Especialistas em nutrição criticam Ministério da Saúde por parceria com rede de fast food

A adesão da rede de lanchonetes McDonald’s a campanhas do Ministério da Saúde e sua classificaçao como “empresa amiga da saúde” pela pasta gerou protestos de ONGs e de especialistas em nutrição. Professores universitários da área pedem a desvinculação da pasta de “produtos e campanhas” da empresa.

Depois de aderir às campanhas, a rede de fast foods passou a estampar em suas toalhas de bandeja material educativo elaborado pelo Ministério da Saúde, junto com o lema “Amo muito tudo isso” e a marca da empresa. No verso do material, o McDonald’s também incluiu o cardápio da rede e informações nutricionais.

Por telefone e em nota, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde esclareceu que o foco da cooperação entre o órgão e diversas empresas no país é ampliar o número de pessoas atingidas por suas campanhas. Em nenhum momento o órgão endossa práticas e condutas das empresas.

“O Ministério da Saúde mantém parceria com 384 empresas brasileiras, de diversos setores, que nos apoiam em iniciativas de promoção da saúde e prevenção de doenças. A participação destes parceiros nos ajuda a ampliar o alcance e a visibilidade de nossas campanhas informativas, mas sem implicar endosso irrestrito do ministério às práticas e condutas das empresas”, informou também em nota.

O material, entregue aos consumidores que se alimentam nas lojas da rede, contradiz a promoção da alimentação saudável e de outras políticas do governo federal, na interpretação de especialistas em saúde e nutrição humana.

Para os professores da Universidade de São Paulo (USP) e membros da Academia Brasileira de Ciências, Carlos Augusto Monteiro e César Gomes Victora, acompanhados do professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a campanha da rede “é extremamente nociva” e induz o consumidor a pensar que seus produtos deveriam ser consumidos frequentemente.

“A própria composição nutricional do cardápio da rede McDonald’s, descrita nas toalhas, revela quão enganosa é esta campanha publicitária”, reclama a carta dirigida a Alexandre Padilha, ministro da Saúde. Segundo eles, uma refeição formada por uma combinação padrão da rede – o sanduíche “Big Mac”, mais uma porção média de batatas fritas, um copo médio de refrigerante e uma porção pequena de sorvete com calda – fornece dois terços do total de calorias que um adulto poderia consumir em um dia. Para uma criança, o valor representa praticamente toda a demanda de energia.

Para os professores universitários, é preciso desvincular a marca da rede de quaisquer ações do Ministério da Saúde. “Pedimos-lhe que ordene a imediata desvinculação das marcas, programas e imagem do Ministério da Saúde do Brasil da marca, produtos e campanhas da empresa McDonald’s”, pleiteiam.

Publicidade perigosa
Em outra carta ao ministro, a Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos também pediu a desvinculação das marcas. “Não se justifica, em hipótese alguma, o Ministério da Saúde associar sua imagem a de empresas como McDonald’s atribuindo-lhes o título de ‘Parceiro da Saúde’, uma vez que a sua principal atividade é a comercialização de alimentos que, em sua grande maioria, fazem muito mal à saúde”, contestou a entidade.

“É necessário cuidado especial com as nossas crianças que devem crescer em um ambiente que favoreça seu máximo potencial de desenvolvimento, o que inclui a garantia da proteção contra os produtos comercializados e práticas de marketing empregadas por empresas como o McDonald’s”, discorreu a Frente.

Rede Brasil Atual

McDonald´s: Maus tratos e superexploração

Nesta semana, nas bancas, o jornal Brasil de Fato traz uma grande reportagem sobre a superexploração e maus tratos que sofrem os jovens e adolescentes na maior rede fastfood do mundo. Confira a seguir trechos

“Uma vez eu estava com uma bandeja cheia de lanches prontos para serem entregues e escorreguei. Quando ia caindo no chão, meu coordenador viu, segurou a bandeja, me deixou cair e disse: ‘primeiro o rendimento, depois o funcionário’”, conta Kelly, que trabalhou na rede de restaurantes fast food McDonald´s por cinco meses.

“Lá você não pode ficar parado, se sentar leva bronca”, relata Lúcio, de 16 anos, que há 4 meses trabalha em uma das lojas da rede na cidade de São Paulo. “Você não tem tempo nem para beber água direito”, completa José, de 17 anos. “Uma vez eu queimei a mão, falei para a fiscal e ela disse para eu continuar trabalhando”, lembra o adolescente. Maria, de 16 anos, ainda afirma que, apesar da intensa jornada de trabalho nos restaurantes, recebe apenas R$ 2,38 por hora trabalhada.

Os relatos acima retratam o dia-a-dia dos funcionários do McDonald´s. Assédio moral, falta de comunicação de acidentes de trabalho, ausência de condições mínimas de conforto para os trabalhadores, extensão da jornada de trabalho além do permitido por lei e fornecimento de alimentação inadequada são algumas das irregularidades apontadas por trabalhadores da maior rede de fast food do mundo.

Somente no Brasil, o McDonald´s tem mais de 600 lojas e emprega 34 mil funcionários, em sua maioria jovens de 16 a 24 anos.

As relações de trabalho impostas pelo McDonald´s são objetos de estudo de muitos pesquisadores. Do mesmo modo, pelas irregularidades recorrentes, a rede de fast food é alvo de diversas denúncias na Justiça do Trabalho.

Em São Paulo, o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), ao longo dos anos, tem denunciado as más condições a que são submetidos os funcionários do McDonald´s.

Recentemente, resultou em uma punição ao McDonald´s uma denúncia feita há quinze anos pelo sindicato ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região, em São Paulo. Trata-se de um acordo que, além de exigir o cumprimento de adequações trabalhistas, estabelece o pagamento de uma multa de R$ 13,2 milhões.

Desse valor, a rede de fast food deve destinar R$ 11,7 milhões ao financiamento de publicidade contra o trabalho infantil e à divulgação dos direitos da criança e do adolescente durante os próximos nove anos. Além disso, a rede deve doar R$ 1,5 milhão para o Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O compromisso foi firmado em outubro de 2010 e passou a valer em janeiro deste ano.

As investigações realizadas pelo MPT a partir da denúncia do Sinthoresp confirmaram as seguintes irregularidades: não emissão dos Comunicados de Acidente de Trabalho (CAT); falta de efetividade na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; licenças sanitárias e de funcionamento vencidas ou sem prazo de validade, prorrogação da jornada de trabalho além das duas horas extras diárias permitidas por lei, ausência do período mínimo de 11 horas de descanso entre duas jornadas e o cumprimento de toda a jornada de trabalho em pé, sem um local para repouso.

O MPT também apontou irregularidades na alimentação fornecida aos trabalhadores: apesar de oferecer um cardápio com variadas opções, o laudo da prefeitura de São Paulo reprovou as refeições baseadas exclusivamente em produtos da própria empresa por não atender às necessidades nutricionais diárias. Em relação à alimentação, o McDonald´s chegou a ser condenado, em outubro de 2010, pela Justiça do Rio Grande do Sul a indenizar em R$ 30 mil um ex-gerente que, após trabalhar 12 anos e se alimentar diariamente com os lanches fornecidos pela rede de fast food, engordou 30 quilos.

CUT