Opinião – O combate à pandemia do racismo

O mundo vive momentos trágicos com a pandemia do coronavírus, o Covid-19. Não é a primeira pandemia que enfrentamos, e derrotaremos. Todos os países se movimentam e usam recursos totais para salvar vidas. Mas há uma pandemia que insiste em permanecer viva entre nós, e com pouco ou nenhum combate: a do racismo. Incrivelmente não utilizamos todas as nossas forças, estudos, ações educacionais e politicas para dizimar este mal que fez uma vítima, George Floyd, morto por um policial branco em Minnesota, Mineápolis, EUA. Nove minutos de agonia sob um joelho branco, policial, representante do estado.

Miguel, 5 anos de idade, deveria estar sob os cuidados da patroa (!?) da sua mãe enquanto ela levava o… cachorrinho da primeira dama de Tamandaré (PE) passear… Largado em um elevador sozinho por querer a presença da mãe, sai em um andar do prédio de luxo e cai para a morte. Quem se importa? Não vou continuar a citar outros nomes aqui, mortes recentes de negros nas favelas, daqui do Brasil e no mundo. Encheriam páginas e mais páginas. Não que não mereçam, mas os nomes que devem ser citados são os nomes dos racistas e apoiadores de racistas que promovem esta pandemia que dura séculos.

Mortes causam comoção midiática. A espetacularização ajuda a vender publicidade e propaganda na grande mídia, e até comove alguns corações para o uso de tarjas pretas, etc. O fato é que basta de conviver com esta doença que nunca retrocede e avança em momentos da história. No Brasil as coisas para negros, indígenas, LGBTs, pobres, minorias pioraram com a chegada de um governo sem rumo social, apenas econômico e potencializado com o discurso de ódio a estas minorias, à democracia e pensamentos humanistas. Me perdoem, mas não dá para defender a luta contra o racismo e Bolsonaro e seus seguidores. São incompatíveis. O dedo que votou nele e agora é utilizado para postagens consternadas, posts da moda para “mostrar”que é antiracista, não colam.

A pandemia racista é irmã da violência e do ódio. Sempre foi, e continua sendo. As lideranças mundiais que colocamos, cada povo a seu jeito e lei, para comandar o desenvolvimento das nações, precisam fazer mais. Educação e debate permanente sobre os temas raciais, da diversidade que nos faz únicos, do amor, e logicamente do que representa o fascismo e suas vertentes, o ódio, a perseguição política, a falta de políticas públicas permanentes e com orçamentos pesados dedicados a mudança cultural dos povos. Não há outra saída para nós que nos entendemos como “humanos” e que nos auto-intitulamos civilizados.

Não haverá paz enquanto não entendermos e agirmos nesta direção. Educação, conscientização, trabalho militante permanente do Estado, com os grupos militantes das causas agindo junto, e desde a mais tenra idade dos nossos filhos, netos. Só há mudança cultural com educação permanente, dirigentes políticos que entendam que todos somos humanos e precisamos uns dos outros, e muitos precisam mais que outros de apoio, atenção e oportunidades. Meritocracia e outros títulos bonitos colocados na mídia como regras, não existem! São modelos de dominação de uns sobre outros, e pior, diferenciam os diferentes que não tem a mesma condição de partida que outros. É simples, basta ser honesto para compreender e agir.

Não sou negro. Não sou índio, nem LGBT. Não moro nas favelas e periferias do mundo e do meu país. Sou privilegiado e branco. Tive acesso a escolas, livros, pais que podiam participar da minha educação e prover as coisas. A empatia me fez compreender a cada ano da minha vida que ao me colocar no lugar do outro, e buscar ajudar se possível, seria o melhor caminho para fazer a minha parte para um mundo melhor, saudável, de paz, fraternidade e solidariedade. Busco todos os dias e em cada oportunidade promover as boas causas, apoiar quem precisa e denunciar quem difunde ódio, violência, ignorância e perseguições. Voto sempre com a consciência de eleger gente que gosta de gente, do povo, das pessoas, que admira a educação como prioridade na gestão. É um jeito de ver o mundo e agir. Cada um pode ter o seu.

O que não é mais possível é conviver com uma pandemia secular de ódio e discriminação aos negros, pobres, mulheres, LGBTs, indígenas que nunca retrocede, e muitas vezes avança com mais e mais mortes que sequer sabemos. Quantos morrem sufocados, sem poder respirar, nas favelas e comunidades pobres, aldeias e outros lugares, sempre alvos de violência do estado (polícia), abandono do poder público e sem qualquer vontade política de governos em defesa destes povos? É inadmissível que vivamos assim, vez em quando colocando luz em uma morte que comove, e logo depois vira história tão somente. Precisamos superar esta pandemia racista, preconceituosa, do ódio e da violência.

Para isso não servem somente posts bonitos e em apoio, se você vota em quem promove a barbárie, discurso de ódio, de diferenciação entre A ou B, pela cor, classe social e etc. Precisamos que a sociedade faça mais, por exemplo, vá conhecer de fato como vivem no dia a dia estas pessoas que vivem nas favelas, nas aldeias, nas suas casas diversas para compreender o porque das coisas serem como são. É preciso que mais pessoas se engajem em ações sociais que apoiem a emancipação destas pessoas e comunidades para que tenham mais oportunidades, educação e assistência, com oportunidades iguais. É preciso erradicar o racismo, o preconceito, o ódio e a violência. Só depende de nós. De cada um. Para que todos possam respirar e parar de chorar a vida de um irmão humano como Floyd, João Pedro, Miguel e tantos outros.

Nós podemos sim combater e vencer a pandemia racista e preconceituosa. Basta mais atitude, ação e leitura. Assim venceremos a ignorância. O Palavra Livre apoia.

  • o Editor

Palavra Poesia – Vidas Negras Importam

O Palavra Livre é também arte e cultura em todas as suas formas, especialmente a literatura a qual o editor é um aficcionado e produtor de textos. Tempos terríveis e uma imensa tristeza e tragédia com a morte de negros unicamente por serem negros… trouxe a tona a veia poética de um jovem autor que já tem uma poesia publicada aqui neste espaço. Edmundo Steffen nos brinda com outra construção simbólica da dor que sentimos como humanos de fato, carne, osso, pele, sangue…

Sensibilizar a si mesmo é uma tarefa que exige um mergulho profundo no sentimento que nos faz o que somos, gente. Aproveitem a viagem com o autor:

“Vidas Negras Importam”- Autor: Edmundo Alberto Steffen

Vidas Negras Importam
Mas não só essa semana
É um grito que corre nas ruas
Mas das periferias emana

Eles estão cansados de morrer
Porque a pele transforma em alvo
E como diria Leandro Karnal
Eu branco, já nasci salvo!

Não morro pela minha cor
Não levo 80 tiros de aviso
Um Estado que se preocupa em matar
Porque periferia viva, dá mais prejuízo

Toda vida importa? Concordo
Mas nunca vi branco morrer pela cor
A luta antirracista é de todos nós
Por isso vou parar para compor

A cada 23 minutos morre um jovem negro
O que você pensaria se fosse da sua família?
O Estado age sem piedade
E mais corpos empilha

Jenifer, Kauã, Ágatha e João Pedro
Esses foram os que ganharam visibilidade
Mais quantos ainda vão morrer?
Sem nem ao menos oportunidade

Quantos cientistas, artistas e pensadores
Dos quais não poderão existir
Quantas famílias cheia de dores
Que orgulho não poderão sentir

Vidas são cerceadas
Na Necropolítica do Estado
Que decide quem vive e quem morre
Mas é sempre do mesmo lado

Nas favelas, entram nas casas sem mandado
Nos condomínios, pedem licença
Até quando são mandados

Mais uma vida que foi tirada
Em prol da segurança do Brasil
Mortes banalizadas
Confundiram guarda-chuva com fuzil

Você que acha vitimismo todo esse discurso
Procure se informar e sair da bolha
Pois nascer sem informação, tudo bem
Mas continuar sem, é uma escolha!

  • Edmundo Alberto Steffen nasceu em Joinville-SC, no dia 13 de outubro de 1997, cursou Ensino Fundamental na rede municipal de ensino da mesma cidade, Ensino Médio no Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari e atualmente é estudante de Filosofia da PUCPR em Curitiba. Autor do livro “Poesias aos Ventos”, escreve poesias, textos e análises sobre cinema e literatura em seu Instagram “ @edmundo.steffen “ .