O Ministério Público do Estado de São Paulo protocolou dia 3o de abril na Justiça ação civil que pede a responsabilização das firmas de auditorias KPMG e Ernst & Young pela quebra do banco Cruzeiro do Sul, conforme antecipou nesta terça-feira o Valor Pro, serviço de informações em tempo real do Valor. No entendimento do MP, as duas firmas devem ser solidárias na indenização dos prejuízos causados a clientes e credores do banco e, entre outras medidas, solicita o arresto de bens de ambas. O valor do rombo a ser coberto é de R$ 2,24 bilhões.O juiz da 2ª Vara de Falências e de Recuperações Judiciais de São Paulo ainda terá que decidir se aceita ou não a demanda.
Com base no relatório da comissão de inquérito instituída pelo Banco Central para apurar as causas da quebra do banco controlado pelos Indio da Costa, os promotores Eronides Santos e Joel Bortolon Junior concluíram que KPMG e Ernst & Young falharam no dever de detectar a existência de operações de crédito fraudulentas ou problemáticas no banco, apesar de terem se deparado com fartos indícios nesse sentido.
A ação inicial do MP, à qual o Valor teve acesso, traz descrição detalhada das evidências encontradas pelas empresas ao longo dos últimos anos e que foram sistematicamente ignoradas, não tendo resultado em ressalvas nas demonstrações financeiras do Cruzeiro ou outro tipo de providência. A KPMG auditou os balanços de 2007 a dezembro de 2011 e a E&Y assumiu a função a partir de então até a intervenção decretada pelo BC, em 4 de junho de 2012. Nesse período, auditou apenas as demonstrações do primeiro trimestre de 2012.
Além das duas firmas de auditoria, o Ministério Público responsabiliza também a Cruzeiro do Sul Holding Financeira e 14 pessoas físicas, entre ex-diretores e ex-conselheiros do banco, incluindo os dois ex-controladores, Luis Felippe Indio da Costa e Luis Octavio Indio da Costa, pai e filho. A ação do MP pede a reparação dos prejuízos sofridos por depositantes e credores do banco. Todas as outras denúncias eram esperadas, mas a implicação formal de KPMG e Ernst & Young foi surpreendente.
O relatório da comissão de inquérito do BC, usado como base da ação do MP, descreve que a KPMG realizava a chamada circularização para comprovar a existência de operações de crédito do Cruzeiro. Esse procedimento padrão consiste em enviar cartas a clientes para checar a existência dos contratos. Segundo a comissão de inquérito, de 2007 a 2011, o percentual de cartas não respondidas quase sempre ficou acima de 90%, tendo alcançado 99,2% em dezembro de 2009. Apesar do elevado número de exceções, não foram identificadas alterações nos procedimentos realizados ao longo dos anos, tais como testes adicionais.
Diante de tal percentual, por norma, a KPMG era obrigada a adotar um procedimento alternativo de checagem. A escolha foi por solicitar ao próprio banco os contratos físicos das operações de crédito. No entanto, de 2007 até o primeiro semestre de 2009, o volume de contratos entregues pelo banco à auditoria era baixíssimo, chegando a zero em alguns momentos. A partir do segundo semestre de 2009, o banco passa a entregar volume considerável de contratos, mas então surgem novas evidências de problemas.
A principal delas é que muitos contratos não possuíam numeração, sendo impossível relacioná-los a determinadas operações de crédito. Apesar disso, a KPMG optou por atestar a existência dos empréstimos. A comissão de inquérito encontrou casos em que a auditoria aceitou apenas uma gravação de voz como prova das operações. Muitos contratos tinham, ainda, divergências de nomes e valores. A KPMG não chegou a solicitar cópia de RG ou comprovante de renda dos clientes para confirmar sua existência, aponta o relatório da comissão de inquérito. Tudo isso, conclui a comissão e o Ministério Público, deveria ter sido considerado indício de fraude pela KPMG. Mas nada foi feito para alertas acionistas, clientes, credores ou autoridades.
No caso da Ernst & Young, a acusação é menos grave, porque o período em que a firma auditou o balanço do banco foi reduzido. No quarto trimestre de 2011, seu trabalho consistiu em revisar o que a KPMG havia feito. No primeiro trimestre de 2012 o trabalho foi completo. Segundo o MP, a firma falhou em etapa obrigatória do procedimento de auditoria.
Procurada na noite desta terça-feira, a KPMG não retornou o pedido de entrevista. A Ernst & Young enviou a seguinte nota: “Sobre o parecer do Ministério Público envolvendo o Cruzeiro do Sul, a Ernst & Young informa que não comentará o caso até que o departamento jurídico possa ser consultado a fim de esclarecer se tal documento já foi entregue à empresa. Além disso, a Ernst & Young tem como política não comentar casos que envolvam clientes de auditoria”.
Por Carolina Mandl | Valor