O II Encontro Catarinense de Escritores, promovido pela Associação Confraria das Letras nos dias 14 e 15 de novembro no salão da comunidade da faculdade Bom Jesus/Ielusc em Joinville (SC), reuniu cerca de 140 participantes entre escritores, professores, acadêmicos.
Com essa significativa presença de público, e a presença de palestrantes do quilate de Paulo Markun, Carlos Henrique Schroeder, José Fernandes e Celestino Sachet, o evento se consolida como um dos principais na literatura catarinense. Para 2015 já há data agendada para o III Encontro: 13 e 14 de novembro em local a ser definido no início do ano que vem.
Para o presidente da Associação Confraria das Letras, David Gonçalves, o sucesso se deve ao engajamento dos escritores em uma causa comum, e de forma coletiva.
“Nossa entidade tem apenas dois anos, mas com 50 associados, união, talentos e organização, já conseguimos publicar seis mini antologias (Letras da Confraria), um livro (Saganossa), e realizar dois eventos de porte, com poucos recursos e muita criatividade. Creio que cada vez mais vamos fazer do Encontro um evento grandioso para a literatura”, afirma David.
Durante o evento houve sorteios de livros dos palestrantes e escritores que doaram obras, apresentações culturais, musicais que animaram os participantes.
As associações e academias de literatura que se inscreveram puderam apresentar seus trabalhos. Um espaço para divulgação e venda das obras dos escritores da Associação e de outras entidades literárias foi oferecido, e as vendas chegaram foram significativas.
Para 2015 os planos são trazer novamente nomes de peso da literatura, talvez até do exterior, promover oficinas, e oferecer temas voltados aos jovens, professores e contadores de histórias, além de buscar patrocínios e patrocinadores que garantam recursos financeiros para o projeto. “Vamos surpreender novamente no III Encontro”, ressalta o presidente da Associação Confraria das Letras, David Gonçalves.
O evento, abertura com Paulo Markun
Na primeira noite do evento (sexta, 14) a palestra com o escritor e jornalista Paulo Markun foi o destaque. Markun tem 14 livros publicados, todos de não ficção. Paulo participou de forma intensa do período da ditadura militar e também da campanha das “Diretas Já”, juntamente com o também jornalista Vladimir Herzog.
Markun deu início à palestra “Mídia e Literatura” ilustrando sua fala com a história bíblica de Adão e Eva, como seria vista pela mídia. Ele destacou todos os passos de uma reunião de pauta, entre decidir se é interessante para o público e para o veículo, se irão ouvir o casal e também dar voz a serpente e questionar-se quem seria o assessor de imprensa de Deus. “Depende muito dessas assessorias de imprensa que fazem com que determinadas pessoas se tornem notícia ou não”, afirmou.
O jornalista também fez relação entre a mídia e o poder no Brasil, já que nos inventários seiscentistas não havia nenhum livro, e na época da inconfidência mineira, os livreiros eram presos.
“O primeiro jornal que começou a ter moldes do que conhecemos hoje foi o ‘Gazeta do Rio de Janeiro, criado após a vinda da família real ao Brasil, entretanto, três meses antes havia o ‘Correio Braziliense’, que parecia mais um livro mensal com 140 páginas”, comenta ainda que oficialmente, o primeiro jornal informativo foi o “Diário do Rio de Janeiro”, em 1821. Ao final Paulo Markun autografou suas obras para uma extensa fila de admiradores.
Sábado intenso
O sábado começou com a palestra sobre “Literatura, Criação e Leitura”, com o escritor e doutor em literatura José Fernandes. Segundo ele, para se fazer literatura é preciso ter conhecimento do imaginário daqueles elementos que fazem parte da cultura.
“Quem escreve deve ser altamente hábil para introduzir no texto elementos para fixar o leitor e para que ele se sinta motivado para descobrir as coisas do texto”, relata Fernandes enfatizando a importância entre a relação entre escritor e leitor.
Ele embasou sua palestra em textos de Machado de Assis, como “Missa do Galo”. Fernandes declara que Machado consegue acrescentar no texto algumas coisas que muitos não conseguem identificar. O texto machadiano contém muitas peculiaridades conforme análise de José Fernandes.
“Tudo gira em torno do número três, seus ensaios sustentam a teoria simbolista”, relatou. Para o doutor em literatura, todo grande escritor é um grande estudioso, um grande leitor, além disso, não é possível escrever sem conhecimento.
Sachet sem papas na língua
Em seguida à José Fernandes, um descendente de italianos que não tem medo de falar o que pensa, o escritor e doutor em literatura Celestino Sachet falou sobre “Literatura Catarinense e Contemporânea – Estruturas e Temática”.
Celestino disse que sempre gostou de pesquisar sobre a literatura catarinense por prazer. “A literatura catarinense teve seu destaque maior agora na primeira década deste século, não há um motivo específico. Entretanto em minha opinião, a internet foi peça chave para tudo isso”, ressalta.
Sachet coloca que a sociedade não vai permitir que se mate a cultura. Ele ainda afirmou que esse consumo vai continuar, mas talvez diminua, pois as pessoas precisam se informar, já que mesmo na “maquininha” (celular) você está se informando.
“Apesar de que eu discuta a validade dessa informação, é informação, temos que ser otimistas, o mundo vai ser melhor”, declara. Segundo Celestino, o livro não vende porque não está na livraria.
“É um ciclo, por isso é importante esses eventos, ao menos para mostrar o livro, conversar e trocar experiências”, afirma. Ele conta que foi a um lançamento em Florianópolis de livro de uma pessoa de Blumenau, o autor vendeu apenas cinco exemplares.
“Mesmo o Paulo Coelho que é nome consolidado de vendas, não consegue se manter entre os mais vendidos atualmente, o que vende hoje em dia é livro de autor americano”, declara lamentando a preferência de livrarias catarinenses sobre os autores americanos.
Schroeder polemiza, painel debate capacitação professores
A tarde de sábado (15) foi aberta pela palestra do escritor e editor Carlos Henrique Schroeder. Ele analisou as dificuldades e acessibilidades do mercado editorial catarinense e brasileiro. Schroeder afirma que as livrarias precisam se reinventar para conquistar os novos públicos. “O livro foi praticamente expulso do mercado, as feiras do livro ocupam a função que são das bibliotecas”, destacou.
Schroeder diz que muitos escritores “ingeriram e regurgitaram” e se construíram em cima de Machado de Assis, e ressalta a importância dos escritores locais para a criação da biodiversidade literária.
“Não podemos repelir os escritores catarinenses, além disso, a dificuldade das livrarias se reinventarem é muito grande”, enfatiza. Ele destaca que a literatura é uma linha do tempo.
“Temos que respeitar nossos pais, nossos escritores, não podemos dizer que não lemos isso ou aquilo”, diz ele que cita a importância dos autores catarinenses, como Cruz e Souza. “Os teus concorrentes não são as pessoas que são do teu estado, da tua região, mas sim os escritores de outros países que são renomados”, enfatizou o escritor.
Schroeder comenta também sobre o “atraso” da valorização das obras de autores catarinenses. “Não podemos esquecer dos nossos conterrâneos, não podemos valorizar só o que é do ‘eixão’ (Rio – São Paulo)”, apelou o escritor.
Finalizando as atividades do II Encontro, o painel “Como driblar as pedras na literatura contemporânea?” foi mediado pelo jornalista e escritor Salvador Neto tendo como painelistas o teatrólogo e escritor Jura Arruda, o doutor em literatura e escritor José Fernandes, o escritor e editor Carlos Henrique Schroeder e o escritor e presidente da Associação Confraria das Letras David Fernandes.
O teatrólogo Jura Arruda enfatiza baseado na fala do escritor Carlos Henrique Schroeder, que a “pedra no caminho” da literatura é o fator de distribuição.
“Ela é uma das maiores, por isso, é mais fácil de ver”, relatou. Schroeder mostrou a facilidade de livros chegarem às mãos das pessoas pelo celular. “Em menos de 10 minutos eu consigo no meu celular baixar e comprar um livro que nem foi lançado oficialmente nas livrarias, isso muitas vezes complica a venda dos livros para os autores”. Ele enfatizou que o preço do livro no Brasil ainda é muito alto, que dificulta o acesso de muitas pessoas.
O escritor David Gonçalves afirmou a importância de formarmos leitores desde quando as crianças aprendem a ler. “Se não fortalecemos isso lá, como queremos adultos leitores depois? O meio está mudando, o livro não”, comenta.
Todos os participantes concordaram sobre a necessidade de aperfeiçoar a capacitação dos professores, e Jura Arruda enfatizou o caso de uma professora que foi afastada da direção de uma escola em Joinville (SC) por estar incentivando à leitura e ensinando coisas positivas as crianças.
“Nunca recebi uma resposta se ela foi afastada para mostrar a rede municipal seu trabalho ou por algum outro motivo”, contou Arruda. Após o painel, para fechar o segundo dia de encontro dos escritores catarinenses, houve a apresentação de um sarau literário acompanhado pelo músico Ananias Almeida, onde os participantes puderam apresentar seus contos, poemas e outras produções literárias.
* Com informações da assessoria de imprensa do evento, este texto contou com a colaboração da acadêmica em jornalismo, Alexandra Flávia, que também registrou o evento com fotos. Ela é estudante de jornalismo do Bom Jesus/Ielusc.