Comissão da Verdade quer colaboração do Itamaraty para esclarecer fatos

A Comissão da Verdade vai se reunir hoje com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, para esclarecer fatos relacionados a direitos humanos que possam ter ocorridos no exterior. O encontro está previsto para as 16 horas, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Segundo o coordenador da comissão, Gilson Dipp, o objetivo é estreitar laços para melhorar o andamento das investigações.

“É a primeira aproximação, certamente vamos conversar tudo que for interesse da comissão. Eles [diplomatas] podem dar uma colaboração muito grande à comissão”, disse. A Comissão da Verdade também decidiu reabrir o caso do guerrilheiro Ruy Carlos Vieira Berbert, morto aos 24 anos, em 1972, na cadeia pública de Natividade, naquela época no estado de Goiás, atualmente no Tocantins, após reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que publicou fotografias do corpo da vítima.

Os detalhes das investigações serão decididos amanhã. “Conhecemos o caso pela reportagem, mas parece que é possível ter pesquisa maior. Amanhã vamos ver que providências podemos tomar junto com os conselheiros para vermos como vamos tratar esses casos. Estão aparecendo casos novos que não estávamos esperando, fatos que desconhecíamos. Vamos tentar localizar o corpo, porque a morte já foi constatada pelas fotografias”, disse Dipp.

O coordenador admitiu que a Comissão da Verdade desconhecia a quantidade de informações disponibilizadas pelo Arquivo Nacional. “Não tínhamos noção que o Arquivo Nacional disponibilizassem tantos documentos e, mediante consulta inteligente, pudesse se chegar ao que foi agora, pela primeira vez, divulgadas fotografias. Vocês [imprensa] estão indo mais rápido que nós em termos de pesquisa e mapearam toda documentação que não sabíamos que existia”, declarou.

No próximo dia 30, ocorrerá um evento público que vai reunir os integrantes das comissões da Verdade de todo o país. Segundo Dipp, atualmente existem cerca de 40 comissões. O objetivo é discutir sugestões e dar transparência as informações.

Por Luciene Cruz/Abr.

Tortura e Ditadura: Com Herzog e Merlino a simulação de sempre, suicídio

Comandante de um dos principais centros de tortura do país, o DOI-CODI paulista entre 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974 – o período mais sombrio da repressão – o coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado pela 20ª Vara Cível de São Paulo a pagar indenização por danos morais à esposa e à irmã do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto no centro de repressão em julho de 1971.

Conforme consta do processo, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, quando visitava a  família e morto quatro dias depois, em 19 de julho. A versão oficial dos agentes da repressão foi de que ele se suicidara enquanto era transportado para o Rio Grande do Sul. Mas, as condições de seu corpo e relatos de outros presos políticos mostraram que ele foi espancado e morreu por falta de atendimento médico.

Por isso Brilhante Ustra foi condenado agora a pagar a cada uma das autoras da ação uma indenização de R$ 50 mil, valor sobre o qual incidirá correção até o final do pagamento. De acordo com a decisão, o coronel terá de arcar, também, com as custas processuais e os honorários dos advogados no valor de 10% da condenação.

Família Herzog vai exigir cumprimento de ordem dada ao MP

Após encontro com a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir, informou que a família decidiu cobrar o cumprimento da ordem judicial que determinou a apuração, pelo Ministério Público (MP), das circunstâncias da morte de seu pai, também no DOI-CODI paulista em setembro 1975.

A ordem ao MP foi expedida pelo juiz federal Márcio José de Moraes, na sentença judicial de 27 de outubro de 1978 em que, em processo movido pela viúva Clarice Herzog, a União foi responsabilizada pela prisão e morte de Vladimir.

A família estuda pedir o cumprimento da ordem judicial, ignorada na época, agora por meio da Comissão Nacional da Verdade. Ivo lembrou que o governo na época (do general Ernesto Geisel) não contestou a decisão do juiz e que, como ela foi proferida antes da promulgação da Lei da Anistia, em 1979, esta não pode ser aplicada nem invocada para não cumprir a ordem.

Correção no atestado de óbito

“Vamos apresentar o pedido nos próximos dias. É algo que passou despercebido durante todos esses anos, mas a sentença, baseada no Artigo 40 do Código Penal, determinou que fossem investigadas as circunstâncias da morte e agora a família vai tomar as medidas cabíveis para o seu cumprimento. É uma decisão de 1978, anterior à Lei da Anistia, e não é uma ordem condenatória, mas investigatória”, explicou Ivo.

Ivo adiantou que a família pedirá, também, a expedição de um novo atestado de óbito com o motivo
real da morte de seu pai. “Vamos pedir emissão de um novo atestado que não sustente a fantasia do suicídio”, explicou.

Herzog compareceu em 24 de outubro de 1975, para depor no DOI-Codi, em São Paulo. No dia seguinte, foi apresentado como morto por enforcamento, suicídio que teria sido cometido com seu próprio cinto. Esta versão chancelada pelo Exército é a que consta até hoje em seu atestado de óbito. A respeito da condenação de Ustra e da decisão da família Herzog, leiam o Destaque do dia, Justiça faz com que Lei de Anistia deixe de ser escudo para criminosos e torturadores.

Do Blog do Zé Dirceu

Comissão da Verdade: ex-delegado do DOPS confirma que incinerou corpos

Livro escrito pelo ex-delegado relata crimes

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra reafirmou os crimes que cometeu durante a ditadura militar (1964-1985). Entre as denúncias, relatadas no livro Memórias de uma Guerra Suja, está a incineração de corpos de militantes de esquerda na Usina Cambaíba, em Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro.

De acordo com o coordenador da comissão, ministro Gilson Dipp, durante a oitiva, Guerra sugeriu que o grupo ouvisse algumas pessoas citadas por ele no livro. Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, Guerra fez um apelo aos militares que atuaram com ele durante o regime militar para que falassem sobre os crimes cometidos.

As denúncias de incineração de cadáveres feitas por Guerra estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. Perguntado sobre a possibilidade de as investigações atrapalharem os trabalhos da Comissão da Verdade, Dipp disse apenas que é necessário esclarecer que o grupo não é jurisdicional ou persecutório, nem trabalha visando a fornecer dados para o Ministério Público. “O Ministério Público trabalha numa linha própria e eu não conheço nenhum detalhe. Se vai prejudicar, em um momento desses as pessoas podem ter algum temor”, disse o ministro.

Dipp informou ainda que pretende convocar o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, que em entrevista ao jornal O Globo nesta segunda-feira (25), disse que jacarés e uma jiboia eram usadas para torturar presos políticos. “Em uma conversa informal, demonstrei minha opinião de que devemos ouvi-lo. [Malhães] é alguém que estará na nossa pauta para oitiva”.

Da Ag. Brasil

Herzog: falta coragem ao Estado brasileiro para fazer o que deve – Por Zé Dirceu

Há tempo de celebração e tempo de doída reflexão. Tempo de celebrar o funcionamento do primeiro mês de trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e tempo de lamentar a decisão e a forma como o Estado e o governo brasileiros responderam essa semana à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA) sobre o assassinato do jornalista  Vladimir Herzog.

Definitivamente, sem acordo.Não há possibilidade, nenhuma mesmo, de coonestar a lamentável decisão do Estado, de comunicar à OEA, num arrazoado de 40 páginas, que não pode instaurar processo de investigação do assassinato do jornalista no DOI-CODI do II Exército porque a Lei de Anistia de 1979 o impede.

Foi a justificativa do Estado à CIDH-OEA que a Lei da Anistia para não abrir uma ação criminal para investigar a morte de Herzog. Em março pp., o Brasil foi denunciado à Comissão por entidades de direitos humanos como Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIDDH), Grupo Tortura Nunca Mais e Instituto Vladimir Herzog.

Por isso, agora, o Estado brasileiro foi obrigado a apresentar uma resposta oficial. E o fez da pior forma possível. Em sua defesa, argumentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou como válida a Lei da Anistia recíproca. Isso o impede, alegou o governo brasileiro, de abrir um processo criminal sobre o caso. Além disso, o Estado informou que criou a Comissão da Verdade, que provavelmente vai analisar o caso para fazer um relato oficial.

Resposta revoltou familiares do jornalista e entidades denunciantes

Com razão. Um dos filhos do jornalista, Ivo, lembrou que um dos motivos para a ação na OEA é que até hoje o assassinato de Herzog consta no atestado de óbito como “suicídio” e, apesar disso, o  documento foi anexado à defesa do Brasil na OEA, o que deixou a família ainda mais revoltada. A versão de suicídio é do Exército.

A Lei da Anistia não proíbe investigar como Herzog foi assassinado na tortura e sim a punição de seus algozes. Assim, devíamos abrir uma investigação sim. A resposta brasileira foi uma péssima saída. Pior a emenda que o soneto.Não podemos aceitar e nem concordar com isso.

O erro do Estado é mais grave, ainda, porque a resposta não vem acompanhada de nenhuma medida – mínima que seja – de investigar os mandantes e autores do assassinato, nem detalha iniciativas para a retificação do atestado de obito e nem para levar as Forças Armadas a apresentarem um pedido de desculpas.

É tempo de avançar em medidas além da Comissão da Verdade

Já é tempo de buscarmos medidas para além das que já adotamos como a anistia, reparação, reconhecimento, resgaste da memória e criação, instalação e início do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade. Desta, aliás, a nação espera que repare essa situação injusta começando investigar o caso Herzog, identificando seus algozes, expondo-os à historia e retificando seu atestado de óbito.

Já que o Estado e o governo brasileiros tiveram essa posição, que os tribunais internacionais, então, processem os autores do crime de tortura (imprescritível, de acordo com a ONU) e assassinato como forma de fazer justiça e reparação à ignomia da farsa do suicídio.”

* Zé Dirceu, ex-deputado, ex-ministro e ex-presidente do PT Nacional, editor do Blog do Zé

Crise Paraguaia: Brasil deve adotar decisões em conjunto com Argentina e Uruguai

O governo do Brasil acompanha atentamente os desdobramentos políticos no Paraguai, mas só tomará iniciativas em conjunto com a Argentina e o Uruguai. A exemplo da medida adotada ontem (24), que suspendeu o Paraguai do Mercosul (bloco econômico que reúne o Brasil, a Argentina, o Uruguai, Paraguai e mais seis parceiros), o Brasil sinaliza que não reconhecerá um Estado que desrespeita a ordem democrática.

Diplomatas que acompanham o processo político nas Américas analisam que deverá ser aberta uma via de negociação alternativa para as questões envolvendo as áreas de fronteira do Paraguai com o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Suspenso do Mercosul, o Paraguai precisará manter o diálogo com os vizinhos e uma das possibilidades será uma via alternativa.

Os diplomatas avaliam ainda que a suspensão do Paraguai valerá apenas durante o período em que o novo presidente, Federico Franco, estiver no poder, pois haverá somente a reunião de cúpula nos dias 28 e 29, além de mais uma no fim do ano. Em seguida, em abril, serão realizadas eleições presidenciais no Paraguai.

Às vésperas da votação do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo até a conclusão do processo, o governo do Brasil insistiu sobre a necessidade de conceder espaço e tempo à defesa. Para as autoridades brasileiras, há suspeitas sobre a forma como o processo foi conduzido, principalmente pelo curto espaço de tempo. Em menos de 24 horas, houve a aprovação do impeachment.

Anteontem (23), a presidenta Dilma Rousseff convocou uma reunião para discutir o assunto. Foram chamados os ministros Antonio Patriota (Relações Exteriores), Celso Amorim (Defesa) e Edison Lobão (Minas e Energia), além do assessor especial para Assuntos Interncionais, Marco Aurélio Garcia.

Ao final, foi emitida uma nota condenando o processo de impeachment de Lugo no Paraguai. Porém, o governo brasileiro esclarece que não pretende impor sanções nem restrições ao país vizinho. Nas ruas de Asssunção, capital paraguaia, os paraguaios temem por eventuais medidas do Brasil contra o país.

Da Ag. Brasil

Síria: perigo de guerra civil aumenta após massacre de Houla

O correspondente da BBC Paul Wood, que passou as últimas três semanas na Síria, sem se identificar como repórter, diz que a ameaça de guerra civil está aumentando no país. “Deus irá se vingar por nós” é uma declaração ouvida com frequência em vilarejos sunitas nos arredores de Homs, entre pessoas que se sentem enfraquecidas, desesperadas e amargas. A situação ainda não se tornou uma guerra entre vizinhos e vilarejos ou da maioria sunita contra a minoria governante alauíta e seus aliados xiitas e cristãos, mas as perdas em diversas comunidades podem fazer com que isso aconteça.

O massacre de Houla foi diferente em escala – mas não em natureza – do que tem acontecido nesta região da Síria durante todo o ano. O padrão: o exército bombardeia uma área controlada pelos rebeldes e, em seguida, o grupo paramilitar alauíta “shabiha” chega ao local, cortando gargantas.

Quando começamos a ouvir histórias de pessoas sendo “abatidas como ovelhas” – há muitos meses – elas pareciam fruto de histeria e depois seriam consideradas como propaganda da oposição. Mas há muitos corpos com essas marcas e muitas testemunhas oculares desses crimes.

No último mês de março, eu falei com um homem que descreveu o momento em que se escondeu em um campo e assistiu membros de sua família serem mortos. Os soldados e a shabiha os prenderem no chão, com botas em suas costas e facas em suas gargantas. Houla foi terrível, mas não foi a única.

Linhas de batalha
Frequentemente, quando uma área sunita é atacada, os shabiha vêm dos vilarejos xiitas e alauítas. Ativistas pró-democracia acusam o regime de recrutar esquadões de morte como esse para alimentar o ódio sectário. Dessa maneira, dizem, as minorias que agora apoiam o presidente Bashar Al-Assad irão temer que o mesmo aconteça com eles caso o abandonem. Mas também há vingança dos sunitas. Membros das shabiha capturados são executados pelos insurgentes armados do Exército Livre Sírio. Eu fui informado disso diversas vezes por combatentes rebeldes.

Mas ainda não é o caso de vilarejos inteiros sendo massacrados simplesmente porque pertencem a um grupo. E as linhas de batalha ainda não são puramente sectárias. Do lado do governo ainda há muitos membros sunitas do Exército, a maioria. Na shabiha também há sunitas. Do lado rebelde também há alguns cristãos e alauítas. O risco de eventos como o que aconteceu em Houla farão com que as pessoas se retraiam ainda mais em suas próprias comunidades. O regime já retrata o levante popular como a voz de uma classe baixa sunita.

Reclamações

Paul Wood na Síria em fevereiro. | Foto: BBC

Om Omer, uma refugiada e mãe de seis filhos, falou para mim sobre as queixas sunitas quando a encontrei deixando Homs. Ela se perguntava o que havia acontecido com seu marido, mas assumiu que ele foi morto pela shabiha. Ela contou também como era sua vida antes do levante.

“Meu marido é um trabalhador. Se ele trabalhava, nós comíamos. Se ele não trabalhava, passávamos fome. Já lutávamos uma guerra com a vida, antes da guerra com Bashar Al-Assad. O grupo deles (os alauítas) está satisfeito. O nosso (os sunitas) está faminto.”

É este sentimento – tanto quanto ideais sobre a democracia – que sustenta o apoio ao Exército Livre Sírio. Em todos os lugares onde fui, na última viagem à Síria, ouvi reclamações contra a minoria alauíta. O risco é que toda a comunidade alauíta seja punida pelos pecados do regime.

Diversos voluntários do exército rebelde me disseram que estão lutando por uma democracia secular e aberta. Mas outros disseram que querem matar alauítas e xiitas. “Só aqueles que têm sangue nas mãos”, dizem outros.

o grupo está se mantendo por pouco, sob a enorme pressão das forças do governo. Combatentes estão vendendo sua mobília para comprar balas. Mas os sunitas são a imensa maioria na Síria. Se o conflito se tornar simplesmente sectário, a vantagem em números estaria com os rebeldes.

Ainda não estamos nesse ponto, mas a atmosfera é mais ameaçadora do que jamais foi. Em minhas muitas visitas à Síria e à região de Homs nos últimos oito meses, os sunitas que participam do levante popular negavam que um banho de sangue sectário algum dia aconteceria na Síria. “Isto é o Iraque, não nós”, as pessoas me diziam. “Não há tradição disso aqui.” Mas na última viagem eu conheci um ativista que também dizia isso, mas não diz mais. “A guerra civil começou. No futuro, olharemos para o momento de hoje e diremos que foi aqui que começou.”

Da BBC Brasil

MST luta por área onde militantes contra a ditadura eram incinerados

“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano. A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.” (Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS)

“A título de sugestão, optando pela retirada forçada, deve-se agir sem aviso prévio, compartimentada, mais cedo possível, despejando-se imediatamente, com o mínimo de diálogo, todos aqueles que estiverem nas construções, bem como os seus pertences, prendendo se necessário e na seqüência, destruir as casas.” (Adriano Dias Teixeira Amorim do Vale – Delegado Federal – Dezembro de 2005)

Em 1997, a área no município de Campos dos Goytacazes (RJ) onde as usinas de açúcar Cambahyba, Santa Maria, Carapebus e Quissamã se localizam, composta por sete fazendas que totalizam 3500 hectares, foi considerada improdutiva. Mas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com exceção de uma área de 550 hectares – que deu origem ao assentamento Via Lopes -, até hoje não foi capaz de realizar as desapropriações em toda a área, pois o Poder Judiciário acatou liminares dos proprietários.

Para Fernando Moura, da coordenação do MST, “essa morosidade revela o poder dos fazendeiros. Vale lembrar que as áreas têm dívidas grandes com a União, além do fato de ter sido encontrado trabalhadores em condições análogas à escravidão na região”.

Violência interminável

Um fato até então desconhecido sobre a usina de Cambahyba chocou a sociedade brasileira. A usina foi palco, no período da Ditadura Militar, de um crime bárbaro. O ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Cláudio Guerra, conta no livro Memórias de uma Guerra Suja que a usina de Cambahyba foi usada pelos militares para incinerar corpos de militantes de esquerda que haviam sido mortos devido às torturas praticadas pelo regime em órgãos como o próprio DOPS. Guerra conta que ele mesmo incinerou dez corpos, dentre os quais estavam os de David Capistrano, João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

“Em determinado momento da guerra contra os adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes”, relata Guerra.

A solução encontrada foi utilizar os fornos da usina e queimar os corpos, de forma a não deixar vestígios. A usina, à época, era propriedade do ex-vice-governador do estado do Rio, Heli Ribeiro, que topou o acordo, pois ele “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil”. Além disso, o regime militar oferecia armas a Heli para que ele combatesse os sem terra da região.

Passados décadas desse trágico episódio, a violência na região de Cambahyba continua. Em 2006, o acampamento Oziel Alves, que abrigava 150 famílias sem terra há mais de seis anos, foi destruído em uma operação pelas polícias militar e federal, com aval da Justiça do Estado e acompanhados do dono usina, Cristóvão Lisandro.

Não houve diálogo nem negociação com a população, que além de habitar a área, produzia hortifrutigranjeiros e gado de leite: as pessoas foram retiradas à força de seus lares, sem poder salvar seus pertences. As estradas próximas ao acampamento foram trancadas, o que impediu que a imprensa pudesse cobrir os fatos quando a operação começou – ela só teve acesso ao acampamento cinco horas após o início da operação policial -, e os policiais entraram nas casas sem apresentar ordem judicial, destruindo pertences dos moradores.

Os Sem Terra que tentaram negociar foram presos, agredidos física e moralmente, e só saíram da delegacia após assinarem declaração de que portavam “armas brancas”, que eram na verdade as ferramentas de trabalho dos produtores. Após a revista nas casas pelos policiais, elas foram derrubadas por máquinas, deixando os moradores sem qualquer amparo.

Desapropriação

Francisco conta que, desde outubro do ano passado, a decisão de desapropriar as áreas está na 2ª Vara de Justiça do Estado. O MST pretende pressionar para que a decisão seja favorável à Reforma Agrária. Segundo Francisco, após saber do passado trágico da usina, diz que “a violência da Ditadura e do latifúndio tem uma relação grande. Agora, a luta se intensifica, para tornar esta terra produtiva com a Reforma Agrária e denunciar a postura de um Judiciário que favorece os proprietários”.

Matéria publicada no Correio do Brasil, por José Coutinho Júnior, jornalista.

Tortura: leilão de ferramentas é suspenso na França após polêmica

Um leilão de objetos de tortura que deveria ocorrer na terça-feira em Paris, foi suspenso após uma grande polêmica no país e por protestos de organizações de direitos humanos. Em um comunicado conjunto, organizações não-governamentais como a Anistia Internacional afirmaram ser ”chocante e inaceitável” que instrumentos utilizados para torturar e executar pessoas possam ter fins comerciais. ”Diante da emoção suscitada por essa venda, decidimos suspendê-la para que todas as partes envolvidas possam examinar com calma o conteúdo real dessa coleção”, afirmou o leiloeiro Bertrand Cornette de Saint Cyr.

A venda, intitulada ”Penas e castigos do passado”, reunía 350 objetos e documentos ligados à tortura de prisioneiros e à aplicação de penas capitais na Europa ao longo dos séculos. Entre eles, um aparelho para esmagar as mãos, uma banheira para recolher cabeças decapitadas, máscaras usadas por carrascos para esconder o rosto durante a execução do condenado e uma cadeira com assento repleto de pontas espetadas.

A coleção, estimada em 200 mil euros, também tinha um chicote encontrado na Torre de Londres (que funcionou como uma prisão até o século 12) ou ainda uma corda de enforcamento ”autografada” pelo carrasco britânico Syd Dernley, que atuou nos anos 50 e morreu em 1994.

Pêra da angústia
A venda incluía ainda uma ”pera da angústia”, como era chamado o instrumento colocado na boca e que ia aumentando de volume para sufocar os gritos dos prisioneiros que podiam ”incomodar” os juízes dos tribunais da Inquisição.

Instrumento de tortura conhecido como 'pera da angústia ' (Cornette de Saint Cyr)

A ”pera da angústia” também era usada nas partes genitais de homossexuais ou de mulheres suspeitas de ter relações com o ”diabo” na Idade Média. O proprietário da coleção posta à venda também foi motivo de polêmica na França. Os objetos e documentos pertenciam ao ex-carrasco francês Fernand Meyssonnier, que realizou, sob ordens do governo da França, quase 200 execuções na Argélia entre 1957 e 1962, no período da guerra de independência do país.

O leilão, que não continha nenhum objeto da guerra civil da Argélia, havia sido organizado a pedido da família do ex-carrasco, falecido em 2008. O ministro da Cultura, Frédéric Mitterand, também havia criticado a venda e expressado o desejo de que ela fosse cancelada.

Morbidez e barbaridade
”A natureza da coleção se enquadra mais na categoria de morbidez e barbaridade do que cultural. Ela também provoca, em razão de sua origem, dolorosos questionamentos históricos”, declarou o ministro.

Máscara de carrasco que integrava mostra (Cornette de Saint Cyr) Em um comunicado conjunto, organizações de direitos humanos afirmaram que a venda é ”uma ofensa à memória e à dignidade das pessoas que sofreram torturas”.

”Em vários países, o uso da tortura ainda é uma prática comum. Aceitar a venda desses objetos significa banalizar o flagelo”, diz o comunicado das ONGs, que pediram ao governo francês para que a coleção seja adquirida por museus.

Antes mesmo do início previsto da venda, o leiloeiro já havia decidido, na semana passada, retirar da coleção a réplica de uma guilhotina, afirmando que ainda existe um ”contexto emocional” na França em relação ao objeto.

Da BBC

 

Ditadura Militar: novo movimento inicia ações contra acusados de torturas

Às vésperas de mais um aniversário do golpe de Estado que mergulhou o Brasil em uma ditadura militar de 20 anos, um novo movimento chega às ruas do país, nesta segunda-feira, com o objetivo de promover a denúncia dos acusados de cometer tortura contra prisioneiros políticos durante o período ditatorial. O Levante Popular da Juventude (LPJ) realizou, nesta manhã, em várias capitais brasileiras, “ações simultâneas de denúncia de diversos torturadores, que continuam impunes”, afirma o manifesto liberado junto com o ato político.

Os ativistas apoiam a Comissão da Verdade e exigem a apuração e a punição sobre os crimes cometidos pela ditadura militar. O caráter das ações, conhecida como “escracho”, baseia-se em ações similares as que acontecem na Argentina e no Chile, em que jovens fazem atos de denuncias e revelações dos torturadores que continuam soltos e sem julgamento sobre suas ações durante a ditadura militar.

Em Belo Horizonte, às 6h da manhã, cerca de 70 pessoas realizaram um “escracho” em frente a casa do acusado Ariovaldo da Hora e Silva, no bairro da Graça, uma área residencial da capital mineira. A manifestação contou com faixas, cartazes e tambores, além da distribuição de cópias de documentos oficiais do DOPS, contendo relatos das sessões de tortura com a participação do acusado, “para conscientizar a população vizinha ao criminoso”, disse um porta-voz do movimento. Os vizinhos se mostraram surpresos com o fato do Ariovaldo ter sido torturador do Regime Militar.

– Não sabia que o Seu Ari era um torturador. Tenho na família um caso de perseguido pela ditadura e vou divulgar isso – afirmou um morador da região.

O denunciado permaneceu em casa ouvindo e assistindo a manifestação, tendo aparecido na janela por alguns segundos.

Quem é quem

Ariovaldo da Hora e Silva foi investigador da Polícia Federal, lotado na Delegacia de Vigilância Social como escrivão. Delegado da Polícia Civil durante a ditadura, exerceu atividades no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) entre 1969 e 1971, em Minas Gerais. O nome de Ariovaldo da Hora e Silva consta na obra Brasil Nunca Mais (Projeto A), acusado de envolvimento com a morte de João Lucas Alves e de ter praticado tortura contra presos políticos.

“Foram vítimas dele Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo Sérgio Menezes Macedo, entre outros. Na primeira comissão constituída para tratar do recolhimento dos documentos do DOPS ao Arquivo Público Mineiro (APM), em 1991, ele foi designado para representar a Secretaria da Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (SESP). Em 1998, foi Coordenador de Informações da Coordenação Geral de Segurança (COSEG)”, relata o texto distribuído nesta manhã.

Já o Levante Popular da Juventude é um “movimento social organizado por jovens que visa contribuir para a criação de um projeto popular para o Brasil, construído pelo povo e para o povo”, acrescenta o texto. O LPJ, segundo seus ativistas, não é ligado a partidos políticos: “Com caráter nacional, tem atuação em todos os Estados do país, no meio urbano e no campo. Se propõe a articular jovens, militantes de outros movimentos ou não, interessados em discutir as questões sociais e colaborar para a organização popular. Tem como objetivo propiciar que a juventude tome consciência da sua história e da realidade à sua volta para transformá-la”.

Um dos propósitos do LPJ é o de organizar a juventude para fazer denúncias à sociedade, por meio de ações de Agitação e Propaganda. “Não há bandeiras previamente definidas. A luta política se dá pelas pautas escolhidas pelos próprios militantes, que realizam atividades de estudo e debates, sistematicamente, por todo o país”, continuou.

Manifesto

Os rebelados do Levante também divulgaram, logo após as ações desta manhã, um manifesto no qual situam o objetivo da luta iniciada com o ‘escracho’ ao acusado de torturar presos políticos no país. Leia, na íntegra o Manifesto Levante Contra Tortura:

Mas ninguém se rendeu ao sono.
Todos sabem (e isso nos deixa vivos):
a noite que abriga os carrascos,
abriga também os rebelados.
Em algum lugar, não sei onde,
numa casa de subúrbios,
no porão de alguma fábrica
se traçam planos de revolta.

Pedro Tierra

Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do nosso país. Lembramos da parte talvez mais sombria da história do Brasil, e que parece ser
propositadamente esquecida: a Ditadura Militar. Um período onde jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.

Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem quer que seja. A história dos que foram assassinados e torturados porque acreditavam ser possível construir uma sociedade mais justa é também a nossa história. Nós somos seu povo. A mesma força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a juventude negra e pobre. Não aceitamos que nos torturem, que nos silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não esqueceremos de toda a barbárie cometida.

Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é necessário expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e não temos medo de denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e sofrimento.

Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos.

Pela memória, verdade e justiça!

Levante Popular da Juventude

Do Correio do Brasil

Justiça do Pará rejeita ação contra major Curió

O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá (PA), rejeitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o major Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Curió.

A denúncia era de crime de sequestro qualificado contra cinco militantes capturados durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970, desaparecidos até hoje.

Segundo a Justiça Federal do Pará, o magistrado baseou-se na Lei da Anistia, de 1979. O MPF entende que a lei não se aplica no caso, porque os militantes continuam desaparecidos, ou seja, o crime não prescreveu.

O juiz afirma que o MPF não faz referência “a documento ou elemento concreto” que pudesse dar suporte à “genérica alegação” de que os desaparecidos teriam sido sequestrados, e assim permaneceriam até hoje.

Para ele, o fato de os corpos não terem sido localizados não basta para configurar o crime de sequestro.

Rede Brasil Atual