Esse é um dos perfis que mais me emocionou, não só porque a história é comovente, mas pela amizade que uniu a este jornalista e Heitor em nossa juventude. Rever o amigo, recuperado da tragédia, e poder contar seu renascimento muito me orgulhou. Abraço amigo Heitor, siga em frente sempre com alegria, você merece! E aos leitores, boa leitura e comentários!
“Ele não foi craque como Pelé, Garrincha, Cruyff, Maradona, Ronaldo, mas driblou como ninguém o pior marcador dos campos da vida: a tragédia da perda. É certo que não foi fácil, não é fácil porque esse jogador é persistente, duro e teima em não desgarrar do jogador que, mesmo perseguido, correu para vencer mais uma batalha e continuar no jogo da vida. Esse é Heitor Martinho de Souza Júnior, o Ratinho, ou somente Heitor, Dego para os íntimos, 42 anos, filho do craque Heitor Martinho de Souza, o Ratinho, grande jogador nascido no Itaum e formado no celeiro de craques do Fluminense, clube emblemático do bairro da zona sul de Joinville.
Heitor é comerciante de material esportivo e mantém viva a memória do pai mantendo a tradicional loja Ratinho Sports, onde gerações já compraram chuteiras, camisas de clubes, troféus, medalhas, meiões para seus craques, ou mesmo para bater bola pelos campos e quadras. Há 35 anos o pai Ratinho, quando veio encerrar a brilhante carreira de jogador de futebol como campeão pelo Joinville Esporte Clube, abriu a loja na rua do Príncipe em frente à Caixa Econômica Federal. Heitor já acompanhava o pai. “Fui o mascote do Jec na final, e vi meu pai chorar muito com a vitória”, lembra com os olhos marejados de lágrimas.
O sentimento é justificado. Há dez anos Ratinho pai, a esposa Emídia, a mulher Maria e suas três filhas foram sacados do time por obra de um Gol irregular, e só Heitor ficou jogando por aqui. Obra do destino? Um acidente na estrada que leva à Barra do Sul ceifou a vida de tudo que ele mais amava em um instante. Só ele sobreviveu. “Perdi tudo que tinha, que mais amava. Eles morreram e eu fiquei vivo, mas morto”, revela com amargura. A cidade ficou comovida. Heitor só saiu do hospital após dois meses, sem saber que todos tinham falecido. A loja ficou esse tempo todo fechada. Contas e mais contas vencidas, e mais ninguém para chorar junto ou buscar saídas.
Mesmo triste, Heitor encarou o retorno aos gramados da Ratinho Sports. Passou por um problema, dois tres, varios. A clientela torcia e comparecia. Matando no peito e colcoando a bola no chao, ele venceu e agora está firme jogando na rua Max Colin, 150 sempre com clientes entrando e saindo da loja, ou ligando para o fone que também nao é mudado há 35 anos. Como o pai que jogou no Fluminense do Itaum, Marcílio Dias, Portuguesa de Desportos (SP), São Paulo, Seleção Paulista – esteve também entre os 40 que poderiam ir à Copa de 1970 – e Jec, Heitor também jogou no Joinville, Atlético Mineiro, Ponte Preta, mas deixou o futebol para casar e trabalhar com o pai. Só jogou no futebol amador joinvilense no Caxias, América, 25 de Agosto, Fluminense e Krona, onde parou em 2006.
Entre a atençao a um e outro cliente que chega na loja, Heitor fala sobre o novo momento após o longo filme de terror, que chega a um final feliz. “Estou em uma fase nova, boa. Encontrei uma nova companheira, a Lara, casamos há dois anos, e ela está grávida de tres meses. É uma ressureição”, conta sorridente. Lara é prima do ex-jogador Toto, e trabalha em Jaraguá do Sul. Heitor cuida da sua estamparia e da loja com carinho. “É o nome do meu pai, tenho muito orgulho de ser filho dele, uma pessoa que todo mundo gostava. Aprendi com o que passei que temos de deixar em vida é o caráter, a bondade, simpatia. Nenhum bem material é maior que isso”, destaca. Mais um cliente entra, e lá vai ele, pronto para o jogo. Toca a bola e segue em frente na vida Heitor, a torcida quer mais um golaço!”
* Publicado na seção Perfil do Jornal Notícias do Dia de Joinville (SC) em junho de 2011.