Tráfico de seres humanos atinge mais mulheres e crianças

De 2007 a 2010, 27% das vítimas de tráficos foram crianças, segundo relatório feito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc). Pelo menos 55% das pessoas traficadas são mulheres e o percentual chega a 75% quando somadas as meninas. Dos 132 países analisados, 118 apresentaram dados relativos ao tráfico humano.

O diretor executivo do Unodc, Yury Fedotov, cobrou providências das autoridades. Segundo ele, é necessário dar uma “resposta enérgica” baseada na assistência e proteção, assim como um sistema de Justiça eficiente.

O texto menciona o Brasil elogiando a política de combate ao tráfico de seres humanos. Pelos dados, 2.639 casos de escravidão foram investigados e 1.789 aguardam decisão. Pelo menos 499 casos de exploração sexual foram apurados, embora 109 ainda esperem definição. De acordo com o relatório, o número de ações caiu de 114, em 2007, para 78, em 2010.

Segundo o Unodc, há diferenças regionais. Na África e Oriente Médio, as crianças representam 68% dos casos de tráfico de seres humanos. No Sul da Ásia, na Ásia Oriental e no Pacífico, o índice é 39%, diminuindo para 27% nas Américas e 16% na Europa e Central Ásia.

Relatório Global 2012 sobre Tráfico de Pessoas aponta preocupações com os baixos índices de punição, pois 16% dos países analisados não registraram condenação por tráfico de pessoas entre 2007 e 2010. Os dados completos sobre a pesquisa estão na página do Unodc na internet.

Da Ag. Brasil

‘Sociedade cega, surda e muda’, mais que uma simples força de expressão

Uma afirmação que ouvi várias vezes ao fazer a reportagem sobre tráfico de pessoas é que a sociedade é cega, surda e muda em relação a esse crime. Dia desses refletindo a respeito lembrei de uma situação vivida por mim 25 anos atrás. Trabalhava como garçonete em um restaurante brasileiro na cidade de Lyon, no sudeste da França, a 400 quilômetros de Paris. Toda noite as coisas se passavam da mesma forma. Os frequentadores eram casais franceses que falavam baixo ou grupos de poucas pessoas sempre muito contidas. E muito brancas.

Certa vez foi diferente. Próxima da porta eu recepcionei um casal que se destacava dos tradicionais. Ele, loiro, muito loiro, de pele rosa e cabelos ralos. Ela, negra, de uma simplicidade tocante. Muito recatados, responderam ao cumprimento de boa noite desviando o olhar. Ao anotar o pedido ditado pelo marido, ouvi a voz contida da esposa. Ele, francês. Ela, brasileira. O som mal saía da garganta. A moça, muito jovem, me olhou profundamente. Um pedido velado de socorro.

Quando o rapaz se ausentou para ir ao toalete e depois fumar um cigarro, ela sentiu-se à vontade para falar comigo. Contou-me que morava em uma propriedade rural em alguma cidadezinha próxima, mas que raramente saía de casa. “Ele não deixa”, disse, abaixando os olhos. Aquela era a primeira vez em alguns anos que a levara para jantar na cidade.

Estranhamente, ao saber que eu voltaria ao Brasil dali a poucos dias, sacou da bolsa um pacote leve e pediu que eu entregasse aos familiares, que eram de São Paulo, assim como eu. Escreveu em dois papéis. Num deles, o nome e o telefone que eu devia procurar. O outro, escrito rapidamente, pareceu um recado, que eu tive a delicadeza ou a insensibilidade de não ler.

Ao lembrar dessa passagem as palavras ‘Sociedade cega, surda e muda’ fazem mais sentido. O casamento servil é uma das modalidades do tráfico de pessoas. Aquele rebaixar de olhos era um sinal de que a vida ali não era exatamente como aquela moça do Nordeste sonhara ao ser levada de seu país por um estrangeiro cheio de promessas. Ao entregar o pacote a alguém da família não tive o cuidado de falar sobre minha impressão. A pessoa tampouco demonstrou interesse por mais notícias.

O tráfico de pessoas está travestido de diversas formas. Pode estar num cartaz de pessoas desaparecidas e procuradas inocentemente por mães que dificilmente reverão seus filhos, no choro daquelas desesperadas, cujos rebentos foram levados de seus braços antes mesmo de serem amamentados, no olhar aflito de esposas em estado de servidão, nos convites sedutores para modelos, jogadores, dançarinas, cozinheiros, churrasqueiros, na oferta de dinheiro em troca de órgãos, além do aliciamento para a exploração sexual, entre outras crueldades, como tirar proveito da mendicância de outrém.

As denúncias de casos assim surgem de todos os lados. Operários levados de um canto a outro do país com promessas fraudulentas de trabalho, empresas brasileiras que submetem estrangeiros a degradantes condições, explorando a mão de obra com jornadas extensas de 16, 18 horas e alojamentos indignos.

Crianças, adolescentes e mulheres levadas a diversos cantos do mundo para alimentar o mercado da prostituição e a ganância sanguinária das redes organizadas. Criminosos estão livres para aliciar as pessoas com falsas propostas e uso de violência.

Tudo debaixo do nariz da sociedade. Está na hora de sentirmos o cheiro dessa crueldade.

Rede Brasil Atual

 

Direitos Humanos: CPI aponta urgência em aprimorar a lei contra o tráfico de pessoas

A urgência em aprimorar a legislação contra o tráfico de pessoas foi apontada em audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, explica que o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) já prevê punição para a exploração sexual, mas esta é apenas uma das várias finalidades possíveis do tráfico de pessoas. O crime pode incluir ameaça, uso de força ou coerção, abuso de poder para finalidades como o trabalho escravo, a servidão para pagamento de dívida, o tráfico de órgãos e a adoção de crianças, segundo Paulo Abrão.

“Hoje a nossa legislação não enquadra todas as condutas típicas do tráfico de pessoas, o que, evidentemente, limita a ação dos organismos de repressão, do sistema de justiça e também, paralelamente, da política de prevenção e assistência às vítimas”, explicou o secretário.

A necessidade de avanços na legislação ficou evidente com o episódio relatado pelo presidente da CPI, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA). Ele contou que um delegado da Polícia Federal não pôde agir diante de um flagrante porque o crime de aliciamento para exploração só pode ser caracterizado quando ocorre a exploração. “Temos que criar uma legislação mais holística sobre o tráfico humano, o tráfico de pessoas no ordenamento jurídico brasileiro, nas suas diversas modalidades e aspectos, para fazer frente a essas situações que são novas.”

Protocolo de Palermo
Para uma legislação contra esse tipo de crime, a vice-presidente do Movimento Contra o Tráfico de Pessoas, Cláudia Luna, explicou que o Brasil tem um norte: o tratado que estabelece o Protocolo de Palermo, ratificado pelo País em 2004. O instrumento garante a dignidade das pessoas em condições de tráfico, com direito a programas de inclusão socioeconômica estendida a suas famílias.

Desde 2003, está em tramitação na Câmara dos Deputados, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, projeto de lei (PL 2845/03) que estabelece normas para políticas públicas de prevenção e enfrentamento ao tráfico de seres humanos e regulamenta aspectos civis e penais.

A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foi implementada pelo governo em 2006. Dois anos depois surgiu o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Atualmente está em discussão a segunda edição do plano.

O desafio também é atualizar os dados sobre o tema. Os últimos dados sobre o tráfico de mulheres e crianças, por exemplo, são de 2003. Na época, a pesquisa foi usada como subsídio da CPI Mista da Exploração Sexual, que trabalhou entre 2003 e 2004.

Da Câmara dos Deputados

Extradição inédita traz ao Brasil condenado por tráfico de pessoas

Retornou ao Brasil, o primeiro estrangeiro extraditado para o país condenado por tráfico de pessoas. O alemão Dieter Erhard Fritzchen Stieleke, 57 anos, deixará o México para cumprir pena cinco anos e seis meses na Bahia. Ele foi condenado em 2010 pela Justiça Federal do estado, em primeira instância, por crime de tráfico internacional de pessoas, em sua forma qualificada, conforme previsto pelo art. 231, § 2o , do Código Penal brasileiro. Stieleke viaja em voo comercial escoltado por policiais brasileiros. A extradição só foi possível porque Brasil e México têm um tratado nessa área desde 1938.

A ação penal no Brasil originou-se em 2006 a partir da prisão em flagrante do estrangeiro no Aeroporto Internacional de Salvador/BA, quando tentava embarcar em voo da empresa Condor, com destino a Frankfurt, na Alemanha, juntamente com três vítimas brasileiras. Consta na denúncia que o alemão se incumbia de realizar o que se denominou nos autos como “teste sexual” com as vítimas, a fim de levá-las para a Europa. Stieleke deixou o Brasil como foragido da justiça e, já em 2010, foi iniciada, com a ajuda da Interpol, a negociação para sua extradição.

Ações de enfrentamento

O combate ao tráfico de pessoas é uma das prioridades da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça. “Devemos lançar este ano o II Plano Nacional de enfrentamento a este crime, cujas vítimas ainda são invisíveis para a sociedade”, afirma o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão. Para a diretora do Departamento de Estrangeiros, ligado ao mesmo órgão, Izaura Miranda, essa extradição se insere no objetivo do governo brasileiro em combater o turismo sexual e o tráfico de pessoas.

O Departamento de Justiça do Ministério da Justiça realizou ao final do ano passado o II Encontro Nacional da rede de Enfrentamento ao Trafico de Pessoas que culminou na elaboração da proposta do II Plano que deverá ser submetido a Casa Civil para decreto presidencial. Segundo a diretora do Departamento de Justiça, Fernanda dos Anjos a prioridade este ano é a de lançar uma Campanha Nacional de Combate ao Trafico de Pessoas e também estruturar núcleos e postos de enfrentamento ao tráfico de pessoas nas regiões das fronteiras e nas cidades-sede da Copa do Mundo.

“Serão nessas cidades que teremos maior fluxo de estrangeiros nos próximos anos e estaremos especialmente atentos com as ações das organizações criminosas nestes locais”, ressalta Fernanda dos Anjos.

O pedido de extradição foi formalizado pelo governo brasileiro ao México em maio de 2010 e foi deferido pelas autoridades mexicanas em agosto do mesmo ano. Stieleke, entretanto, interpôs recurso contra a decisão, conforme a Lei de Extradição mexicana, o que levou à demora da efetivação da extradição.

Ministério da Justiça