Comissão da Verdade se reúne com parentes de mortos e desaparecidos

A Comissão da Verdade ouviu ontem (11) parentes de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar e membros das comissões da verdade instaladas na Câmara Municipal de São Paulo e na Assembleia Legislativa do estado (Alesp).

Segundo o coordenador da comissão, ministro Gilson Dipp, novos encontros serão feitos com instituições que trabalham no resgate da memória. “Esse foi o primeiro contato com esse segmento institucional que vai nos auxiliar de maneira essencial para que os trabalhos atinjam um bom fim”, ressaltou em entrevista. “Nós temos, por força de lei até, poderes para ter esse complemento com entidades universitárias e todas as instituições do Poder Público”, completou, após lembrar que a Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo também têm projetos semelhantes.

Na semana que vem a comissão deverá terminar de elaborar o plano de trabalho. “Nós vamos fazer agora um calendário. Mas todas essas pessoas que vocês conhecem, que são controvertidas, que possam informar, todas elas, na época oportuna, serão ouvidas”, explicou Dipp.

O ministro ressaltou que o grupo já tem um espaço físico para desenvolver as atividades, no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília e já nomeou quase todos os 14 assessores que auxiliarão nas investigações.

A reunião com os parentes das vítimas da repressão foi importante, segundo a integrante da comissão Maria Rita Kehl, para dar contexto ao trabalho. “Não são coisas que nós desconhecíamos, mas o depoimento direto com emoção de cada pessoa, com a diferença da emoção de cada pessoa, a expectativa, a esperança renovada de cada familiar, nos alimentou muito”.

Para o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade da Alesp, a reunião ajudou a determinar qual será o campo de investigação de cada grupo. “Pelo menos agora a gente tem um norte, como se relacionar, qual é o papel de cada um. Acho que é uma coisa importantíssima”.

Carlos Augusto Marighella, filho do ex-guerrilheiro Carlos Marighella, saiu da Bahia a São Paulo para participar da reunião. Para ele, a comissão será uma oportunidade de apresentar a versão sobre a história do pai que ele e a ex-mulher de Marighella, Clara Charf, vem tentando conservar. “A família, eu a Clara, nós temos 40 anos tentando contar essa verdade. Recolhendo documentos, levantando fatos que provam todas essa versões maliciosas ditas contra ele não têm procedência”.

“Ele foi apresentado pela imprensa controlada, manipulada pelos militares, como um terrorista, assaltante de bancos, como uma pessoa até desajustada, entretanto é um grande herói do país”, destacou.

Comissão da Verdade: ultradireita tenta reagir à pressão popular

A convocação dos oficiais aposentados para um ato público em favor da ditadura militar, nesta quinta-feira às 15h, horário semelhante aos dos manifestantes que tomarão a Cinelândia em uma manifestação de apoio à Comissão da Verdade, ganha contornos de uma paródia ao enfrentamento nos moldes conhecidos durante os Anos de Chumbo. Por e-mail, em mensagens apócrifas,militares afastados das tropas por alcançar idades acima dos 65 anos, apresentar problemas de saúde ou psicológicos, usam dos velhos jargões dos governos ditatoriais na tentativa de convocar simpatizantes a uma campanha denominada Brasil acima de tudo.

Com base no manifesto em que os sócios do Clube Militar, instituição ligada à ultradireita, com sede no Centro da cidade, tentaram pressionar – sem sucesso – a presidente Dilma Rousseff para não seguir adiante com as investigações de abusos e tortura de prisioneiros durante o regime de 64, os indivíduos que já não usam mais a farda e passam o tempo entre uma e outra conspiração contra a democracia, apelam aos aliados daquela era na tentativa de arregimentar apoiadores à palestra do general Luiz Eduardo Rocha Paiva, figura conhecida nos porões dos antigos Doi-Codi e Cenimar, centros de referência na tortura e morte de prisioneiros políticos no Brasil.

“Creio ser um assombro a luta de alguns poucos no sentido de abrirem os olhos da sociedade! Eles serão mártires ou heróis desta luta insana! De qualquer forma, que Deus os ilumine pela verdadeira guerra que fazem com as armas da crítica e do esclarecimento. Se cometerem algum erro, que tenham a certeza, ele será irrelevante no contexto do bom combate que travam, pois seu alerta está sendo dado!”, diz o texto, apócrifo, do “chamamento” que distribuem na web. Segundo os organizadores, policiais alinhados à extrema direita, integrantes de clubes de serviço que, na época da ditadura, apoiaram o regime militar, membros do grupo fascista Tradição, Família e Propriedade (TFP) e maçons que apoiaram o regime imposto pela força das armas deveriam ser convocados para comparecer ao Clube Militar.

Na mensagem, ditam como cada um dos ex-integrantes das Forças Armadas deveria atuar, na busca de mobilizar alguns incautos para uma reação à Comissão da Verdade.

“1 – Para tirar cópia do chamamento (…) na copiadora – 15 minutos. Quem preferir gastar alguns centavos, tire cópias no comércio local e distribua pelo menos nas caixas de correspondência de seus edifícios.
“2 – Quantos parentes sem e-mail já foram contatados pelo telefone? – 30 minutos;
“3 – Já telefonaram ou passaram e-mails para os conhecidos das (sic) polícias militares? – 15 minutos;
“O “LIONS” e o “ROTARY” da cidade já estão por dentro da campanha, telefonema ou e-mail? 10/15 minutos;
“4- A “loja maçônica” da cidade já está por dentro da campanha, telefonema ou e-mail? – 10/15 minutos”.

A mensagem, sem nenhuma assinatura, em tom de ameaça, alega ainda que os antigos militares não podem “entregar o ouro ao bandido vermelho, de graça”, talvez em referência à ação guerrilheira do Partido Comunista do Brasil e de outras vanguardas revolucionárias da resistência, que terminaram por determinar o fim da ditadura no país, com o apoio de toda a sociedade civil. Ainda segundo o texto, “depende das comunicação que vocês lograrem, por e-mail ou telefone, com os “LlONS’, ‘ROTARY’, ‘lojas maçônicas’, ‘TFP’ e assemelhados”, sem citar o que seriam estes últimos.

Sem dentes

Para alguns dos organizadores da manifestação, convocada pelas redes sociais em uma mensagem transmitida, por vídeo, pelo cineasta Silvio Tendler, essas “manifestações malucas que circulam pela internet” não significam um perigo real para a realização do ato convocado para as 14h, em frente ao Clube Militar, na Avenida Rio Branco, nesta quinta-feira.

– São leões sem dentes. Rugem, fazem barulho, mas já não mordem mais ninguém – concluiu um dos ativistas, que prefere não se identificar “para não jogar mais lenha na fogueira”. Procurado pelo CdB, o presidente do Clube Militar, general aposentado Renato Cesar Tibau da Costa, sequer respondeu às ligações.

Por Correio do Brasil