Não te assustes, é um texto que tem a pretensão de ser literário em dia ótimo para esses tipos de ousadias. Hoje é sexta-feira, dia de texto sobre vida e amizades, sobre partidas. Poderia ser quase um testamento deste escriba, quem sabe. Mas por hoje, é um texto reflexivo baseado em minha vida, e na vida que foge por entre nossos dedos como areia fina, ou como água que passa e corre…
O Palavra Livre é um projeto como diz o nome, livre. Nasceu há mais de 15 anos e aqui segue como arquivo de memórias. E agora, volta com este texto. Espero que gostem. Boa leitura!
Últimos pedidos aos amigos
Quando eu me for daqui, quero ir devagarinho. Mas não sofrer aos pouquinhos não, quero sair rapidinho da carcaça que ocupo. As minhas cinzas, espalhem um pouco por rios, florestas, mares, sem culpa. Mas, antes de seguir ao novo plano, vou passear lentamente como quem sairia a caminhar pelas areias das praias, por entre parques e jardins em busca do ar fresco. Meu espírito livre precisa disso.
No caminho, como a brisa, ir abraçando e tocando cada um dos amigos e amigas que a vida me deu. Mas não aquele abraço de saída da mesa do bar, do almoço corrido, não. Um abraço esmagado sabe, daqueles de estalar esqueletos e unir as almas. Deixarei com cada um o perfume do amor que trocamos na trajetória terrena. Nada vale mais que isso.
Aos que me feriram, perseguiram, me maltrataram, apertaria as mãos e diria, foi tudo bobagem. Ninguém ganhou nada, perdemos ambos. Aos meus amores, dedicarei ainda mais espaços, porque são amores, e amores precisam da amplitude do sentimento. Repassarei cada carinho e afeto, e repetirei cada gesto que tivemos um com o outro. Isso fica, e segue comigo, e fica com eles. Nada vale mais que o amor, as risadas, os fatos vividos, os sarros tirados, e devolvidos.
E assim irei, devagar e calmo como a noite e a lua. Sem pressa, livre, leve, pronto para um dia, se assim for escrito um novo roteiro para este vivente, retomar a beleza da evolução. E não esqueça, vou devagarinho, e por isso, não me deixem sem a minha música, a alegria, as boas lembranças das nossas andanças. Nada de tristezas, quero é gargalhadas sobre o que fizemos, das lambanças, dos porres, dos amanheceres.
Brindem o momento em que me for, porque será o brinde do amor da nossa amizade. Não fiquem zangados com a morte, ela só faz a sua parte na roda viva do universo. Não tem jeito não, a gente chega, e também vai embora.
Não esqueça, quando me for, vou devagar, sem pressa aproveitando a liberdade real, e por isso, se não estiver onde estará minha carcaça humana, mande seu abraço em pensamento e energia. Saiba que devolverei com paz e sem assombros.
Sinta saudades, sim. Porque saudade, já disse o poeta, é o amor que fica.
Vou, mas fico nas histórias de nossas vidas. Do café à mesa da padaria, dos festejos de aniversários, churrascos, da cerveja gelada compartilhada com afetos. Das discussões sem eira nem beira, das noites com música e cantores desafinados. Do jogo de futebol, da torcida, dos nascimentos, e mortes. A distância nunca foi um muro entre nós, sempre foi apenas um até breve. Amigos são assim, sempre vivem uns nos outros.
Levarei comigo só o que foi engraçado, divertido, mesmo as coisas mais difíceis que vivemos, até porque, depois das desgraças fica o riso inevitável. E quando lembrarem deste vivente amigo, abram um vinho, uma cerveja, um café. Brindem a vida, aos seus, agradeçam a graça de termos nos conhecido um dia, e pensem em nosso momento mais feliz.
Assim me sentirei abraçado, enquanto vou embora, devagarinho…
Por Salvador Neto em agosto 2022.