicial que lhe garantia o direito de não se pronunciar durante o depoimento, Ustra falou aos membros da comissão e negou também que tenha cometido assassinato, tortura e sequestro. O ex-comandante afirmou ainda que nenhuma tortura foi cometida dentro das instalações do órgão de repressão do governo militar.
Além do coronel Ustra, fala à comissão o ex-sargento Marival Chaves, que atuou na mesma instituição e já prestou dois depoimentos espontâneos à CNV. Marival Chaves e Carlos Ustra estão sendo ouvidos dentro da linha de pesquisa dos grupos de trabalho sobre as Graves Violações de Direitos Humanos cometidas por agentes do Estado ou pessoas a seu serviço entre 1946 e 1988.
A jornalista Rose Nogueira afirmou em entrevista à EBC que o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, intimidava a TV Cultura durante a ditadura militar (1964-1987). Ela integrou a equipe de jornalismo da emissora, dirigida por Vladimir Herzog na década de 1970. A declaração da profissional foi divulgada na noite dessa segunda-feira, 25.
Em 1975, ano em que Vlado foi assassinado, Marin era deputado estadual pela Arena e fazia discursos sobre o que ele chamava de controle comunista da TV Cultura. “Lembro perfeitamente desses discursos, como a gente da redação ficava apavorada cada vez que esse homem fazia um discurso”, disse Rose. No dia nove de outubro daquele ano, o atual dirigente pediu ação contra a emissora administrada pelo estado de São Paulo”É preciso, mais do que nunca, uma providência, a fim de que a tranquilidade volte a reinar, não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”, conforme publicado no Estadão.
Rose atribuiu o assassinato de Vlado às declarações feitas pelo ex-parlamentar e avaliou que Marin não pode continuar à frente de uma entidade representativa do esporte de maior comoção nacional. “Ele tem que ficar longe da CBF. Temos o futebol como esporte nacional (…) Não, a CBF não pode ser dirigida por alguém que pedia a prisão e a repressão de uma emissora, que aliás é estatal, dizendo que havia subversivos comunistas. Essa opinião formada em relação ao ‘A Hora da Notícia’, o nosso telejornal, e ao nosso diretor Vladimir Herzog, inesquecível, contribuiu para essa tragédia”.
A morte de Vlado
Herzog foi convocado para prestar depoimento no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O comando do Exército divulgou nota oficial informando que, em 25 de outubro de 1975, Vlado tinha se suicidado na cela onde estava preso. O Tribunal de Justiça de São Paulo, entretanto, determinou, em 24 de setembro de 2012, a retificação do atestado de óbito do jornalista, indicando assassinato.
Relações entre Dilma e Marin
O jornalista Juca Kfouri denunciou em seu blog, em 26 de junho do ano passado, que a presidente Dilma Rousseff se recusa a se encontrar com Marin, por ele ter incitado a prisão de Vlado, 16 dias antes da morte do jornalista. O Palácio do Planalto, contudo, nega os motivos citados por Kfouri.
Ainda no ano passado, durante o sorteio da Copa das Confederações, a presidente sentou ao lado de Marin, também presidente do Comitê Organizador Local da Copa (COL). Na ocasião, o Lancenet ouviu uma pessoa próxima do cartola que considerou o gesto como “um marco”. Em discurso, Dilma enfatizou que o Brasil é um país democrático e que respeita os direitos humanos. O comandante da CBF costuma se irritar quando questionado sobre esse tema.
Sessão solene nesta quinta-feira (6) homenageia os 173 deputados impedidos de exercer o mandato popular durante o regime autoritário iniciado em 1964. Painel de Elifas Andreato, livro, exposição e documentário também estão entre as homenagens.
A Câmara dos Deputados realiza sessão solene nesta quinta-feira (6), às 15h, para devolver simbolicamente os mandatos dos deputados cassados por atos de exceção entre 1964 e 1977, sem o devido processo legal. A iniciativa da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, tem como objetivo resgatar a história e a importância dos 173 parlamentares eleitos pelo povo e impedidos de exercer o mandato durante a ditatura.
Durante a homenagem, que terá rito de sessão de posse, serão entregues aos ex-deputados ou a seus familiares documento em forma de diploma e broche de uso parlamentar. Também será exibido documentário da TV Câmara que evidencia os prejuízos impostos ao país pelo fechamento do Congresso Nacional no período de exceção e pela cassação dos mandatos parlamentares, numa reflexão sobre o papel primordial da representação na democracia brasileira.
Na mesma data, logo após a sessão solene, será inaugurada a exposição Parlamento Mutilado: Deputados Federais Cassados pela Ditadura de 1964 e lançado livro de mesmo nome, assinado pelos consultores legislativos Márcio Rabat e Débora Bithiah de Azevedo, com publicação da Edições Câmara.
A exposição, montada no corredor de acesso ao plenário e no Hall da Taquigrafia, reúne imagens que retratam os momentos mais tensos vividos pelo Congresso Nacional entre 1964 e 1985. O destaque da mostra é o painel A verdade ainda que tardia , do artista plástico Elifas Andreato, que compôs uma visão sobre a repressão e a resistência nos chamados “anos de chumbo”.
Veja a lista completa dos deputados cassados clicando aqui.