“Os pais fugiram da União Soviética, hoje Rússia, escapando dos terríveis Pogroms – atos em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa – vindo parar na Argentina no final do século 19. Aron Slutzky escapou de um sério acidente ao cair de um cavalo quando bebê, o que afetou o centro neuromotor do cérebro, o deixando com seqüelas de movimentos. A superação o levou a um conhecimento da humanidade como poucos. Como os pais, que fizeram a vida no Brasil, Argentina e Uruguai, deixando o horror para trás, Aron venceu obstáculos e fez carreira vitoriosa no comércio exterior.
Aos 83 anos e quatro meses, como gosta de confirmar com exatidão, Aron mora ao lado do rio Morro Alto no bairro América, onde vive entre quase dois mil livros entre enciclopédias, biografias, literatura, poesia, e um sem número de discos de vinil. Sabe onde está cada livro, e explica conteúdos de cada um deles com uma naturalidade incomum. Tem domínio do inglês, francês, espanhol, esperanto, latim, grego, italiano e até guarani. “Aprendi por ser curioso. Desde criança adorava livros, lia direto enquanto cuidava das casas de vizinhos durante as férias, em São Borja”, cidade gaúcha onde nasceu o poliglota especialista em comércio exterior.
O tino comercial veio do pai, comerciante de mão cheia. Aos 18 anos o jovem Aron já vendia e comprava esquadrias em São Borja. Numa de suas viagens, passou por Joinville para comprar máquinas na extinta fábrica de máquinas Raimann. Aí conheceu Carmen Romanus, com quem foi casado por quase 50 anos até ela falecer em acidente de transito anos atrás. Moraram em Porto Alegre, e depois em São Borja, enquanto o astuto Aron trabalhava como jornalista na Tribuna. Em 1959 voltaram para Joinville onde ele foi trabalhar no Laboratório Catarinense.
Depois teve carreira longa na Lumiere, que chegou a ser a segunda maior indústria brasileira do vestuário. “Trabalhei lá até 1974. Era procurador para assuntos internacionais. Quando entrei tinha uma carteira de exportação de 86 dólares. Quando saí estava em 1,5 milhão de dólares”, conta orgulhoso. Aron ainda emprestou seu talento comercial na Duque, Nylonsul, Colin, “em São Bento em empresa que não lembro”, diz. Montou uma associação de empresas exportadoras onde foi secretário executivo, formada pela Lumiere, Artex, Cônsul, Meister e outras empresas até 2009. Também atuou na Colley, Syntex e nos principais portos do país. Conheceu Argentina, Uruguai e Paraguai.
Morando com os tres filhos na casa antiga e simples do bairro América, Aron Slutzky nao pára. Fez a genealogia da família Gottfried, do lado materno. Fala sobre línguas, política, mundo, economia, cultura. Da pequena mesa da biblioteca ela ainda organiza o encontro da “família Lumiere”, que aconteceu em 17 de setembro. “É bom rever aqueles amigos”, destaca. Sério, fala sobre sindicalismo e política, criticando a postura atual. Fala com autoridade de quem ajudou o Partido Comunista, no debate em meio a ditadura militar. “Ajudava a pensar. A gente se reunia lá no final da rua Anita Garibaldi, era um mato só, ninguém aparecia”, frisa o velho líder.
Amante da música, tem cadernos com letras de música escritas na década de 1940, ouvindo cada disco, e livros, muitos livros sobre música. “Quem não gosta de samba, bom sujeito nao é”, canta. Agora com um notebook, Aron ainda edita textos de amigos, escreve poesias, e sabe de tudo que se passa no país. Com boa saúde, “bebo, como de tudo e durmo bem”, o sábio diz que vai continuar na “luta incessante pelo direito de viver, a condiçao de exercer esse direito”. Está pesquisando a origem economica de Joinville. Pensa que é só isso? Nada, o sábio Slutzky busca mais um pouco de conhecimento. Ele está lendo A História do Mundo de 1000 a 1500. Vai encarar?”
* Perfil publicado no jornal Notícias do Dia de Joinville (SC) em 2011. Foto atual feita ontem na casa de Aron, e no lugar onde ele mais gosta de estar: sua biblioteca.