Morre Maria Laura Eleotério – Homenagem do Blog com o seu perfil, sua história

Maria Laura marcou época por suas posições fortes na educação, política e no movimento afrodescente

Acabei de receber a notícia da morte da sempre professora e diretora da Escola Básica João Colin, no bairro Itaum em Joinville (SC), Maria Laura Cardoso Eleotério, que também se notabilizou por ações junto ao movimento afro, no sesquicentenário da cidade, deixando marcas importantes para a sociedade. Tive o prazer de conviver com ela na política – quando assessor – e vivenciei a sua luta pelas mulheres, pelo movimento afro, sempre batendo de porta em porta, buscando apoios, recursos, e fazendo acontecer.

Escrevi seu perfil, um pouquinho da sua grande história, para o jornal Notícias do Dia. A matéria foi publicada no final de 2011. Nossa conversa foi longa, fui recebido com café, bolo, refrigerante, e muito carinho. Ela tinha muito orgulho dos seus feitos, e sempre estava maquiada, arrumada e perfumada. Para tirar a sua foto, a editora Loreni Franck teve de batalhar muito! Mas, ao final, conseguimos fazer e marcar a trajetória dela na educaçao e na vida comunitária. Com certeza ao lado do Criador, ela vai continuar a contribuir com boas energias para um mundo mais justo, solidário e humano. Aos seus familiares, os meus sinceros sentimentos. E para os leitores do Blog, segue o texto original que foi para o Notícias do Dia. Confiram, pois essa é a homenagem que o Blog presta a Maria Laura:

“Uma negra de fibra, baluarte da educação e do movimento afro”

Ela foi aluna dedicada, e depois professora exigente, diretora competente e fazia até o papel de polícia quando preciso para defender seus alunos da Escola Básica João Colin, onde trabalhou entre 1958 e 1987 e na qual foi diretora por 25 anos. Atuante nos bastidores da política, chegou a ser candidata ao senado como suplente em 2006. Não bastasse isso, fundou o Instituto Afro Brasileiro de Joinville para resgatar e manter viva a cultura dos afro descendentes do município que já teve a grande maioria da sua gente da raça alemã, suíça, norueguesa quando da imigração que formou a cidade. Essa é Maria Laura Cardoso Eleotério, 72 anos de vida de luta desde o Bucarein, onde nasceu.

Um pouco abatida pelo diabetes e um AVC, Maria Laura concedeu a entrevista na mesma casa em que nasceu, e mora até hoje. Mais magra, e com voz mais baixa, ela mantém a elegância que sempre a marcou, e se orgulha dos feitos como professora, diretora e fundadora do Instituto que ainda é presidente, mas que está passando o bastão para a filha e também professora Mariane Acácia Eleotério. O filho Edmilson é eletricista e funcionário público, e a filha mais nova, Biana, logo se forma em direito. “Eu nasci aqui, mas vivi muito junto da minha mãe lá no Palácio – onde hoje é o Museu da Imigração na rua Rio Branco -, já que ela era cozinheira da casa”, observa ela.

O pai morreu quando ela tinha apenas três anos. Logo cedo a menina Maria Laura foi estudar no colégio Rui Barbosa, onde as lendárias professoras Erondina Vieira e Maria Amin Ghanem marcaram época. Começou a trabalhar aos 14 anos, na biblioteca e já lecionando, substituindo uma professora. “Eu queria trabalhar, ter meu dinheiro. E queria comprar três coisas com meu salário: um batom, um sapato de salto alto e um óculos”, conta a ainda vaidosa senhora. Dava aula para turma de repetentes e outra turma melhor, diz. “Sou grata a essas professoras, pois na época só podiam dar aulas as concursadas, e elas ficaram firmes e me mantiveram”, destaca.

O Colégio João Colin entrou na vida de Maria Laura em 1958, quando segundo ela, a professora Lacy Cruz Flores veio para o Rui Barbosa e ocupou a vaga. “Devo também a dona Erondina a vaga no João Colin. Em 1962 assumi a direção e só parei em 1987. Fui eleita três vezes pela comunidade, votada”, comenta a educadora. Ela lembra das várias conquistas da sua gestão, como segundo grau, a quadra de esportes e outros. “O João Colin foi considerado o melhor colégio, tinha os melhores professores, muitos profissionais e lideres foram forjados lá”, diz orgulhosa Maria Laura. Nem as dificuldades com drogas e marginalidade que rondavam a escola nem o incêndio que a atingiu reduziram a vontade da diretora. “Sempre combati, e quem fez já pagou pelo que fez”, afirma.

Depois de aposentada, passou um tempo na praia em Ubatuba, e quando voltou criou o Instituto Afro Brasileiro de Joinville no sesquicentenário da cidade. A igualdade e oportunidade para os afros passaram a ser mais ainda a sua bandeira. Até hoje há atividades, e dona Maria Laura não descuida de nada. “Fizemos grande trabalho, são 45 mil negros na cidade, fizemos intercâmbios sociais, criamos o Museu da Mulher, enfim, muita coisa. Agora minha filha vai assumir e continuar a luta”, explica Maria Laura. Ela guarda fotos, placas, documentos e vídeos desse trabalho, lembra de cada um dos momentos. Jandira Reschiliani, 65 anos, é ex-aluna e exalta a mestra: “Ela ajudou muita gente, de forma desprendida, e até minha filha foi aluna nos tempos dela”, confirma. Agora chegou a hora de Maria Laura Cardoso Eleotério descansar, e receber as homenagens merecidas. Quem se habilita?”

Perfil: Mateus Carlos Moreira, seu Neuzo – O último “picareta” de carros do Século 20

Ele não consegue ficar parado. Acorda por volta de cinco horas da manhã, assoviando, falando com os pássaros que chegam ao quintal da sua casa no Bucarein. Todos os dias é assim na vida de Mateus Carlos Moreira, o seu Neuzo, 86 anos e muita história de vida. Da roça onde morava com a família no Morro Grande em São Francisco do Sul, vendendo lenha, leite, aipim, palmito, e outros produtos, tudo de carroça e de casa em casa, até a afirmação em Joinville vendendo automóveis e comerciando de tudo, a vida de seu Neuzo e família foi uma luta renhida. “Fiz de tudo na vida”, anuncia ao lado da filha mais nova, Marli de 59 anos, e da esposa Ruth, 82 anos e 66 de união que gerou cinco filhas e dois filhos, um morto ao nascer.

Trabalhou no porto, como estivador. “Era tudo trapiche de madeira. Carreguei muita madeira, erva-mate, banha. Tudo no muque (mão)! Virava a noite para ganhar dinheiro”, conta. Daquele tempo lembra com alegria dos amigos, todos já falecidos. “A gente olhava pela boca da escotilha e via as pessoas, mulher trocando de roupa, de tudo”, relembra sorridente. A família passou muita dificuldade quando ele sofreu acidente no trabalho e foi internado em Florianópolis no Hospital de Caridade. Quando voltou tempos depois, vendeu peixe e outras mercadorias, até quando teve a sorte de ganhar na loteria. “Nunca me esqueço do número: 10.910. Com esse dinheirinho fiz a mudança para Joinville. Eles (filhos e mulher) vieram no caminhão, e eu de bicicleta”, relata Neuzo.

Até caixão o homem fez. Certa vez, já cansado de produzir até de madrugada, resolveu pregar uma peça e soltou toda a produçao de caixoes rio abaixo em uma maré alta, assustando os moradores da pacata Sao Francisco do Sul do início do século passado. “Foi uma coisa, morria muita gente de Tifo, e aquilo assustou. Nunca contei que fui eu”, fala às gargalhadas. Por volta de 1950 conheceu o comerciante Jacó Zattar que vendia tecidos na famosa Loja A Vencedora, e também automóveis na avenida Getúlio Vargas. Ali a vida mudou para melhor. Bom comerciante, bom papo, Neuzo vendia muito e sempre viajavam à Curitiba para comprar carros e trazer para revender na cidade. “A gente saia pelas seis da manhã e só chega lá às três da tarde. Era tudo banhado na estrada”, conta.

No final da década de 1950 resolveu vender carros por sua conta. Já existiam as revendas da Chevrolet, Ford e Douat. “Vendi 12 DKW em um dia só. Não tinha carro que chegasse. A gente era conhecido como picareta de carro, depois é que ficou vendedor”, afirma. Seu local de venda ficava na esquina das ruas São Paulo e Coronel Francisco Gomes, bem em frente ao estádio Ernesto Schlemm Sobrinho do Caxias. Neuzo, não contente, também ganhava dinheiro com outras atividades. “Desmanchava casas, vendia as telhas, tijolos. Construí umas dez casas pela cidade, algumas ainda existem. Também tive churrascaria”, relata. Era a Churrascaria Bons Amigos que funcionou até a década de 1970 na rua São Paulo onde hoje funciona o supermercado Compre Forte. Jogadores do Caxias como Jairo, Mickey, Norberto Hoppe comiam no restaurante.

Dona Ruth ajudava muito e assava as carnes até encontrarem um bom assador. Ele vendeu a churrascaria e continuou no ramo de carros até o início de 1980, quando foi ajudar o filho em seu comércio, a já extinta Romafer na avenida Getúlio Vargas, e depois na Maferville, ainda ativa na mesma região. Com avançada idade, a família pediu que ele parasse de trabalhar. “Elas ficavam com medo de eu atravessar as ruas. Aí parei, e agora passo os dias jogando dominó na praça Nereu Ramos, batendo papo com os amigos e cuidando da Ruth”, explica Neuzo mostrando sua propriedade.

Há três anos ele sofreu um AVC, e foi recomendado que fizesse uma atividade que o mantivesse ativo. Por isso o dominó virou seu passatempo. “Disputei o campeonato na praça, ganhei uma mesa. Gosto de ir lá, aprendi a jogar no porto. Sei até quando puxam a pedra, qual jogo eles tem na mão”, finaliza o octogenário sobrevivente dos tempos românticos da maior cidade catarinense.

* publicado na seção Perfil do jornal Notícias do Dia de Joinville em junho 2011