Justiça restaurativa é alternativa para lidar com bullying

Um grupo de estudantes e professores de uma escola da capital paulista, descontentes com o comportamento agressivo de um aluno, solicitou à direção que organizasse um encontro entre os colegas de classe, os pais e até os avós do jovem, para uma conversa de esclarecimento.

O que pareciam atitudes gratuitas tinham, como pano de fundo,  a própria vida do protagonista dos atos violentos, filho de casal separado, que cresceu sem contato com o pai. A conversa sincera e aberta teve um caráter catártico e até terapêutico, que permitiu a reorganização do núcleo familiar e até mesmo a reaproximação com os colegas.

A história, narrada por Neemias Prudente, membro e fundador do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR), é um caso bem sucedido do tipo de intervenção buscado pela organização. Trata-se de um grupo de advogados voltada ao estudo de temas de Direito comparado e políticas públicas na área de cidadania e justiça.

Prudente explica que a forma como se conduz a situação é determinante para que o agressor não volte a cometer as agressões. “A justiça restaurativa é a oposição à justiça tradicional, porque trabalha com a reconstrução das relações”, conceitua. “Todos têm voz – vítima, infrator e a comunidade – e participam do processo restaurativo e do seu resultado. A vítima percebe a reparação do dano e o agressor tem a oportunidade de restaurar o dano ao máximo, de mudar de comportamento, e ambos de restabelecerem relações.”

Diferentemente das medidas socioeducativas convencionais, nas quais a finalidade é punir, a justiça restaurativa tem o intuito de promover uma reflexão sobre a atitude e a agressividade. Por isso, a prática pode ser crucial para lidar com casos de bullying (assédio moral, físico ou psicológico) no espaço escolar. A justiça restaurativa já é aplicada em algumas capitais, como Brasília e São Paulo. Na cidade de Campinas, interior paulista, já foi aplicada com sucesso em mais de 50 casos.

Esse tipo de situação, segundo pesquisadores, costuma estar mais associada a problemas sociais ou de relacionamento; não precisa ser entendido como crime. Uma das situações mais recorrentes de prática de bullying é protagonizada por crianças que vivem situações traumatizantes no ambiente familiar, o que inclui serem vítimas ou testemunhas de violência doméstica.

Análise feita pela pesquisadora Fernanda Pinheiro, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, aponta que entre as meninas vítimas de assédio moral nas escolas, 14% eram ou foram agredidas em casa ou estariam presentes durante episódios de violência entre membros da família, contra 7,5% dos meninos. Os responsáveis pelas agressões eram os pais com 60% dos casos, contra 85% dos casos em que as vítimas contaram ter sido agredidas pela mãe. Ainda segundo a pesquisa, a probabilidade de um aluno ser alvo ou ator de bullying triplica se houver agressão por parte da mãe e quadriplica se tiver sido vítima do pai.

Formação

A conscientização da problemática do bullying é um dos objetivos da psicóloga Ana Carina Stelko Pereira, doutoranda pela UFSCar, que em parceria com o Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) daquela instituição apresentou uma série de materiais ao Ministério da Educação (MEC). Ela defende a necessidade de preparo para os docentes lidarem com a questão. Um livro, um vídeo e um folder tratam de alertar para formas de prevenção do bullying nas escolas. A expectativa é de que o folder seja aprovado pelo MEC até o fim do ano.

De acordo com Ana Carina, a necessidade de capacitar professores decorre da ausência de preparo para lidar com questões como o assédio moral e a violência entre alunos. “Há uma falha na pedagogia, que não permite que o professor discuta questões relacionadas a direitos humanos. Não há espaço para um diálogo entre o professor e os colegas sobre os problemas de cada sala de aula”, analisa.

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