Com anuência do STF, ministro Pazuello será investigado sobre caos em Manaus (AM)

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski autorizou nesta segunda-feira a abertura de uma investigação contra o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por conta da calamidade hospitalar de Manaus, onde pacientes graves de covid-19 ficaram sem oxigênio. Ele acatou um pedido da Procuradoria Geral da República, feito com base na representação do partido Cidadania, e determinou que a Polícia Federal tome o depoimento do ministro em até cinco dias. A apuração tem o prazo de 60 dias para ser concluída e pode culminar em uma ação judicial. O pedido do procurador-geral ao STF havia sido feito na semana passada e busca investigar a suspeita de o ministério comandado pelo general da ativa do Exército foi omisso para atuar no caos manauara, já que soube que faltaria oxigênio na cidade cinco dias antes de ele acabar. E agiu tardiamente, deixando pacientes morrerem asfixiados.

Segundo a decisão de Lewandowski, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, afirmou em seu pedido que “embora tenha sido constatado o aumento do número de casos de infectados pela covid-19 já na semana do Natal de 2020, o ministro da Saúde optou por enviar representantes da pasta a Manaus apenas em 3 de janeiro, ou seja, uma semana após ter sido cientificado da situação calamitosa”. Ele cita ainda as afirmações de Aras de que, apesar de ter havido recomendação de evacuação de doentes com o apoio de hospitais universitários e a oferta de 345 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) feita por outros Estados, os primeiros deslocamentos de doentes ocorreram apenas em 15 de janeiro e, no dia seguinte, apenas 32 pacientes haviam sido removidos.

Aras afirmou ainda no pedido que Pazuello, diante da crise sanitária, determinou a entrega de 120.000 unidades de hidroxicloroquina como medicamento para tratamento de covid-19. “Além disso, [o procurador] noticiou que a distribuição de cloroquina 150mg, como medicamento para tratamento da covid-19, foi iniciada em março de 2020, inclusive como indicação para o tratamento precoce da doença, sem, contudo, [se] indicar quais os documentos técnicos serviram de base à orientação”, continuou Lewandowski em sua decisão. As informações foram divulgadas pela imprensa brasileira nos últimos dias serviram como base para o pedido de investigação feito pelo Cidadania.

Aras só atuou depois que foi provocado pelo partido, que é opositor ao Governo. Ministros de Estado têm foro de prerrogativa de função (o foro privilegiado) e só podem ser investigados pela PGR. Foi a primeira vez que a procuradoria agiu contra um ministro de Bolsonaro. O pedido feito por Aras acendeu um sinal de alerta no Palácio do Planalto, já que ele é considerado um aliado do Governo e suas ações não costumam atingir o entorno do presidente.

Sob pressão nos últimos dias, Bolsonaro se viu obrigado a deixar de lado seu tom bélico contra opositores. Além da PGR, o Governo tem sido cobrado por parlamentares e governadores que querem maior celeridade da execução do plano nacional de imunização, e, principalmente, pela opinião pública que tem diminuído o apoio a ele —53% já apoiam a abertura de um processo de impeachment, conforme a consultoria Atlas.

Em postagens nas redes sociais nesta segunda-feira, o presidente agradeceu nesta segunda-feira a “sensibilidade do Governo chinês” por enviar 5.400 litros de insumos para a produção da Coronavac, vacina feita em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Em outubro passado, o presidente havia proibido o ministro Pazuello de comprar a “vacina chinesa”. Ele queria evitar que o governador paulista, João Doria (PSDB), colhesse qualquer fruto político. Acabou também estimulando seus apoiadores a uma campanha xenófoba contra o imunizante chinês.

A decisão de Lewandowski contra Pazuello foi a segunda subida de tom contra as ações da Saúde tomadas no Governo Bolsonaro neste início de semana. Durante a tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está a uma semana de deixar o cargo, reforçou o discurso de que a gestão federal precisa ser investigada pela sua atuação na pandemia e disse que apoia a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde. O foco da investigação, inicialmente, seria a atuação do ministro-general, não a do presidente Bolsonaro. Enquanto isso, há ao menos 57 pedidos de impeachment aguardando o despacho do presidente da Câmara, que já avisou que não pretende dar andamento a eles. Nos últimos dois anos, quatro pedidos foram arquivados.

Na visão de Maia, Pazuello teria cometido ao menos três crimes na coordenação do Ministério da Saúde: estimulou o tratamento precoce da população com medicamentos comprovadamente ineficazes contra o coronavírus —como a cloroquina e a ivermectina; deixou de incentivar, por questões ideológicas, a produção da vacina do Instituto Butantan; e ignorou a oferta de 70 milhões de doses feita pela farmacêutica Pfizer que seriam entregues ainda em dezembro. “Não tenho dúvida nenhuma que tem crime. Pelo menos o ministro da Saúde já cometeu esses crimes”, disse o deputado em entrevista coletiva nesta segunda-feira.

No sábado, o Ministério da Saúde admitiu, em nota, que deixou de enviar qualquer resposta à Pfizer por entender que a quantia de 70 milhões de doses não seria capaz de vacinar todos os 212 milhões de cidadãos, o que “causaria frustração em todos os brasileiros”. Até o momento, apenas oito milhões de doses foram disponibilizadas à população prioritária —principalmente funcionários que atuam na linha de frente ao combate à covid-19. Todos os imunizantes foram importados da Índia (AstraZeneca) e da China (Sinovac).

Apesar do apoio de Maia, que não pode assinar pedidos de abertura de CPIs por presidir a Casa, a coleta de assinaturas para a criação do grupo está em passos lentos. Até a tarde desta segunda-feira, um grupo de dez de senadores e 31 deputados havia assinado um pedido para criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Para ser aberta, são necessárias as assinaturas de 27 senadores e de 171 deputados federais. Atualmente, os congressistas estão mais preocupados com a disputa pelas presidências do Senado e da Câmara. Além disso, o Legislativo está em recesso e só retorna aos trabalhos no dia 1º de fevereiro, com a eleição das Mesas Diretoras.

Na semana passada, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, se reuniu com Maia para debater a liberação de insumos da vacina para o Brasil. Quando soube que o deputado se encontraria com o representante do governo chinês, Bolsonaro determinou que sua equipe também o encontrasse para debater o assunto. Desde então, parou de criticar a gestão do primeiro ministro Xi Jinping. “Foi um avanço, o Governo até um tempo atrás se negava a conversar com a China”, afirmou Maia.

Depois da postagem de Bolsonaro, o embaixador Yang respondeu a ele com a seguinte mensagem: “A China está junto com o Brasil na luta contra a pandemia e continuará a ajudar o Brasil neste combate dentro do seu alcance. A União e a solidariedade são os caminhos corretos para vencer a pandemia.”

Além desses últimos movimentos, Bolsonaro também tem sido orientado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a incentivar a campanha de imunização. O argumento dele é simples, sem vacina, a retomada econômica será mais lenta. Das conversas de bastidores, Guedes partiu para o discurso em público. “A volta segura ao trabalho é importante e a vacinação é decisiva. A vacinação em massa é um fator crítico de sucesso para o bom desempenho da economia logo à frente”, disse o ministro a jornalistas ao analisar os dados da arrecadação federal. A autoproteção de Bolsonaro, por ora, tem falado mais alto.

  • com informações de El País

Covid em Manaus: sem oxigênio, pacientes dependem de ventilação manual para sobreviver em Manaus

Junto com as notícias da falta de equipamentos e de cilindros de oxigênio para tratar pacientes com covid-19, vieram também do Amazonas relatos dramáticos da alternativa à qual algumas equipes de saúde estão recorrendo para lidar com a falta de aparelhos de ventilação mecânica: a ventilação manual.

Em ambos os casos, o objetivo da ventilação é fazer artificialmente o trabalho do qual os pulmões e o corpo do paciente já não estão mais dando conta de garantir a respiração e a circulação de oxigênio.

Aparelhos de ventilação mecânica eletrônicos são mais eficazes, mas, na falta deles, equipes costumam recorrer ao chamado reanimador manual autoinflável, conhecido também como “ambu”. Estes são impulsionados por uma bombinha de borracha apertada com as mãos, conectada por canais até chegar ao paciente em uma máscara facial ou em tubos inseridos em sua traqueia.

“A ventilação manual tem sido usada frequente, e aconteceu desde os primeiros meses de pandemia. Isto porque a deficiência de ventiladores (mecânicos) e leitos de UTI no Amazonas é histórica”, contou à BBC News Brasil por áudios de WhatsApp o médico Pierre Souza, especializado em pediatria e cirurgia geral.

O médico, que relata prestar serviço em unidades de emergência de Manaus vinculadas ao governo estadual, diz que já participou em diversos plantões da chamada “escala do ambu” — um rodízio para realizar a ventilação manual, que exige esforço e tem duração variada para cada paciente.

“Essa situação caótica muitas vezes exigiu passar noites inteiras ao lado do leito do paciente, fazendo uma escala do ambu, com colegas, técnicos e enfermeiros se revezando por longos períodos — às vezes meia hora, uma hora, uma hora e meia.”

“Nós fazemos isso até duas situações acontecerem: ou o paciente é transferido para um ventilador (mecânico) disponível, ou o paciente falece. Vi isso acontecer algumas vezes: apesar da ventilação manual, o paciente precisava de mais suporte, de parâmetros que o ambu não tem capacidade de fazer”.

O Jornal Nacional, da TV Globo, também obteve depoimento de um funcionário do hospital 28 de Agosto, em Manaus, segundo o qual foi igualmente necessário “ambuzar” pacientes ali.

“A ventilação manual aconteceu desde o início da pandemia. É triste ver que vivemos uma segunda onda e os mesmos problemas (da primeira) continuam”, resume Pierre Souza.

Crise

Manaus vive uma crise aguda neste mês — com falta de oxigênio e uma nova variante do coronavírus. A cidade já registrou 93 mil casos de covid-19 e 3.892 mortes desde o começo da pandemia.

O jornal A Crítica relata que nas últimas 24 horas foram registrados 3,8 mil casos novos — um número inédito na pandemia. No mesmo período, 51 pessoas morreram com diagnóstico de covid-19.

A capital do Amazonas sofre um novo pico de internações por causa do coronavírus, após as festas de fim de ano.

Diversos veículos de imprensa confirmam a situação desesperadora em muitos dos hospitais da cidade.

Os cilindros com oxigênio são essenciais para manter e estabilizar os pacientes com covid-19 grave — além de pacientes com outras enfermidades. Sem esse insumo básico, muitos indivíduos hospitalizados vão acabar morrendo.

Em meio à dramática falta do gás para tratamento de pessoas internadas com covid-19 em Manaus, a Secretaria de Saúde do Amazonas determinou nesta quinta-feira a requisição administrativa de “eventual estoque ou produção de oxigênio” de 17 empresas, como montadoras e produtoras de eletrodomésticos localizadas no Polo Industrial de Manaus (PIM): Gree Eletric, Moto Honda, Yahama Motor, Electrolux, TPV, Whirlpool, Sodecia da Amazônia, Denso Industrial da Amazônia, Caloi, Flextronics International e Cometais.

Também foram impactadas pela requisição LG Eletronics, Semp TCL, Ventisol, Carrier, Daikin e Samsung.

Manaus voltou a ter dezenas de enterros por causa da covid
Legenda da foto,Em 2021, Manaus voltou a ter dezenas de enterros por causa da covid

Para suprir tanto os hospitais públicos quanto os hospitais privados, as três empresas fornecedoras de oxigênio local — White Martins, Carbox e Nitron — precisavam entregar 76.500 m³ diariamente, diz o governo do Amazonas. No entanto, a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia.

Para sanar o déficit de 48.300 m³ diários, o Governo do Amazonas e o Ministério da Saúde estão realizando juntos a “Operação Oxigênio”.

“A logística da operação (para levar mais oxigênio a Manaus) prevê também rota terrestre com o insumo saindo de Fortaleza e indo até Belém, para chegar a Manaus por meio de aviões. Para atender com urgência as redes, o transporte terrestre e fluvial, que seria o procedimento mais comum, foi descartado”, informou a Secretaria de Saúde.

Com uma demanda por oxigênio e outros suprimentos que parece não ter fim, Manaus precisa urgente da ajuda de outras cidades, Estados e, claro, do Governo Federal. Nas últimas horas, 235 pacientes começaram a ser transferidos para hospitais de Goiás, Piauí, Maranhão, Brasília, Paraíba e Rio Grande do Norte.

  • informações e imagens da BBC Brasil