O Equador está prestes a entrar no seleto grupo de países sul-americanos que recentemente democratizaram seus meios de comunicação. Nos últimos anos, apenas Argentina, Uruguai e Bolívia se mobilizaram para destinar ao menos 33% das frequências de rádio e tevê a organizações sociais sem fins lucrativos, que agora dividem a programação com meios públicos e privados.
Batizada como Lei Orgânica de Comunicação, Liberdade de Expressão e Acesso à Informação Pública, o texto equatoriano foi escrito, reescrito, discutido e rediscutido durante dois anos, e desde abril está pronto para ser votado pela Assembleia Nacional. Só não foi enviado ao plenário ainda porque o governo, que patrocina a lei, não conseguiu maioria absoluta para aprová-la. A oposição tampouco arrebanhou os votos necessários para rechaçá-la. A diferença é mínima: um deputado.
O Congresso equatoriano é unicameral – não existe Senado – e conta com 124 parlamentares. Os governistas possuem 62 votos garantidos. A bancada contrária ao projeto, 61. Um parlamentar deverá definir a sorte da lei, mas não do texto integral. Após negociações, surgiu a proposta de que a votação ocorresse artigo por artigo. A assembleia aceitou, e a matéria deve ser apreciada até o fim deste mês. Ou agosto. Ou setembro: depende de quem conseguir maioria primeiro. Tudo indica que o governo está na frente.
Histórico
A lei de comunicação não nasceu da cabeça do presidente Rafael Correa ou da bancada que seu partido, Alianza País, sustenta no Legislativo. Elaborá-la foi uma proposta da sociedade equatoriana, que, por sua vez, fez por onde escrevê-la na Constituição de 2008. De anseio popular, portanto, passou a ser uma obrigação do Legislativo, reforçada por um referendo que, em 2011, dirimiu qualquer dúvida sobre a vontade do povo em ver os deputados trabalhando num novo ordenamento jurídico sobre a radiodifusão nacional.
Em teoria, o Equador deveria ter aprovado uma lei de comunicação em 2009, um ano depois de aprovada a Carta Magna. Mas não foi possível – e por várias razões. A já citada correlação de forças partidárias dentro da Assembleia Nacional é uma delas. Outra, talvez a principal, é a complexidade política que envolve toda tentativa de legislar sobre o tema nos países latino-americanos, órfãos de pluralidade midiática.
“Existe uma enorme confrontação entre o governo nacional e os meios de comunicação privados”, explica Romel Jurado, assessor do deputado Mauro Andino, presidente da Comissão Temporária de Comunicação, que escreveu o projeto de lei. “O presidente da República diz que a grande mídia está submetida a interesses empresariais, que manipula a realidade a favor de seus próprios interesses e que, por isso, não cumpre sua função social. Já os meios de comunicação reafirmam sua independência, acusam o regime de querer roubar-lhes a voz e dizem que estamos vivendo sob um governo autoritário que não gosta da imprensa.”
É uma briga entre poderes titânicos, conclui Romel Jurado. Mas o atraso da lei também se deve a outros motivos mais nobres. “É a primeira vez que um país assume o desafio de regulamentar todos os direitos e deveres relacionados à comunicação, e não apenas aos serviços de rádio e televisão”, contextualiza o assessor. “O debate ficou complexo, não apenas em termos jurídicos, mas também conceituais: primeiro, tivemos de entender o que é comunicação para só depois esboçar um projeto.”
Rede Brasil Atual