“Nhá Chica, PEC das Domésticas e Direitos dos Trabalhadores”, artigo do mestre Eduardo Guerini

guerini-professorOutro grande pensador e articulista vez por outra também passa pelo Blog Palavra Livre, o professor Eduardo Guerini. Ele não perdoa as entrelinhas das pecs, anúncios ufanistas, e bota o dedo na ferida. Confira mais um texto ácido logo abaixo, fique com “Nhá Chica, PEC das Domésticas e Direitos dos Trabalhadores:

“Para comemorar a igualdade das moreninhas claras, joviais, dengosas e encantadoras serviçais que serão despachadas para as empresas “prestadoras de serviços” com aviltamento de suas condições laborais.

Na sociedade brasileira,a saudação de direitos conquistados por lutas históricas de trabalhadores e trabalhadoras que vivem na “invisibilidade” sempre é fruto de júbilo de todos os atores envolvidos.  Recentemente, as empregadas domésticas (empregados domésticos são minoria) tiverem seus direitos reconhecidos, uma conquista, sem dúvida.  Na maioria de lares mais abastados das famílias e indivíduos com renda superior a média nacional, encontramos tais trabalhadoras e trabalhadores, algo incomum para maioria da população brasileira, visível em maior grau, nas telenovelas brasileiras.

A louvação do proselitismo de nossos lideres políticos,divulgada em cadeia de rádio e televisão, sorridente propalada pelo presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros (carregando o pesado fardo a ilegitimidade de seus atos legislativos no ambiente que preside),se trata novamente de inverter a lógica dos fatos e seus atos.

A promulgação da lei em si, não garante um avanço, mas a reafirmação de condições trabalhistas rudimentares, considerando que a maioria das garantias trabalhistas dependerá de promulgação a posteriori. Não sejamos inocentes, a maioria das domésticas será colocada na condição de informal, se transformando na diarista de plantão, e,em condições muito específicas serão empurradas para as famigeradas empresas prestadoras de serviços, que são costumeiras frequentadoras dos tribunais do trabalho (em minúsculo), dada a insignificante capacidade de julgar com celeridade tais ações de descumprimento dos direitos trabalhistas.

Em comemoração ao dia de luta dos trabalhadores, as centrais sindicais brasileiras, promovem shows musicais e distribuição de prêmios,fruto da arrecadação de uma contribuição rotineira- a chamada“contribuição sindical”, mecanismo compulsório para manter um “casta” de abastados sindicalistas que se empanturram em viagens e congressos inócuos, locais onde menos se debate as condições miseráveis dos trabalhadores brasileiros. Em que pese todas as considerações de “transparência” e “democracia”, passamos anos contribuindo compulsoriamente sem receber uma “prestação de contas” dos recursos arrecadados, distribuídos e aplicados em prol da “classe trabalhadora”.

A nova classe reconhecida será uma contribuinte potencial, daí a alegria dos sindicalistas,políticos pragmáticos e oportunistas da política nacional.  O resultado prático na esteira econômica da desigual sociedade brasileira será a destinação das mulheres domésticas,negras em sua maioria,com escolaridade mínima,a condição de trabalhadora precária. Um direito conquistado com reafirmação marcante de uma hipócrita nação –mulheres, negras e pobres.

Na luta pela sobrevivência, neste dia do trabalho de 2013, na piedosa leitura da beatificação de Nhá Chica, não resta alternativa, senão registrar a necessidade de rezar pela cura mística de nossas elites bondosas e premonição demoníaca para que as centrais sindicais tenham algum laivo de indignação.

Diante de nossa histórica condição de trabalhadores aviltados diariamente nos direitos sociais elementares, pacificado pela lógica das comemorações dos “desembargadores do trabalho” em suas salas amplas e condicionadas, mentalizo a reza de Nhá Chica ”Sou apenas uma pobre analfabeta, mas rezo com fé, peço a Deus e Ele me atende pelos méritos de sua Mãe Santíssima.“

Na falta de lideranças sindicais atuantes, com justiça trabalhista leniente e morosa , peço a beata  que rogue por nós…”

* * Eduardo Guerini é  professor de ciência política da Univali desde 2000. Cursou mestrado em gestão de políticas públicas e sociologia política. Atualmente orienta pesquisas nas áreas da Dinâmica Institucional de Políticas Públicas, Criptoeconomia, Sociologia do Crime, Economia Política da Corrupção e Corrupção Institucional. Atento observador da cena política.

Crônica de Eduardo Guerini: “A marcha dos miseráveis e a revoada dos pardais”

O mestre e professor Eduardo Guerini, amigo e colaborador deste Blog, manda mais uma de suas várias contribuições sobre política e afins. Em “A marcha dos miseráveis e a revoada dos pardais”, uma crítica sobre nossos líderes políticos eleitos em 2012 e já chorando por algo que conheciam… Com vocês as ácidas palavras de Guerini:

“Toda marcha política tem um conteúdo por trás de seu enredo imagético. A associação de cidadãos e representantes em levantes contra o atual estado de coisas produz resultados alvissareiros.

É recorrente na republiqueta que vivemos, principalmente depois da promulgação da “Constituição Cidadã de 1988” que Estado e Municípios deveriam ser valorizados, porque é o local onde verdadeiramente as pessoas necessitam dos serviços essenciais para melhoria das condições de vida , seja, educação , saúde, segurança , saneamento , transporte , etc…

Na reta final das campanhas políticas em 2012, em Santa Catarina e no Brasil, as festejadas vitórias se transformaram no muro das lamentações dos gestores guindados ao posto de mandatário municipal, assim como, a civilizada transição entre os dirigentes políticos ficou obscurecida pela ausência de transparência nos finanças dos municípios.

Embora o regime democrático, sistema basilar da soberania dita popular, careça de algumas adaptações no caso tupiniquim, em virtude da ausência efetiva na participação política, na mobilização dos cidadãos para requisitar seus direitos inscritos na “Constituição de 1988”, todos limitados pela desigualdade material e social, o que faz o percurso da cidadania ser “longo e tortuoso”.

Se as campanhas tracejaram um desenho das futuras administrações municipais – carentes de projetos , programas e planos. Os atuais prefeitos omitiram o que de mais valioso seria para o debate político em torno do tal “pacto federativo”, que nas entrelinhas da imprensa nacional e local se cotejava, uma queda nos repasses constitucionais , com singelas siglas – FPE, FPM, resultantes das políticas anticíclicas que produziram o tal do PIBinho em 2012.

Em síntese, os municípios e Estados brasileiros passam por uma crise fiscal sem precedentes com uma inflação de responsabilidades , tarefa de Sísifo, dada que nossos candidatos eleitos tentaram enganar eleitores e financiadores de suas campanhas. Duro castigo para o modelo político brasileiro corrompido.

A Marcha dos Prefeitos, no início de 2013 é cabalística , mágica nas expectativas e parca nas realizações. Como se trata de um enredo orquestrado pelos bastidores palacianos, torrando alguns milhares de reais , para auto promoção de algumas lideranças ministeriais , em conluio para o deflagrado pleito antecipado de 2014, os municípios terão contas maiores a pagar.

Nossos míseros mandatários municipais, assessorados por secretários desconsolados e assessores técnicos bem intencionados, garantirão um praça cheia para preencher mais uma capa de jornal , ou, na melhor das hipóteses, conseguir uma foto com alguma autoridade temporária no olimpo ministerial .

Afinal, uma imagem no gabinete municipal com autoridades federais , sempre dão lustrosa legitimidade política e importância que ultrapassa a esquadrejada moldura. Como toda “marcha ou passeata política” deve produzir algum resultado, nossos audaciosos arquitetos políticos da institucionalidade brasileira planaltina, tratarão de divulgar “programas federais para os municípios” , que acabo de receber em mensagem eletrônica sem necessidade de deslocamento algum.

Nossos fabulosos prefeitos que iniciam seu “choque de gestão”, conheceram os bastidores da Capital Federal, seus ministros e ministérios, e, principalmente, quais são os verdadeiros operadores de milagres – que dão fluidez aos seus projetos na planície – os lobistas, sejam, deputados , senadores ou assessores de gabinete.

A tão procelosa democracia brasileira ultrapassou sua juventude, caminha para maturidade, sofre cotidianamente de degenerações , corrupções , em todos os níveis na “nobreza de palpites” que habita todos os corredores republicanos. Um dia nossos míseros mandatários municipais, nas rotineiras “Marchas Políticas” se metem em especulações felizes e enriquecem, como diria Lima Barreto (1922).

De fato, na atual conjuntura, a queda nas expectativas econômicas, a surpresa com orçamentos municipais inflados nas previsões e vazios nas provisões, as diagnoses municipais percebendo uma queda nos repasses constitucionais, orientaram a bússola financeira dos nossos miseráveis prefeitos para o Planalto Central, ávido por novos apoiadores em seus projetos de mantença do poder incumbente de plantão.

O resultado já havia sido diagnosticado em 1848, em Recife, na Revolta Praieira por um general do império “ República, no Brasil, e desgraça completa é a mesma coisa.” Geralmente, nas marchas de multidões, uma gama de ambulantes se concentra para ganhar algum níquel, entre uma e outra manifestação restam pequenos pedaços de alimentos, algum grão ou migalhas, uma revoada de pardais chega para saborear sem ser importunada.

Ah, pobres pardais domésticos!!! Aves cosmopolitas que se contentam com migalhas, se reproduzem facilmente, tal como outra espécie….”

* Eduardo Guerini é  professor de ciência política da Univali desde 2000. Cursou mestrado em gestão de políticas públicas e sociologia política. Atualmente orienta pesquisas nas áreas da Dinâmica Institucional de Políticas Públicas, Criptoeconomia, Sociologia do Crime, Economia Política da Corrupção e Corrupção Institucional. Atento observador da cena política.

Artigo: “A farsa da indústria dos atestados médicos – em se plantando, tudo dá!!!”, de Eduardo Guerini

Guerini vai colaborar periódicamente com seus artigos aqui no Palavra Livre

Com a anuência e generosidade do cientista político, professor universitário e mestre em Gestão Pública e Sociologia Política, Eduardo Guerini, reproduzo aqui seu artigo em que aborda o tema dos atestados médicos que afastam trabalhadores de suas funções, base de matérias na imprensa regional catarinense.

Guerini, sempre afiado, critica a mídia e propõe o pensar sobre a saúde dos trabalhadores catarinenses. A ele o meu agradecimento especial pela participação aqui no Blog, que deverá ser periódica. Com vocês o pensamento de Eduardo Guerini, confiram:

Nossos atarefados jornalistas da mídia provinciana se apressam em conclusões grotescas sobre  uma tal “indústria de atestados médicos” que assola o combalido Estado catarinense.  E assim,a reportagem  “esquartejada” em bifes insonsos começa a  traçar uma estratégia pueril de atacar novamente os setores mais  atingidos pelas reformas estruturais nas condições de trabalho :  Educação ,  Saúde e Segurança Pública.

Em proporções se apresenta uma série de dados, sem a devida análise – coerente e temporal, demonstrando uma vez mais, que estatística não tem sido uma matéria  apreendida pelos  nossos  novatos jornalistas.  Eis que ,  a  proporção de atestados  apontado como exagerada  no Estado catarinense em 2012, atinge  13,2%  do total de servidores (75 mil servidores ativos),  e,  nosso INSS,  apresenta uma proporção  de apenas 3,97% do total de  trabalhadores inscritos, em 2011, não considerando que o sistema de perícias  de tal instituto  é  marcadamente  merecedor do título de “calvário que leva a morte por exaustão”, visto que   a política é impedir a qualquer custo o  afastamento – para conter uma das pernas do “rombo previdenciário”.

Na edição do DC , de  13 de janeiro de 2013, surge  a  empulhação midiática, quando  em números absolutos são apresentados os dados da FIESC, de 2010,  apontando um total de  afastamentos na ordem de 12,6 mil empregados do total de 734 mil trabalhadores – o que  perfaz  a proporção de apenas 1,71 % aproximadamente.  A pergunta que fica: qual a comparação possível entre ramos tão distintos???

Os estudos  de grande envergadura sobre as condições de trabalho  da maioria das categorias que  estão envolvidas com  o trabalho social,   apontam para  um ritmo imposto pela tecnologia,  formas de precarização,  sobrecarga de atividades que produzem uma gama de trabalhadores “estressados” que se sentem incapazes  de enfrentar determinadas situações  no ambiente de trabalho.

O termo cansaço físico – usual para indústria, passou a ser  “cansaço físico-mental” na economia high tech. O ritmo do processo de trabalho acelerado para além dos limites  de suporte do organismo humano,  geram  um aprofundamento  das relações de sofrimento e emprego.

O esgotamento profissional que atinge os profissionais da Educação,Saúde e Segurança  Pública no Estado catarinense  não tem nada  com a chamada “Síndrome de Burnout” ou “ Síndrome de Bororo”, que nossa  ansiosa mídia provinciana  tende a escamotear. Em nenhum momento,as questões sobre uma política de “Gestão de Pessoas”,  de melhoria das condições de trabalho  ou remuneração  foram tocadas, mesmo que marginalmente.

Algumas dúvidas sobressaem da atenciosa matéria sobre a“indústria dos atestados médicos” que supostamente assola  o serviço público estadual catarinense :

a)  Tal situação não foi criada por uma gerência política orquestrada pelas forças políticas  que  conduzem os setores estratégicos do Estado ?

b) Seriam estes capatazes da “coisa pública” e seus “interesses privados” os principais  mentores em divulgar tal situação para justificar  uma vez mais  a  pecha  de “funcionários do Estado” como absenteístas  e responsabilizá-los pela decadência educacional estatal, caos na saúde pública e (in) segurança pública?

c) Seria proposital o adoecimento dos trabalhadores da Educação, Saúde e Segurança Pública, a ponto de se intitular em outra matéria como “epidemia”?

Em resumo,  a sequência de reportagens atribui exclusivamente ao miserável trabalhador,  que em condições precárias, com salários aviltantes e gestores politicamente indicados, esconde a verdadeira  “epidemia” que assola a administração  pública – somos conduzidos por gestores inaptos e ineptos, em situação politicamente desviante.

Assim,nossa mídia monopólica  e provinciana , segue o fatídico histórico desenhado nos primórdios de nossa colonização:  “Em se plantando , tudo dá….”