A literatura de cordel a renascer em Portugal

Chegados a Portugal, há cinco anos, os Depois das Cinco perceberam que a tradição da literatura de cordel se tinha perdido com o tempo e acharam que era de lembrar que, em 1500 e nos anos que se seguiram, “nem tudo só foi guerra e destruição”, também houve poesia.

“A literatura de cordel chegou ao Brasil com a colonização”, recorda, em entrevista à Lusa, Ana França (Aricleta do Céu no grupo), confessando-se espantada com os “pouquíssimos” portugueses que sabem o que é este género literário popular.

O que é, afinal, a literatura de cordel?

“São livretos, tipologicamente mais baratos, mais em conta, com folhas de menos qualidade, e aí escreviam os poetas antigos, os que não sabiam ler, os cegos que não sabiam ler, mas que cantavam, cantavam, decoravam os versos, cantavam e outro ia lá e escrevia e vendia nas feiras, vendia nos comércios e isso foi crescendo, crescendo”, conta.

O grupo quer chamar a atenção para os versos, os autores, os xilogravuristas, os cordelistas, muitos dos quais “aprenderam a ler com as histórias que ouviam, contavam as seus filhos, contavam aos seus netos”.

No Brasil, a literatura de cordel “já é um património imaterial” e há até uma “academia de literatura de cordel”, destaca. “Hoje é uma produção muito grande, são muitos poetas que vivem no Brasil e que vivem disso”, estima Ana França.

Agora, o grupo – que já havia animado as ruas de Sines, na anterior edição do Festival Músicas do Mundo (FMM) – recorre à literatura de cordel para contar uma história um pouco diferente da oficialista, porque essa “já foi”.

Numa mistura entre música e declamação, ao som dos ritmos tradicionais nordestinos do Brasil, coube a esta família (pai, mãe e filhos) fazer o aquecimento antes do arranque dos concertos do FMM deste ano.

Começaram logo no Largo Marquês de Pombal, contando a história de 1500, o ano em que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. Navegando pelas palavras, descem as ruas, rimando e cantando e contando histórias de pessoas, nomeadamente de algumas que foram conhecendo no Alentejo, onde vivem.

“Era como se fosse um jornaleco da época”

“A gente já tem burilado muitas aldeias, principalmente no Alentejo, que é onde a gente está e percebe-se que muitos desses poetas (…) já morreram ou (…) estão ali, na sua própria aldeia, e só a aldeia conhece e eles fazem versos, em décimas, em sextilha, em quadra e tudo isso é oriundo do cordel, da literatura de cordel do século XII, por exemplo”, destaca Ana França.

“Era como se fosse um jornaleco da época, que vinha da França, que vinha da Espanha, que chegava tanto para o povo como para a burguesia. Então, o cordel era totalmente democrático nesse momento”, assinala.

O ideal – apela – é que os portugueses “gostem disso, voltem com isso, porque a literatura de cordel é importante e é importante também para a história”, apela, lembrando que a tradição oral “vem do povo” e, por isso, tem “um poder maior”.

* Com informações do Sapo24H

Uma Crônica – “Eufêmia, Riscadinho e Milú”

Era um belo dia de sol após alguns dias frios e chuvosos. Essas oportunidades nem eu, e tampouco Bastião, perdemos. Meu parceiro de caminhadas é inseparável. Ele não admite que eu saia pelas pequenas ruas europeias a saracotear sozinho. Amigo de verdade é assim. Não tem como dizer não. Nosso plano era ir à biblioteca, passar pelo jardim do amor e bebericar um abatanado, quem sabe com um generoso bolo?  Quase deu certo. 

Digo quase por ter faltado o sentar na mesinha da pastelaria e saborear o pretinho básico. Meu erro, se posso assim dizer-lhe amigo leitor, foi dar uma parada ao sol, e abandonar-me ao banco sonolento que piscava para mim, amigo leitor. Estava a verificar o movimento quando uma senhora veio em direção ao meu banco. Sim, meu, pois lá estava totalmente senhor dele, não só eu como Bastião. Mesmo assim ela se aproximou. Olhou a volta, conversou com um gato a rua e se foi.  

Pois bem, estávamos a ouvir a algazarra dos miúdos das escolas a passar quando ela, a senhora, retornou agora com um pacote a mão. Estranhamente falava sozinha. Abriu então a sacola e tirou lá de dentro um pacote amarelo. Olhava para a cerca viva que ficava por detrás do meu banco e cochichava. A cerca viva agarrava-se a uma cerca morta, de ferro, que protegia um casarão antigo e abandonado. Começou a realizar uma alquimia que era uma música para os gatos. Comida, ração seca. 

Bastião não se mexia, mas eu a observava, e aos gatos que foram se achegando e aconchegando a ela. Não resisti a essa interessante ação e joguei uma frase ao vento que, àquela hora ampliava seu poder: – Eles vão matar a fome. E a senhora Eufemia, era o nome dela, respondeu: – Oh sim, eu sempre trago, mas eles estão magrinhos, pelo feio. As outras trazem comida barata, não ajuda a ficarem bonitos. Aí seguiu-se um longo relato sobre um revezamento de gente que alimenta aqueles gatos. 

Agucei os ouvidos a escutar Eufemia. Fazia isso há anos, misturava a comida em uma sacola que escondia em meio a cerca viva. As outras voluntarias vinham, cada uma a seu dia, e revezavam-se em dar alimento aos gatinhos. – A senhora tem algum em sua casa, perguntei. Com certa amargura disse-me que sim, teve dois. Teve? – Sim, eles morreram. – Peço desculpas, que pena. Um deles era cinza, com riscas brancas, eu dei-lhe o nome de Riscadinho, contou-me a benfeitora. Riscadinho, era mesmo. 

A história de amor entre ela e Riscadinho era comovente. O gato parecia um bebê, que abraçava e a beijava, gordo e peludo. Mas ficou doente dos rins, definhou, e se despediu dela um dia antes de morrer. Notei a tristeza úmida em seus olhos. Ainda bem que o sol ali estava a secar tristezas. Não podia deixar eufemia deprimida. Lasquei: – Tens outros gatos agora? Para a surpresa do vivente que lhes conta a história, ela diz: – Não, agora tenho uma cachorrinha, a Milú! Um sorriso se abriu. 

A sua filha a havia presenteado com a buldogue francês para que a mãe se obrigasse a sair de casa. Eufemia, portanto, saia agora com Milu todos os dias. Pelo visto o calor da alegria voltou, e ela agora mantem o riscadinho somente nas boas memorias. Riscadinho se foi, Milu chegou e faz-lhe companhia. Nos despedimos, lá se foi Eufemia. Quanto a mim fiquei sem o café com bolo, sem o calor do sol, mas com o coração aquecido pela bela história de amor. Eufemia, os gatos, Milu e Riscadinho.  

  • Por Salvador Neto, Portugal, em 30 de abril de 2024 

Poesia de Segunda – “Escombros”

Em meio à escuridão que me invade a alma,
Eu sinto a desilusão fluir em cada veia,
Os sonhos outrora vivos, agora são carmas,
E a desesperança se instala feito uma teia.

As promessas vazias, como vento passageiro,
Desvaneceram-se no ar, num sopro sem rumo,
Decepção é o amargo sabor, verdade cruel,
Que atravessa o coração, deixando-o em jejum.

Nos olhos que outrora brilhavam esperanças,
Agora restam mágoas, lágrimas e tristeza,
A vida que parecia um trilho de bonanças,
Transformou-se numa estrada repleta de incertezas.

A desilusão é um vento que sopra sem piedade,
Levando embora a alegria e a fé em cada passo,
E o desespero é o abismo que me invade, com voracidade,
Engolindo os sonhos, deixando só o fracasso.

Mas apesar da tormenta que em meu peito há,
Ergo-me diante do desânimo que me consome,
Pois a vida é feita de momentos bons e maus,
E a esperança há de brotar novamente, mesmo que demore.

A desilusão e a desesperança são escolhos,
Que enrijecem os corações em profunda dor,
Mas acreditar na superação, no renascer dos escolhos,
É o primeiro passo para abrir as portas do amor.

Então, mergulho na incerteza, mas com resiliência,
Enfrento os tempos sombrios com bravura e coragem,
Pois sei que a desilusão é apenas uma aparência,
E que a desesperança se dissolve em sua própria miragem.

Ainda que as feridas persistam e doam com ardor,
Sigo adiante na busca de um novo horizonte,
Deixando para trás o peso de cada desilusão e desamor,
Confiantemente, reconstruo-me em cada recomeço.

  • por Salvador Neto, 20nov2023

Poesia de Terça – Sonho de Paz

No azul do céu, brilha o sol a me guiar
No canto dos pássaros, ouço a lua a cantar
E nesse universo de luz e esplendor
Vou te cantar uma história de amor

No brilho dos olhos, o pensamento voa
Num abraço apertado, a paz se entrelaça à nossa pele
E nesse encontro de almas em sintonia
Vamos construir uma eterna sinfonia

Com o coração ardendo de esperança
Vamos colorir o mundo com nossa confiança
E no ritmo dessa melodia celestial
Vamos espalhar o amor em cada portal

Sol, lua, amor e pensamento
Paz, esperança, o nosso juramento
Que essas palavras possam ecoar
E transformar nosso mundo em um lugar melhor de habitar

Que o sol nos aqueça e nos faça sorrir
Que a lua nos guie, nos faça refletir
Que o amor nos envolva e nos faça sonhar
Que o pensamento nos inspire a criar

Que a paz nos inunde, nos traga harmonia
Que a esperança nos fortaleça em cada dia
E que juntos possamos, enfim, alcançar
Um mundo onde o amor eternamente irá reinar.

* por Salvador Neto, Portugal, 3nov2023

Deus precisa de companhia

“A minha proposição inicial, que me atrevo a considerar indiscutível, é de que Deus criou o universo porque «se sentia» só. Em todo o tempo antes, isto é, desde que a eternidade começara, «tinha estado» só, mas, como não «se sentia» só, não necessitava inventar uma coisa tão complicada como é o universo.

Com o que Deus não contara é que, mesmo perante o espectáculo magnífico das nebulosas e dos buracos negros, o tal sentimento de solidão persistisse em atormentá-lo. Pensou, pensou, e ao cabo de muito pensar fez a mulher, «que não era à sua imagem e semelhança». Logo, tendo-a feito, viu que era bom. Mais tarde, quando compreendeu que só se curaria definitivamente do mal de estar só deitando-se com ela, verificou que era ainda melhor. Até aqui tudo muito próprio e natural, nem era preciso ser-se Deus para chegar a esta conclusão.

Passado algum tempo, e sem que seja possível saber se a previsão do acidente biológico já estava na mente divina, nasceu um menino, esse sim, «à imagem e semelhança de Deus». O menino cresceu, fez-se rapaz e homem. Ora, como a Deus não lhe passou pela cabeça a simples ideia de criar outra mulher para a dar ao jovem, o sentimento de solidão que havia apoquentado o pai não tardou a repetir-se no filho, e aí entrou o diabo.

Como era de esperar, o primeiro impulso de Deus foi acabar logo ali com a incestuosa espécie, mas deu-lhe de repente um cansaço, um fastio de ter de repetir a criação, porque de facto nem o universo lhe parecia já tão magnífico como antes. Dir-se-á que, sendo Deus, podia fazer quantos universos quisesse, mas isso equivale a desconhecer a natureza profunda de Deus: logicamente, fizera este porque era o melhor dos universos possíveis, não podia fazer outro porque forçosamente teria de ser menos bom que este.

Além disso, o que Deus agora menos desejava era ver-se outra vez só. Contentou-se portanto com expulsar as suas desonestas e mal-agradecidas criaturas, jurando a si mesmo que as não perderia de vista no futuro, nem à perversa descendência, no caso de a terem. E foi assim que começou tudo. Deus teve portanto duas razões para conservar a espécie humana: em primeiro lugar, para a castigar, como merecia, mas também, ó divina fragilidade, para que ela lhe fizesse companhia”.

Texto de José Saramago, Nobel de Literatura, que neste ano e neste mês de novembro, comemoramos o centenário do seu nascimento.

Vem novidade aí!

O Palavra Livre se aproxima dos 15 anos, uma adolescência na informação sobre cultura, literatura, artes, sempre a postos para mudar e melhorar. Este é o novo momento, a novidade que estamos preparando. Vamos mudar, mas nem tanto…

Sem deixar se ser crítico, mas sem perder a ternura jamais, o conteúdo passará a priorizar a literatura e tudo que a envolve. Ou seja, vamos falar mais sobre livros, leituras, lançamentos de novas obras e autores e muito mais. Vamos abrir espaços para quem deseje tornar público seus textos, contos, crônicas e outros.

E vamos avançar para áreas afins a literatura, daremos mais detalhes depois, e vamos falar novidades do que acontece na Europa a partir de Portugal, compartilhando lugares, espaços e muito mais! Gostaram das primeiras novidades? Preparem-se para participar e crescer com a gente!

Últimos pedidos aos amigos

Não te assustes, é um texto que tem a pretensão de ser literário em dia ótimo para esses tipos de ousadias. Hoje é sexta-feira, dia de texto sobre vida e amizades, sobre partidas. Poderia ser quase um testamento deste escriba, quem sabe. Mas por hoje, é um texto reflexivo baseado em minha vida, e na vida que foge por entre nossos dedos como areia fina, ou como água que passa e corre…

O Palavra Livre é um projeto como diz o nome, livre. Nasceu há mais de 15 anos e aqui segue como arquivo de memórias. E agora, volta com este texto. Espero que gostem. Boa leitura!

Últimos pedidos aos amigos

Quando eu me for daqui, quero ir devagarinho. Mas não sofrer aos pouquinhos não, quero sair rapidinho da carcaça que ocupo. As minhas cinzas, espalhem um pouco por rios, florestas, mares, sem culpa. Mas, antes de seguir ao novo plano, vou passear lentamente como quem sairia a caminhar pelas areias das praias, por entre parques e jardins em busca do ar fresco. Meu espírito livre precisa disso.

No caminho, como a brisa, ir abraçando e tocando cada um dos amigos e amigas que a vida me deu. Mas não aquele abraço de saída da mesa do bar, do almoço corrido, não. Um abraço esmagado sabe, daqueles de estalar esqueletos e unir as almas. Deixarei com cada um o perfume do amor que trocamos na trajetória terrena. Nada vale mais que isso.

Aos que me feriram, perseguiram, me maltrataram, apertaria as mãos e diria, foi tudo bobagem. Ninguém ganhou nada, perdemos ambos. Aos meus amores, dedicarei ainda mais espaços, porque são amores, e amores precisam da amplitude do sentimento. Repassarei cada carinho e afeto, e repetirei cada gesto que tivemos um com o outro. Isso fica, e segue comigo, e fica com eles. Nada vale mais que o amor, as risadas, os fatos vividos, os sarros tirados, e devolvidos.

E assim irei, devagar e calmo como a noite e a lua. Sem pressa, livre, leve, pronto para um dia, se assim for escrito um novo roteiro para este vivente, retomar a beleza da evolução. E não esqueça, vou devagarinho, e por isso, não me deixem sem a minha música, a alegria, as boas lembranças das nossas andanças. Nada de tristezas, quero é gargalhadas sobre o que fizemos, das lambanças, dos porres, dos amanheceres.

Brindem o momento em que me for, porque será o brinde do amor da nossa amizade. Não fiquem zangados com a morte, ela só faz a sua parte na roda viva do universo. Não tem jeito não, a gente chega, e também vai embora.

Não esqueça, quando me for, vou devagar, sem pressa aproveitando a liberdade real, e por isso, se não estiver onde estará minha carcaça humana, mande seu abraço em pensamento e energia. Saiba que devolverei com paz e sem assombros.

Sinta saudades, sim. Porque saudade, já disse o poeta, é o amor que fica.

Vou, mas fico nas histórias de nossas vidas. Do café à mesa da padaria, dos festejos de aniversários, churrascos, da cerveja gelada compartilhada com afetos. Das discussões sem eira nem beira, das noites com música e cantores desafinados. Do jogo de futebol, da torcida, dos nascimentos, e mortes. A distância nunca foi um muro entre nós, sempre foi apenas um até breve. Amigos são assim, sempre vivem uns nos outros.

Levarei comigo só o que foi engraçado, divertido, mesmo as coisas mais difíceis que vivemos, até porque, depois das desgraças fica o riso inevitável. E quando lembrarem deste vivente amigo, abram um vinho, uma cerveja, um café. Brindem a vida, aos seus, agradeçam a graça de termos nos conhecido um dia, e pensem em nosso momento mais feliz.

Assim me sentirei abraçado, enquanto vou embora, devagarinho…

Por Salvador Neto em agosto 2022.

Um desapego doloroso…

Olá leitores do Palavra Livre, estamos começando 2022 por aqui, e já escolhi um tema para o primeiro post, o desapego. Quem nunca teve que “deixar” algo que gosta para trás porque não teria como seguir com o objeto, a pessoa, a roupa, etc, para o novo lugar? Muita gente não é? Comigo vai acontecer o mesmo. Um desapego muito doloroso porque mexe com memórias, aprendizados, investimento de uma vida.

Eu e parte dos meus tesouros, uma biblioteca que carrega uma vida de aprendizado e investimento

Falo dos meus livros. Tenho uma biblioteca pessoal que reúne cerca de 600 a 650 títulos dos mais diversos temas. A maioria deles ligada a literatura, poesia, biografias, outros muitos de jornalismo, assessoria de imprensa, consultoria, direito, justiça, alguns de autoajuda, até uma enciclopédia Barsa tenho. Existem livros que nortearam o início de minha trajetória profissional, treinamento e desenvolvimento de pessoas, consultoria, e muitos presentes com autógrafo e tudo o mais.

Eles são verdadeiros tesouros da minha vida. E tem mais: dentro deles guardo recordações dos meus filhos quando eram menores e desenhavam, faziam cartinhas de amor para mim. Há fotos nossas, e outros tantos bilhetes que só mexendo em cada um deles saberia o que contém. Pura magia, emoções de tempos outros, lágrimas e sorrisos, vitórias e derrotas, desencantos, sonhos, tantas coisas! Mas eu preciso desapegar.

Para onde vou não será possível levá-los. Não caberão em uma mala, e o custo de transporte inviabiliza, bem como não saber o tamanho do espaço que vou residir. Assim, o coração dói, chora, sangra. Só quem tem uma relação afetiva com os livros, a leitura, a literatura, vai entender. Desde pequeno cresci entre livros, leituras, todas incentivadas por meus pais. Assim aprendi a escrever bem, me destacar na escola pelas redações, e depois atuar no jornalismo. Conheci culturas que jamais visitei. Tive mestres do marketing, gestão, jornalismo que jamais vi pessoalmente. Um valor inestimável.

Agora estou na fase inicial do desapego. Busco através dos amigos e amigas ideias para o que fazer com esta biblioteca. Pensei inicialmente em propor um projeto social que incluiria implementar uma biblioteca comunitária onde existiriam ações de incentivo a leitura, produção de textos, encontros literários, varais literários, declamação de poesias e textos, empréstimos de livros com organização, enfim, um propósito de educação e formação da cidadania. Assim, creio, todo o meu esforço financeiro, intelectual, teria um resultado efetivo que é formar novos cidadãos leitores, pensadores, prontos para a vida real.

Não sei ainda o que fazer realmente. Estou lendo as sugestões de amigos e amigas queridos, queridas, e vou decidir. Um pedaço da minha vida, importantíssimo, vai ficar em algum lugar, e gostaria que fosse um belo lugar cuidado, protegido e perene. Será que consigo?

“Seu Pipa” – Conto para ler e voar na imaginação

No Dia do Escritor deste ano (13/10) escrevi um novo conto para comemorar, após longo inverno criativo… Publiquei apenas no Facebook e agora aqui em meu blog que sobrevive há 13 anos, rumo aos 14, incrível não é? Espero que gostem!

Seu Pipa, Por Salvador Neto

“Se eu não tivesse visto com os meus próprios olhos, jamais teria acreditado. Já fui criança também, e inventava meus amiguinhos imaginários, meus heróis, ou usava os famosos bonequinhos para fantasiar o que via nos livros e gibis. Por isso que ao ouvir o que Miguel me falava naquele instante, uma tarde luminosa no Morro da Luz, área central da pequena Vem quem Quer, entendi que era um daqueles momentos que também tive lá pelos 10 anos de idade, mesmo tempo de estadia na terra que o pequeno garoto de olhos pretos, cabelos ondulados e claros, pele queimada do sol, me contava ali ao lado da venda do seu Manoel.

Passava pelo vilarejo vendendo minhas mercadorias, uma batalha diária para ganhar o pão de cada dia, e ao vender meus aviamentos no Mercado do Manel, assim mesmo, sem o “o” do Manoel, eis que me aparece o Miguel logo na porta da vendinha. Pés descalços, calção curto e surrado, o garoto me perguntava se havia visto a sua pipa falante. – Pipa falante? Retruquei. – Sim, eu mesmo que fiz com varetas de bambu, linha de costura da minha mãe, cola emprestado da vizinha e papel de seda que ganhei da minha vó Elza! Pensei que ele estava era arrumando uma desculpa para pedir alguma coisa. – O que você quer garoto? Bala, um doce? Diga-me logo que estou com pressa.

Estava cansado da viagem que já durava umas três semanas por aquelas bandas secas, pobres e poeirentas. – Não é mentira não seu moço, é verdade! Ela é grande assim ó – mostrava com as mãozinhas pequenas e sujas de brincar na rua. Comprei umas balas de goma, umas paçocas e lhe dei, mas não adiantou. Ele insistia e já estava triste por não ver mais a sua pipa, sua primeira pipa criada por ele mesmo. Senti um aperto no coração ao ver no rosto de Miguel a mesma decepção que tive quando era criança, ao perder um brinquedo querido.

– Tá bom, falei. Toma aqui essas balas, vamos procurar a sua pipa, mas só um pouquinho, entendeu? Ele abriu um largo sorriso, pegou minha mão e puxou.- Estava com ele amarrado ali naquela árvore, ele estava bem alto. Fui pegar uns gravetos para levar para minha casa para fazer fogo, e quando voltei ele não estava mais ali! – Vai ver que alguém a levou, devia ser bonita, respondi. Miguel fechou a cara e disse que não, ele era muito inteligente e que não sairia dali nas mãos de outro menino. E que não era “ela”, mas sim “ele”. Intrigado, resolvi entrar na brincadeira do garoto.

– Pipa é ela, não ele, larguei. – Você não sabe de nada, disse ele franzindo a testa. – Seu Pipa é menino, homem como eu! Tentei consertar o engano. – Tá bom, ele então. E porque seu Pipa? – Porque quando ele acordou e viveu, ele se apresentou e pronto, completou Miguel. Decidi então partir para a ajuda na busca ao “Seu Pipa”. – Como ele é então garoto? Ainda chateado com a minha falta de atenção ao seu problema, ele descreveu em detalhes a pipa que fala. Era das grandes, feita com papel de seda em quatro cores: azul, vermelho, rosa e verde, e tinha o rabo também comprido, com duas cores, amarelo e roxo em papel crepom. A linha era forte, e o carretel de tamanho médio, com bastante linha, dizia meu amiguinho de Vem quem Quer.

Mas tinha mais: quando ele falava, uma boca sorridente se abria na parte de baixo, e olhos redondos e grandes na parte de cima piscavam sem parar. – Seu Pipa me disse que quando ele nasceu bateu um vento forte, e ele ficou assim, piscador, alertou Miguel. Já entediado com aquilo, não questionei. – Vamos encontrar o seu Pipa então, falei e saí com ele ao meu lado na rua em frente à vendinha. Ele mostrou a árvore onde ele, seu Pipa, deveria estar. Decidimos seguir em meio à mata que tinha poucas árvores naquela área do Morro da Luz. Era um pequeno caminho, uma trilha que moradores usavam para ir de um lado a outro daquela comunidade, explicava Miguel. Estava um dia quente, e eu com sapatos, calça comprida jeans e camisa de manga longa, já suava as bicas.

O vento era só uma brisa morna, e o garoto seguia com suas pequenas pernas no chão batido, e olhos abertos mirando de um lado a outro na mata em busca da sua pipa. Ou melhor, do Seu Pipa. Já estava decidido em acabar com aquela brincadeira em que havia entrado quando ouvimos uma voz grave que dizia: – Estou aqui, olhem para cá! Enquanto tentava ver quem nos chamava, Miguel já corria à minha direita em meio aos tufos de mato gritando de alegria: – Seu Pipa, seu Pipa, você está aí! Incrédulo eu avistava então aquela imagem coloridíssima tal qual o menino tinha descrito, engatado em uma goiabeira de tamanho médio.

Espantado fiquei quando aquela figura de papel seda, crepom, bambus, linha e cola se mexia e falava! – Miguel, quem é esse aí com você, um desconhecido perigoso? A pipa emitia frases nítidas, e uma espécie de boca abria e fechava, e olhos piscavam sem parar! Também pisquei várias vezes, esfreguei meus olhos, me belisquei para ver se não estava era acordando de uma soneca, mas não! Aquele ser realmente se mexia no galho da goiabeira, e falava, e olhava cobrando do pequeno Miguel aonde ele havia se metido e o deixado voar por aí.

– Você não deveria andar por esse mato com gente assim. Nem sabe quem é! O pequeno, feliz da vida por ter encontrado a sua pipa, opa, seu Pipa, esbanjava um sorriso após algumas marcas de lágrimas em suas bochechas, pedia desculpas: – Foi só um instante que o deixei amarrado no poste, só para pegar gravetos para a minha mãe seu Pipa, e quando olhei você não estava mais lá. Ai fiquei desesperado e encontrei esse homem. Ele aceitou ajudar a te procurar, falava sem parar o Miguel. Ainda atordoado pelo que via, fiquei mudo vendo o garoto resgatar seu Pipa daquela árvore com todo o cuidado e carinho.

Enquanto isso aquele ser contava como tinha chegado até ali. Um jovem havia passado de bicicleta e visto a pipa ali amarrada. Deu meia volta e maldosamente soltou o fio do poste e seguiu pedalando em seu caminho. – Foi tão inesperado que quando vi a ventania já tinha me arrastado para cá Miguel, explicava a… o Pipa. Já com o seu amigo brinquedo à mão e no chão, o garoto sentou em um tronco grande à beira da trilha e pediu que eu sentasse também. – Não chegue muito perto não!, gritou a pipa… o Pipa. – Não se preocupe, não farei mal algum a você. Encontrei o menino na venda, e ele me pediu ajuda. Não acreditei na história de uma pipa falante, mas resolvi ajudar ao ver a sua aflição.

Miguel então agradeceu o meu apoio, pediu desculpas à Pipa por sua falta, e disse: – Acredita agora que tenho uma pipa que fala, escuta, enxerga e também voa? O que poderia dizer diante daquilo… – Posso tocar em você Pipa? Meio desconfiado, Pipa deixou não antes que eu mostrasse se não tinha nenhum canivete ou outra coisa nas mãos. O garoto me passou o Pipa cuidadosamente. Segurei na vareta central, uma mão em cima, outra embaixo. Era incrível!- Satisfeito? Perguntou a pipa enquanto se movia para um lado e outro, balançando o rabo colorido e piscando os olhos quase sem parar.

– Como isso pode ser verdade, acontecer, perguntei em voz alta. – Acontecendo, respondeu seu Pipa. – Quando a pureza de uma criança linda como Miguel acredita e precisa, o senhor Universo autoriza que objetos como eu tenham vida, falou seu Pipa. – Minha mãe cria eu e meus cinco irmãos sozinha, e não temos brinquedos. De tanto eu pedir minha vó apareceu um dia com bastante papel de seda, crepom, cola e me disse para fazer uma pipa, pandorga. Meu amigo José me ajudou, e assim nasceu o seu Pipa, explicou Miguel. Devolvi com cuidado o seu Pipa ao garoto, não queria estragar aquele momento de reunião entre criador e criatura após terem se perdido um do outro.

– Mas como foi que começou a falar, a ter boca e olhos? – Todos os dias a gente reza pedindo uma vida melhor para nossa casa. Uma noite eu resolvi pedir a Deus que seu Pipa falasse, fosse vivo para que eu tivesse um amigo de verdade para conversar. Eu ouvia com atenção, enquanto seu Pipa dançava com o vento para lá e pra cá. – No dia seguinte quando voltei da escola, fui direito pegar a pipa para soltar, tinha bastante vento! Chegando ao quarto levei um susto quando ele me deu oi! Mas entendi que Deus tinha me ouvido. Mas é segredo, e agora segredo nosso viu moço?

Emocionado com aquela história, mexi a cabeça afirmativamente. Seria o nosso segredo para sempre. Olhando fixamente em meus olhos, seu Pipa ainda disse: – Nunca esqueça que o que se promete a uma criança é sagrado! Mantenha o segredo que o Universo saberá recompensá-lo! Daquele dia em diante minhas vendas aumentaram, consegui melhorar de vida e posso ajudar a outras pessoas em momentos de dificuldades. E toda semana vou a Vem quem Quer colocar a nossa conversa em dia lá no Morro da Luz. Eu, Miguel e seu Pipa viramos grandes e inseparáveis amigos. Para sempre”.

Palavra Poesia – “Qual o valor do tempo”

Os tempos andam amargos, duros, secos. O que nos tira dessas agruras é a arte, e a arte da literatura chega novamente aqui no Palavra Livre com o Palavra Poesia. Nosso escritor e poeta, o jovem Edmundo Alberto Steffen, colaborador do blog, nos oferece mais uma produção poética para aliviar a vida diária, e nos dar o devido valor da vida, pois tempo é vida. Vamos lá conhecer mais um pouco do valor do tempo?

“Qual o valor do tempo?

Estamos trancados em casa
Mas deixa isso de lado
Vamos pensar no futuro
Pensando sempre no passado

Não cometendo os mesmos erros
Hoje sabemos o valor de um abraço
Que tenhamos mais fogo da vida
E menos fogo nos maços

A vida não é só alegria
Caso você, não teria graça
Qual o valor da felicidade
Se um dia ela não passa?

Eu te desejo tudo de bom
Que viva bem todos os teus dias
Em meio a esse turbilhão
Possa ter fuga nessa poesia

Agora você vai sorrir
Pois às vezes é só questão de opinião
Não deixe nada pra depois
Corre lá pedir perdão

A pandemia nos mostrou uma coisa
Temos pouco tempo e o tempo não espera
Deixamos de lado o rancor
Que então o amor impera

Qual o valor do tempo?
Não sei nem se é mensurável
Tem vezes que dura muito
Tipo um filme da Marvel

Tem vezes que dura pouco
E nos deixa vulnerável
“Não deixe pra amanhã”
Não é uma frase de coach barato

Podemos ver que o tempo é valioso
E isso cada vez mais é um fato
O que levamos da vida?
O que deixamos aqui?

Apenas sorrisos e lembranças
E quem fizemos sorrir”.

* Edmundo Alberto Steffen nasceu em Joinville-SC, no dia 13 de outubro de 1997, cursou Ensino Fundamental na rede municipal de ensino da mesma cidade, Ensino Médio no Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari e atualmente é estudante de Filosofia da PUCPR em Curitiba. Autor do livro “Poesias aos Ventos”, escreve poesias, textos e análises sobre cinema e literatura em seu Instagram @edmundo.steffen