Autorizações de trabalho infantil causam polêmica

Criança morando e trabalhando em lixão em Natal, Rio Grande do Norte. Foto: João Roberto Ripper

Nos últimos dois anos, o debate sobre a competência de juízes e as condições para autorização de trabalho de menores de 16 anos ganhou importância e passou a envolver diferentes agentes do sistema judicial. Hoje, o trabalho infantil institucionalizado preocupa tanto quanto o informal e muitas das autorizações concedidas por varas da Justiça Estadual provocam polêmica no Judiciário. “Já chegaram ao conhecimento público casos de autorização para trabalho em lixões, situação que obviamente, já à primeira vista, se revela nociva a criança e ao jovem”, conta o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes Corrêa.

Em 2011, foram registrados no cadastro de emprego formal da iniciativa privada brasileira 3.134 casos de crianças e jovens trabalhando com autorização prévia da Justiça. Na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do ano anterior, 2010, eram mais de sete mil. Segundo Luiz Henrique Ramos Lopes, coordenador da divisão de trabalho infantil do Ministério do Trabalho e emprego (MTE), a expressiva redução deve-se em parte ao trabalho de revisão e orientação no preenchimento do cadastro junto às empresas. “Notamos que havia mesmo muito erro por parte das empresas ao prestar informações, daí o número exagerado de autorizações em 2010”, explica.

A pobreza justifica?

Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, defendeu a ação de juízes que emitiram autorizações polêmicas. “Ninguém deseja o trabalho infantil, mas juízes e promotores trabalham com a realidade social e a realidade brasileira é que muitas famílias dependem do trabalho do menor”, ele disse então. Acesse a entrevista.

Segundo a legislação brasileira, qualquer forma de trabalho é proibida para crianças de até 14 anos. Jovens de 15 e 16 anos podem exercer atividade remunerada como aprendizes, em atividades com fins claros de profissionalização e sob a supervisão de uma institução de ensino daquele ofício. Para autorizar o trabalho de jovens fora do regime de aprendizagem, o principal argumento dos juízes tem sido as condições da família. “Se eu tivesse que decidir entre uma família perecer de fome [ou autorizar um menor de idade a trabalhar], não teria dúvidas”, disse o desembargador Nelson Calandra à Agência Brasil.

A autorização judicial para o trabalho de crianças e adolescentes está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – que é de 1943, conforme lembra Lélio Corrêa. “A CLT baseou-se no código de menores de 1927, que tinha uma concepção totalmente diferente da infância. Nele, as crianças em situação de rua eram tratadas como potenciais criminosos e o trabalho era visto como uma solução, não um problema. Já o grande avanço do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi ver a criança e adolescente como sujeitos de direito”, afirma o ministro Lélio.

Foram pouco mais de três mil autorizações judiciais, enquanto no mesmo ano de 2011 foram mais de dez mil as autuações por exploração de trabalho infantil na informalidade em todo o Brasil. Embora sejam menos os casos de trabalho infantil institucionalizado, a questão é considerada importante por explicitar como argumentos que contrariam o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda são acolhidos pela Justiça.

“Se há uma família que depende do salário de uma criança ou um adolescente para se sustentar, há um problema com a sociedade”, defende o ministro do TST. “Isso não pode servir de justificativa para autorização para trabalho – senão, estaríamos condenando essa família a repetir um ciclo de pobreza”. É trabalho do juiz, segundo ele, encaminhar as famílias nessas condições para as políticas de assistência social existentes no país e fazer a cobrança diretamente do gestor público.

Conflito de competências

Para o presidente do TST, embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconheça a competência das varas da Infância e da Adolescência para emitir as autorizações judiciais, existe um conflito de competências. “Se no curso do contrato acontece qualquer incidente de ordem trabalhista com o adolescente, a competência é da Justiça do Trabalho. É um mosaico de competências que não ajudam na tutela dos interesses das crianças e jovens”, afirma.

Sob esse argumento, a Justiça do Trabalho tem reivindicado para si a competência pela emissão de eventuais autorizações judiciais para trabalho em situações não previstas pela legislação.

“O ECA ressalva algumas hipóteses de trabalho, mas sempre resguardando a integridade física e moral da criança e seu direito de acesso e aproveitamento da educação – e sempre mediante decisões fundamentadas, estabelecendo inclusive as condições do trabalho a que o jovem estará submetido”, sustenta Lélio. “A Justiça do Trabalho está bem aparelhada para fazer esse tipo de avaliação, pelo conhecimento que tem, por definição, das relações econômicas”, afirma ele.

Em agosto deste ano, um seminário para debater a procedência das autorizações judiciais que têm sido expedidas no país foi organizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e Conselho Nacional de Justiça – órgão acionado, ainda em 2011, para averiguar as condições de emissão de autorização judicial. O encontro reuniu, além de promotores públicos e fiscais, juízes do Trabalho e da Infância e Juventude. Entre as deliberações, de caráter indicativo, está a apreciação de pedidos de autorização de trabalho de menores por parte da Justiça do Trabalho, que teria melhores condições de avaliar os casos à luz da legislação específica sobre trabalho.

Do Repórter Brasil