A 30 dias da abertura da primeira Olimpíada do Brasil (e da América do Sul), as instalações de competição estão praticamente prontas e a Prefeitura apresenta o “novo Rio de Janeiro”, pronto para receber o maior evento mundial, em vídeos de divulgação com imagens aéreas da cidade.
Mas a um mês do início da festa, a “lista de pendências” dos anfitriões inclui tarefas como os efeitos do rombo de R$ 19 bilhões nas contas do Estado do RJ, uma onda de violência que assusta cariocas e estrangeiros e a conclusão de uma linha de metrô prevista para quatro dias antes do início dos Jogos. Tudo sob olhares de convidados que já estão chegando e do resto do mundo que observa atentamente enquanto faz as malas.
A BBC Brasil conversou com organizadores, governo, especialistas e movimentos sociais para identificar alguns dos itens mais importantes desta lista na reta final dos preparativos.
Além da corrida contra o relógio no setor dos transportes, para finalizar a linha 4 do metrô e BRT Transolímpica (corredor de ônibus expresso), há desafios na venda dos ingressos e na tentativa de fazer cariocas e brasileiros entrarem no “clima de festa”.
Já na área da segurança, dados recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que o Estado do RJ registrou 7.487 roubos a pedestres no mês de maio de 2016, um aumento de 38,2% em relação ao mesmo período de 2015. A cifra é a maior em 26 anos.
Apesar do momento de incerteza da véspera e da repercussão negativa na imprensa internacional, em grande parte há consenso de que as medidas extraordinárias e a reta final de preparativos devem resultar no sucesso do megaevento. Veja alguns dos itens na “lista de pendências”:
1 – Corrida contra o relógio: Nem metrô nem BRT estão prontos
Faltando um mês para a Olimpíada, ainda não estão prontos o metrô linha 4 e o BRT Transolímpica, duas grandes obras de mobilidade urbana que servirão como principal meio de locomoção para o Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, e o Complexo de Deodoro, na Zona Norte.
Obra mais atrasada e cara da Olimpíada, com custo orçado em R$ 9,7 bilhões, a linha 4 do metrô, que liga o bairro de Ipanema à Barra, ainda não foi concluída e segundo o Estado a data de inauguração está marcada para o dia 1º de agosto, quatro dias antes da abertura dos Jogos.
Inicialmente um dos principais motivos pelos quais o governador em exercício do RJ, Francisco Dornelles, declarou estado de calamidade pública e solicitou ajuda federal, a obra não pôde receber recursos do auxílio financeiro de R$ 2,9 bilhões vindo de Brasília. Segundo o Governo Federal, o montante é destinado exclusivamente à segurança dos Jogos e o Estado do RJ não terá que devolver o recurso à União.
Com a chegada do recurso para a segurança, no entanto, foi possível realocar verbas e o projeto recebeu mais R$ 500 milhões do orçamento estadual para a finalização do trecho olímpico.
A Secretaria de Transportes do Estado do RJ informou à BBC Brasil que a obra está 97% pronta e os 3% restantes referem-se à etapa final de acabamento (instalação de câmeras, catracas e sistema de som) das estações Jardim de Alah e Antero de Quintal, além de execução do asfalto e das calçadas, novos postes de iluminação e projeto de paisagismo no entorno.
As estações Nossa Senhora da Paz, São Conrado/Rocinha e Jardim Oceânico já estão concluídas. A linha funcionará em horário reduzido e só terão acesso os portadores de um cartão especial diário vendido a R$ 25,00.
Caso o metrô não fique pronto a tempo, o Governo do Estado trabalha com um plano B, que inclui redirecionar o BRT para o percurso entre a Zona Sul e a Barra.
Já o BRT Transolímpica (sistema de corredor de ônibus expresso) está 99% concluído, segundo a Secretaria Municipal de Obras do Rio de Janeiro informou à BBC Brasil, e deve ser entregue “neste mês”. Só três das 18 estações que compõem a linha devem estar funcionando (Centro Olímpico, Magalhães Bastos e Recreio).
Consultado pela BBC Brasil, o Comitê Rio 2016 disse não ter preocupações com a mobilidade urbana e ressaltou que “atletas, oficiais e a imprensa credenciada usarão as faixas olímpicas e terão acesso garantido, chegando a todas as competições e eventos sem atrasos”.
2 – Assaltos: Maior número em 26 anos no Estado do RJ; quase um roubo a cada quatro horas
Além dos assaltos, em seu maior índice dos últimos 26 anos no Rio, a reta final para os Jogos testemunhou arrastões em vias expressas e até em bairros como Botafogo, na Zona Sul, roubo de equipamentos de um canal de TV alemão, mortes por balas perdidas e em confrontos entre polícia e traficantes, que estão retomando territórios, além de operações policiais truculentas e tiroteios intensos em favelas como Alemão e Maré.
Mestre em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-capitão do Bope entre 1994 e 1999, Paulo Storani diz que a violência tende a assustar o visitante estrangeiro, mas que o esquema de segurança com 85 mil homens, incluindo contingente da Força Nacional e das Forças Armadas, deve reduzir o nível de criminalidade durante os Jogos.
“As notícias atuais sobre o Rio criam uma expectativa negativa para os atletas, delegações e turistas, mas com os reforços creio que isso não vá se materializar. Deve haver uma redução da violência. Agora depois da Olimpíada, eu vejo uma situação de caos na segurança, com a crise do Estado e a oportunidade de fortalecimento já identificada pelo tráfico”, disse.
Consultada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança do Estado do RJ (Seseg) disse que o auxílio financeiro de R$ 2,9 bilhões do Governo Federal será usado para quitar salários atrasados de policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários, e que nesta semana será feito o pagamento referente ao mês de junho em uma única parcela.
Além disso, o Estado deve pagar R$ 42 milhões em horas extras no sistema conhecido como RAS (Regime Adicional de Serviço), criado para compensar o deficit de policiais.
Segundo a Seseg, 24.863 profissionais estarão dedicados diretamente ao evento nas regiões da Barra, Copacabana, Deodoro e Maracanã, e o restante da tropa reforçará áreas de UPPs, Búzios, Região dos Lagos, e demais áreas turísticas.
Outro aspecto que preocupa são os salários atrasados de todo o funcionalismo público do Estado do RJ, entre eles médicos e enfermeiros, o que tem causado problemas aos serviços de saúde, incluindo hospitais indicados como referência a turistas durante o período olímpico.
O governador em exercício, Francisco Dornelles, disse à BBC Brasil que, após o pagamento da parcela restante dos salários de maio, nesta segunda-feira, fará um levantamento das prioridades a serem atendidas com o remanejamento de verbas possibilitado pela chegada dos recursos federais.
“Eu não tenho nenhuma dúvida de que as Olimpíadas do Rio de Janeiro vão ser um sucesso. Com o apoio do Governo Federal, o Estado vai conseguir cumprir todos os seus compromissos assumidos com a organização dos Jogos”, disse.
Já o Comitê Rio 2016 diz ter “total confiança na realização de jogos seguros, dada a experiência do Rio de Janeiro em sediar grandes eventos com sucesso, tais como o Carnaval e o Ano Novo”.
3 – Ingressos: compras ainda precisam decolar; só 70% foram vendidos
A um mês dos Jogos, o Comitê Rio 2016 ainda não atingiu sua meta de venda de ingressos. Até o momento foram vendidos 4,2 milhões dos 6 milhões de ingressos disponíveis, ou seja, somente 70% do total. O Comitê diz ter atingido 88% da meta de receita com a venda de ingressos. Do total de R$ 1,045 bilhão projetado, até o momento, vendeu-se R$ 919,6 milhões.
Para Donovan Ferreti, diretor de ingressos do Comitê Rio 2016, os números não representam um mau desempenho nas vendas ou um resultado abaixo do projetado.
“Nunca ficamos abaixo das expectativas. Ao final do mês de junho, a meta era ter atingido R$ 860 milhões em vendas, e nós chegamos a R$ 919,6 milhões. Obviamente nossa meta é ter 100% dos ingressos vendidos e estamos trabalhando para isso”, diz.
No dossiê de candidatura, em 2009, a cidade do Rio se propunha a vender pelo menos 81% dos 7 milhões de entradas que seriam colocados à venda, ou seja, 5,6 milhões de ingressos. Como algumas arenas tiveram dimensão reduzida, o total de ingressos disponíveis foi reduzido para 6 milhões.
Outro indício de que seria difícil bater as metas ocorreu em maio do ano passado, quando, após a primeira rodada de venda, foram recebidos 5,2 milhões de pedidos de ingressos, contra 22 milhões na mesma fase nos Jogos de Londres, em 2012. Para Ferreti, não é possível comparar.
“É como comparar banana com laranja. São situações completamente diferentes. Estamos dentro do nosso plano e das nossas metas, mas na comparação com Londres parece que estamos abaixo. Faz parte da cultura do brasileiro comprar na última hora”, explica.
Ele diz estar ciente de possíveis impactos da crise econômica e política que atinge o Brasil, mas ressalta que ainda há ingressos a R$ 20,00 (como a meia entrada para uma sessão de esgrima) e que mais de 3 milhões dos ingressos que foram à venda custavam até R$ 70,00. Um ingresso para a cerimônia de abertura, no dia 5 de agosto, no Maracanã, sai hoje por R$ 4.600,00.
4 – ‘Clima de festa’: Carioca e brasileiro ainda não entraram no ‘espírito olímpico’
De difícil aferição mas crucial para o sucesso dos Jogos, trazer o “clima de festa” ou o “espírito olímpico” para a população da cidade-sede e do país-sede é um dos maiores desafios para os organizadores nas próximas semanas.
Em meio à ainda indefinida crise política, a penúria trazida pela recessão no país, a crise financeira do Estado do RJ e a onda de violência vivida no Rio nos últimos meses, especialistas acreditam que o clima ainda não pegou entre cariocas e brasileiros em geral, embora haja pessoas vendo com bons olhos a chegada do megaevento, e até fazendo bons negócios.
“É normal antes de qualquer Olimpíada que a cidade-sede entre na seção ‘escândalo’. Há uma tendência de cobertura negativa na imprensa nacional e internacional. Foi assim com Pequim, com Londres, e Atenas. Mas no caso do Rio, nem a mídia mais sensacionalista poderia criar a atual junção de notícias negativas.
É uma agenda múltipla. Violência, queda de ciclovia, crise financeira, Lava Jato, Zika, questão social”, diz Maureen Flores, doutora em políticas públicas pela UFRJ com doutorado na área de sustentabilidade e governança de megaeventos.
Ela explica que a antecipação pela abertura da Olimpíada é um “ritual” que acontece em todos os países. “É uma construção importante. Começa com o revezamento da tocha, a cidade vai se transformando, a expectativa vai crescendo, e o ápice é a cerimônia de abertura, mas nós estamos perdendo esta construção temporal. A Olimpíada mal ocupa a agenda da mídia brasileira”, diz.
O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) informou à BBC Brasil que tem na campanha “Eu sou Time Brasil” uma das estratégias para engajar o público a torcer pelos atletas brasileiros. Segundo a entidade, a página do COB no Facebook conta com quase 1,6 milhões de fãs.
Como em outros megaeventos, um dos termômetros para medir a avaliação da população é a ocorrência de protestos. Entre governo e organizadores havia a preocupação de que o julgamento do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, inicialmente agendado para a metade dos Jogos, estimulasse os protestos de rua, mas, na semana passada, o Senado confirmou que a decisão deve ocorrer a partir de 22 de agosto, um dia depois do término da Olimpíada.
Mesmo assim, já há protestos marcados pelas redes sociais para o dia da abertura dos Jogos. Um deles, “Vaia a Eduardo Paes”, conta com 5,6 mil presenças confirmadas e 10 mil interessados. Outro, o “Grande Ato contra as Olimpíadas da Corrupção”, conta com 2,7 mil confirmações e 7,2 mil demonstrações de interesse.
Larissa Lacerda, uma das organizadoras do protesto “Calamidade Olímpica – 30 Dias para os Jogos da Exclusão”, marcado para esta terça-feira, diz que é “inadmissível” que a prioridade do município e do Estado seja “garantir os Jogos Olímpicos em um contexto caótico como o qual vivemos”.
Participam do protesto uma série de movimentos como Comitê Popular de Copa e Olimpíadas, Movimento Candelária Nunca Mais e a ONG Justiça Global, com o objetivo de “denunciar e combater as violações de direitos humanos cometidas sob a justificativa dos megaeventos”, diz Lacerda.
Com informações da BBC Brasil