Comissão da Verdade analisa atuação das igrejas na ditadura

A Comissão Nacional da Verdade fez ontem (8/11) a primeira reunião do grupo de trabalho que vai investigar o papel das igrejas na ditadura militar. Durante o encontro, especialistas e membros da comissão analisaram estudos acadêmicos existentes sobre o tema. “Estamos fazendo um primeiro balanço do estado da arte com especialistas e teremos que definir prioridades, porque não podemos tratar de todos os temas que envolvem essa questão”, apontou o professor Paulo Sérgio Pinheiro, coordenador do grupo.

Entre os casos que devem ser analisados está o do jornalista e ex-preso político Anivaldo Pereira Padilha. Ele foi delatado, no início da década de 1970, pelo pastor e pelo bispo da igreja da qual fazia parte. “Fui denunciado por minha atuação dentro da própria igreja. Na época, ocupava os cargos de diretor do Departamento Nacional de Juventude e editor de uma revista da igreja dirigida a esse público”, explicou. Padilha foi torturado e exilado, tendo retornado ao Brasil somente após a Lei de Anistia, em 1979.

A criação do grupo foi proposta pela sociedade civil em audiências públicas promovidas pela comissão, informou a assessoria de imprensa do órgão. “As igrejas são instituições da maior relevância na sociedade e é evidente que, ao lado das Forças Armadas, do empresariado, dos organismos do Estado, ela deve ser investigada”, reforçou Paulo Sérgio Pinheiro. Ele ressaltou que serão igualmente analisados fatos ligados à colaboração das igrejas ao regime e também relacionados à resistência.

“É importante resgatar essa memória para compreender melhor o presente e o futuro e para que essas instituições deem conta do quão nefasto isso foi para a sociedade brasileira em termos de atraso para a construção de uma sociedade democrática. O não esclarecimento desses crimes contribui para que a tortura continue a existir na sociedade brasileira”, avaliou Anivaldo Padilha.

A comissão ouvirá testemunhas e irá analisar documentos nos próximos meses. O material servirá de base para um relatório, com primeira versão prevista para janeiro de 2013. “Não vamos privilegiar nenhuma igreja. Isso vai ser mapeado pela documentação e pelos casos que nós vamos levantar”, disse o coordenador. A comissão é formada por pesquisadores que estudam diversas igrejas, como a metodista, presbiteriana, luterana, batista e Católica.

Para Anivaldo Padilha, que atualmente é líder ecumênico metodista, alguns setores das igrejas não devem reagir bem às investigações, mas descarta empecilhos às pesquisas. “Setores mais conservadores ou que são remanescentes de grupos que apoiaram a ditadura, esses setores não vão estar muito contentes”, avaliou. O coordenador do grupo, no entanto, destaca que não houve manifestação formal de nenhum grupo religioso.

Da Ag. Brasil

Perfis: Pastor Ari Estevam – “Deus tinha uma missão para mim”

Elegantemente vestido com um terno verde bem cortado, camisa clara e gravata estampada, tudo combinando perfeitamente com os sapatos marrons, Ari Estevam chega para a entrevista na sede central da Igreja Maravilhas de Jesus, na rua São Paulo, esquina com a rua Piauí, em frente à Cipla na divisa dos bairros Anita Garibaldi e Bucarein. “A paz do senhor”, ele cumprimenta e caminha para a escada que leva ao interior do templo. No espaço bem arrumado, naquela tarde de muito sol, se vê na parede a frase que diz tudo sobre a filosofia adotada: “Adorai ao único Deus senhor Jesus Cristo, cantai a glória do seu nome”.

De uma pasta ele tira outras pastas com fotos de uma história que começou há 43 anos, quando o alfaiate Ari se converteu ao pentecostalismo tradicional na então igreja da Cruzada, hoje Evangelho Quadrangular. “Desde pequeno minha família dizia que eu seria sacerdote. No início não deu certo, mas depois Deus me fez conhecer o evangelho. Deus tinha algo, uma missão para mim”, afirma com a seriedade estampada em seu rosto. Aos 70 anos, em 2010 ele voltou a comandar a Igreja que fundou em fevereiro de 1974, junto com outros 40 irmãos da fé. “Voltei para reorganizar os rumos, as coisas estavam ficando muito liberais”, conta o pastor.

Ari tem o registro de nascimento em São Francisco do Sul, no distrito do Saí, mas tem raízes na região de Itajaí. O pai tinha uma serraria, que logo transferiu para Joinville, onde se fixou na rua Dona Francisca, nos arredores do clube América, de quem ele foi torcedor por muitos anos. “Desde os 13 anos não dependi mais da família. Ajudei meu pai, mas logo fui trabalhar na Alfaiataria Müller que ficava na avenida Getúlio Vargas, próximo a Casa da Borracha. Lá aprendi muito nos três anos que fiquei”, relata. O dom da costura ele credita à família, onde todas as irmãs costuravam ou bordavam, e assim o menino logo aprendeu o oficio, que quando adulto, sustentou a família por muitos anos. Trabalhou também na antiga rede de lojas Prosdócimo, serviu o exército, até abrir seu ateliê na rua Monsenhor Gercino, ao lado de onde fica hoje a Luizinho Autopeças.

Sua conversão causou espanto aos familiares, mas Ari não se abalou. Sua fé era muito maior, e partiu para trabalhos missionários, até que um grupo de irmãos, conta ele, seguiu um chamado de Jesus para que defendessem a igreja primitiva, tradicional. “Nos reunimos, discutimos os rumos. Eu recebi uma visão do nome Maravilhas de Jesus, apresentei e foi aprovado por unanimidade”. Ari foi vice-presidente até 1987, quando assumiu a Presidência. Morou em Florianópolis por 15 anos, passou por Jaraguá do Sul, até retornar a Joinville em 2003. Pastor Ari ficou fora da Presidência entre 2004 e 2010. Foi reconduzido ao comando na Convenção da Igreja em 2010.

A Igreja Maravilhas de Jesus está presente em quatro estados brasileiros (RS, SC, PR, SP) e tem um núcleo na Argentina, e conta com cerca de 50 igrejas atuantes. Disposto, o Pastor ainda viaja por suas igrejas, mas agora com alguém dirigindo. Prega com todo ardor a forma tradicional de apresentar os mandamentos do evangelho. Ele não teme o afastamento da juventude da Igreja diante do mundo atual, globalizado e cheio de alternativas. “Os jovens vem até nós pela família, de pequenino. O povo precisa ouvir o evangelho, e é isso que fazemos. Por isso não fico parado, viajo para dar apoio e energia para nossa gente”, completa.

O Pastor conta que eles foram muito perseguidos no inicio, mas tiveram apoio do então prefeito Pedro Ivo Campos, via vereador Aderbal Tavares Lopes. “Nós pedimos apoio para comprar esse terreno aqui onde fica a sede. Conseguimos 10 mil cruzeiros na época, o bastante para completar o pagamento”, diz soltando um dos raros sorrisos. Aposentado, casado há 50 anos, pai de quatro filhos tem nove netos e três bisnetos, Ari prepara a Convenção Nacional que será realizada dias 7 e 8 de maio em Joinville com muita garra na defesa da sua fé, e ainda encontra tempo e força para apresentar um programa de rádio todos os sábados das 11 ao meio-dia na rádio Colon AM 1090 Khw. E avisa: “Agora só vou parar minha missão quando Deus quiser”.

* publicado na seção perfil do Jornal Notícias do Dia em abril de 2011