O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) condenou o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) ao pagamento de indenização de R$ 150 mil, por danos morais, ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD, que garante reparação a direitos coletivos), do Ministério da Justiça.
A ação judicial foi resultado, entre outras questões, de declarações do parlamentar sobre homossexuais feitas em março de 2011 e veiculadas no programa CQC, da TV Bandeirantes. A sentença, da qual cabe recurso, é assinada pela juíza Luciana Santos Teixeira, da 6ª Vara Cível do Fórum de Madureira do TJ-RJ. Assista aqui ao vídeo que resultou na condenação
A ação foi formalizada pelos grupos Diversidade Niterói, Cabo Free de Conscientização Homossexual e Combate à Homofobia e Arco-Íris de Conscientização, e não inclui a emissora de televisão. Segundo o portal UOL, a magistrada considerou os limites entre liberdade de expressão e proteção e dignidade do cidadão.
“Não se pode deliberadamente agredir e humilhar, ignorando-se os princípios da igualdade e isonomia, com base na invocação à liberdade de expressão. Nosso Código Civil expressamente consagra a figura do abuso do direito como ilícito civil (artigo 187 do Código Civil), sendo esta claramente a hipótese dos autos. O réu praticou ilícito civil em cristalino abuso ao seu direito de liberdade de expressão”, sentenciou Luciana Teixeira.
Protegido por imunidade parlamentar, Bolsonaro disse que recorrerá da decisão. Ele disse que, mesmo diante prerrogativa de foro especial, que lhe garante julgamento apenas no Supremo Tribunal Federal (STF), a magistrada considerou que ela não se aplicaria ao caso em análise.
“Em que pese o réu ter sido identificado no programa televisivo como deputado, suas declarações foram a respeito de seus sentimentos como cidadão, tiveram cunho pessoal – e não institucional”, justifica a juíza.
Bolsonaro lamentou o “equívoco” da titular da 6ª Vara, e disse que esta é a primeira vez em que ele é condenado em primeira instância. “Tudo o que eu falei lá [no CQC] eu vou continuar falando. Se você começar a castrar o direito de expressão de um parlamentar, eu não sei o que eu estou fazendo em Brasília. Ela deveria pedir minha cassação. Tem que se respeitar o direito ao contraditório. Eu, respeitosamente, tenho muito orgulho de ser heterossexual”, arrematou Bolsonaro, para quem a vendeta vai ser resolvida no STF.
Reincidência Não é a primeira vez em que Bolsonaro causa polêmica devido a declarações públicas – motivo que resulta em diversos processos por quebra de decoro parlamentar no Congresso, com desdobramentos na Justiça comum.
No caso em questão, referente a 2011, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), que é homossexual assumido, ajuizou ação no Conselho de Ética da Câmara (veja aqui o vídeo que resultou na condenação em primeira instância). A iniciativa de Jean foi arquivada, assim como todas as demais em âmbito parlamentar.
Mais recentemente, foi a vez de outra desafeta de Bolsonaro, a ex-ministra de Direitos Humanos e atualmente deputada Maria do Rosário (PT-RS), virar alvo de Bolsonaro. Em 9 de dezembro de 2014, a petista havia ido à tribuna do plenário para discursar sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos e à divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, ambos naquela semana.
Maria do Rosário condenou a ditadura militar – “vergonha absoluta” na história brasileira – e criticou os manifestantes que pedem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e defendem a intervenção militar no país, como Bolsonaro.
Ato contínuo, Bolsonaro ocupou a tribuna e atacou a deputada gaúcha – que deixou o plenário ao ver que Bolsonaro discursaria – de maneira veemente.
“Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não a estuprava porque você não merece. Fique aqui para ouvir”, disparou o deputado. As declarações do deputado resultaram em investigação na Procuradoria-Geral da República e processos por quebra de decoro movido por quatro partidos e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos.
A aprovação de uma lei no Estado americano de Indiana que pode abrir espaço para discriminação de gays vem provocando uma onda de boicotes e protestos em todo o país, ampliando o debate sobre “liberdade religiosa” e direitos civis.
A lei, denominada Religious Freedom Restoration Act (Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, ou RFRA na sigla em inglês), foi assinada na semana passada pelo governador republicano Mike Pence.
Ela estabelece que o governo e leis estaduais não podem restringir de forma substancial a capacidade de pessoas, empresas, associações ou instituições de seguirem suas crenças religiosas.
Segundo críticos, a lei permite que comerciantes e prestadores de serviços se recusem a atender clientes gays. Um proprietário de buffet, por exemplo, poderia se negar a fornecer serviços a um casamento gay alegando que a união entre pessoas do mesmo sexo fere sua crença religiosa.
“(A RFRA) pode permitir que pessoas manifestem objeção religiosa a leis contra discriminação”, disse à BBC Brasil a especialista em legislação sobre liberdade religiosa Eunice Rho, da organização de defesa dos direitos civis União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês).
“Em Indiana, por exemplo, a cidade de Indianápolis oferece proteção à comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) em termos de moradia e emprego. Alguém que não queira atender essa comunidade poderia usar a RFRA e dizer que sua religião permite que não siga essas leis (contra discriminação)”, afirma Rho.
Protestos
Apesar de a lei só entrar em vigor em julho, sua aprovação provocou reação imediata de líderes empresariais, atletas e celebridades.
No fim de semana, milhares protestaram contra a lei na capital do Estado, Indianápolis. Opositores da legislação iniciaram uma campanha para que empresas boicotem eventos em Indiana.
Em artigo no jornal The Washington Post, o CEO da Apple, Tim Cook, um dos principais executivos abertamente gays, disse que “há algo muito perigoso ocorrendo em Estados pelo país”, referindo-se à lei de Indiana e outras similares.
“A comunidade empresarial dos EUA reconheceu há muito tempo que discriminação, em todas as suas formas, é ruim para os negócios”, diz Cook. “Em nome da Apple, eu me oponho a essa nova onda de leis, onde quer que emerjam. Escrevo na esperança de que muitos outros se unam a esse movimento.”
Jeremy Stoppelman, da empresa de tecnologia Yelp, disse em carta aberta que essas leis criam um “terrível precedente que deverá prejudicar a saúde econômica dos Estados onde forem adotadas”.
O Estado de Connecticut e a cidade de Seattle anunciaram que irão barrar viagens de negócios de funcionários públicos financiadas pelo governo a Indiana.
No Twitter, celebridades como Miley Cyrus e o ator Ashton Kutcher entraram na campanha pelo boicote a Indiana.
A National Collegiate Athletic Association (Associação Atlética Universitária Nacional, ou NCAA, na sigla em inglês), com sede em Indianápolis, onde ocorrem nesta semana as finais de seu torneio de basquete, manifestou preocupação de que a lei possa afetar seus atletas, estudantes, funcionários e eventos.
Casamento gay
Acuado diante de tantos protestos, o governador Mike Pence disse que a lei está sendo mal compreendida. Ele negou que ela seja discriminatória e afirmou que irá conversar com líderes empresariais para explicar sua posição. Mas disse que não cogita mudar a lei.
Em meio a pedidos de democratas para que a lei seja anulada, legisladores republicanos no Estado afirmaram que estão avaliando como tornar a lei mais clara, assegurando que não permita discriminação contra homossexuais.
Pence diz que o objetivo da legislação é proteger igrejas, indivíduos e empresas cristãos e evitar que sejam “punidos por suas crenças bíblicas”.
A lei é baseada em uma RFRA federal de 1993. Outros 19 Estados americanos têm RFRAs. Pelo menos outros três – Arkansas, Carolina do Norte e Geórgia – discutem a adoção de leis semelhantes.
Apesar de nem todas as RFRAs terem relação com discriminação contra homossexuais, analistas afirmam que legislações recentes foram aprovadas na esteira da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em diversos Estados americanos.
“É importante lembrar que essa lei tem motivação política. Indiana já protege as liberdades religiosas, há uma cláusula na Constituição do Estado que protege o livre exercício de religião”, disse à BBC Brasil o especialista em lei e religião Robert Katz, professor de Direito da Universidade de Indiana.
“O real objetivo dessa lei é fornecer consolo a conservadores religiosos que estão descontentes com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em Indiana”, observa Katz.
No ano passado, a proibição de casamento gay em Indiana foi derrubada por tribunais federais.
Lei contra discriminação
Segundo críticos, o que diferencia a lei de Indiana de outras RFRAs é o fato de não haver uma lei estadual que proíba a discriminação contra homossexuais, como há em outros Estados. Existem apenas leis locais em determinadas cidades, como Indianápolis.
Em outros Estados, casos em que comerciantes e prestadores de serviços se recusaram a atender clientes gays alegando conflitos religiosos acabaram na Justiça, com base em leis estaduais contra a discriminação de homossexuais.
“O real problema não é a RFRA, mas sim o fato de que a lei estadual não garante proteção à comunidade LGBT contra discriminação”, disse à BBC Brasil a especialista Robin Fretwell Wilson, professora de Direito da Universidade de Illinois e co-autora do livro Same-Sex Marriage and Religious Liberty (“Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo e Liberdade Religiosa”, em tradução livre).
“Em Illinois, por exemplo, onde leciono, há proteção estadual contra discriminação e há uma RFRA, e as duas não se chocam, a RFRA não foi usada para reverter a proteção estadual.”
Para o especialista em liberdade religiosa Richard Garnett, professor de Direito da Universidade de Notre Dame, em Indiana, os críticos da RFRA ignoram como essas leis são aplicadas na prática e pelos tribunais.
“A lei não é uma ‘licença’ para discriminar”, disse Garnett à BBC Brasil. “Não há evidência nos mais de 20 anos em que leis do tipo RFRA existem, em diversos Estados e em nível federal, de que tenham sido usadas com sucesso para permitir discriminação ilegal.”
Campanha presidencial
Segundo alguns observadores, a controvérsia provocada pela lei em Indiana mostra como público e empresários americanos estão cada vez menos tolerantes com medidas que ameaçam os direitos dos homossexuais.
“Acho que a maioria do país está aceitando e apoiando a igualdade de direitos de casamento por pessoas do mesmo sexo, o que certamente não ocorria no passado”, diz Rho, da ACLU.
Em um momento em que vários políticos se preparam para anunciar suas candidaturas à Casa Branca nas eleições do próximo ano, a polêmica pode respingar na corrida presidencial.
Hillary Clinton, provável candidata e favorita entre os democratas, publicou em sua conta no Twitter que é “triste que essa nova lei de Indiana possa acontecer nos EUA de hoje” e que “não devemos discriminar pessoas por causa de quem amam”.
Do lado republicano, muitos prováveis presidenciáveis tentam se equilibrar entre a ala conservadora, que tem empurrado o partido cada vez mais para a direita, e o eleitorado geral e as lideranças empresariais, mais tolerantes. Em declarações recentes, vários republicanos disseram apoiar a liberdade religiosa, mas serem contrários à discriminação.
Uma pesquisa divulgada na última sexta-feira pelo instituto de pesquisas Public Religion Research Insitute, com sede em Washington, indica que a maioria dos jovens americanos entre 18 e 34 anos acreditam que sexo entre pessoas do mesmo gênero é mais aceitável que sexo casual.
Katz ressalta que há um consenso crescente nos EUA de que homossexualidade “não é escolha ou estilo de vida, e sim algo com que as pessoas nascem”. “E parece que o ideal de igualdade de cidadania está ficando ligado ao sucesso econômico”, observa.