“Os advogados eram seguidos, seus telefones eram grampeados, sua correspondência era interceptada.” É nesse cenário de violação de prerrogativas que o advogado e dramaturgo Idibal Pivetta descreve o exercício da profissão durante a ditadura militar que governou país entre 1964 e 1985.
Em meio às dificuldades, relembra, alguns advogados acabavam assumindo outras funções, como a de informante.
“Naquelas circunstâncias, conseguíamos muita coisa. Não existia Habeas Corpus, a imprensa estava amordaçada, os sindicatos estavam amordaçados, os centros acadêmicos estavam amordaçados. Por incrível que pareça, conseguíamos absolvições ou nas Auditorias de Guerra de São Paulo ou no Superior Tribunal Militar”, disse Pivetta em entrevista à revista da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp).
Pivetta conta que o dinheiro era escasso, e a jornada, dupla, pois, além de defender presos políticos, os advogados também atuavam nas causas rotineiras.
“Os militares tinham muito interesse em saber o quanto ganhávamos: se tivéssemos cobrado pouco, éramos tidos como colaboradores voluntários dos subversivos; se tivéssemos cobrado muito, era por causa do ‘ouro de Moscou’ que vinha para a gente.”
Do teatro à cadeia
Preso seis vezes, uma delas antes mesmo do golpe de 1964, por se recusar a ser mesário em uma eleição, Pivetta recorda-se daquela prisão que considera mais marcante. Era maio de 1973, depois de um espetáculo na Vila Santa Catarina, em São Paulo.
“Eu era advogado militante e também escrevia peças de teatro — como faço até hoje — usando o pseudônimo de César Vieira para escapar da censura. No grupo de teatro União e Olho Vivo, tinha uma moça que namorava uma pessoa diretamente vinculada à luta armada. O DOI-Codi estava procurando a menina para ver onde ela ia e assim prender seu namorado.”
Na saída do espetáculo, conta Pivetta, os agentes avisaram o temido major Brilhante Ustra de que a moça não estava no local e disseram que os integrantes da companhia teatral estavam criticando o governo. A resposta veio rápido. Ustra deu ordem para que “os cabeças” fossem presos.
“Fui levado preso e permaneci mais de 90 dias. Fiquei uns 40 dias no DOI-Codi, depois fiquei no Dops e no presídio do Hipódromo. Fui bastante torturado.”
Ele também lembra da paranoia dos militares em relação a seus textos, pois sempre pensavam que os diálogos das peças traziam mensagens disfarçadas — quando não era isso, a curiosidade era a respeito da vida sexual dos atores e diretores.
Uma de suas peças contava de uma tribo indígena democrática que passava a se relacionar com padres jesuítas. Um trecho sobre uma batalha com 15 mil índios chamou a atenção dos censores, que o levaram para depor. “Eu disse que, se contasse com 15 mil índios armados, não estaria sendo interrogado naquele momento.”
Clientes célebres
Pivetta foi um dos representantes do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. O advogado defendeu Lula junto com Luiz Eduardo Greenhalgh, Iberê Bandeira de Mello e Rosa Cardoso.
“O Lula era um sujeito que se colocou como uma bandeira dos trabalhadores e assim foi aceito. Alguns acham que seus governos poderiam ter ido mais longe em termos de avanços sociais. Isso vai ser julgado pela posteridade.”
O advogado ainda atuou na defesa do dramaturgo Augusto Boal, que estava na Argentina quando seu passaporte venceu e o pedido de renovação do documento foi negado pelo governo brasileiro.
“Entramos com mandando de segurança no STF, que naquela época era bastante acovardado, deu o mandado de segurança e mandou renovar o passaporte do Boal”, conta Pivetta, ao relembrar que a situação ajudou outros 600 brasileiros em condições semelhantes.
Depois da transição
Sobre a Lei da Anistia, o advogado avalia que, apesar de não considerá-la perfeita, a norma atingiu os objetivos esperados para aquela época. Também ressalta que ela foi muito importante no julgamento de Lula, em 1978, e de inúmeros outros casos analisados pelo Superior Tribunal Militar.
Por outro lado, Pivetta diz que o fato de a Anistia ter sido propagandeada como ampla, geral e irrestrita não pode servir para encobrir as torturas, e que a norma precisa ser reformulada.
“Nesse aspecto, o Brasil está muito longe, por exemplo, da Argentina e do Uruguai”, diz. Os vizinhos sul-americanos criaram leis dando direito de defesa aos acusados de tortura para poder julgá-los devidamente pelos crimes cometidos.
Hoje o advogado se mostra preocupado com os setores da sociedade que pedem intervenção militar, embora ache tratar-se de um grupo pequeno, pouco representativo. Também rejeita o saudosismo à suposta honestidade dos políticos durante o regime militar que leva em conta o noticiário sobre corrupção dos dias de hoje.
“Havia grande subornos. Teve o Mário Andreazza, que fez a ponte Rio-Niterói, e vários outros nomes envolvidos em escândalos abafados de corrupção. Os políticos atuais não têm medo de mostrar o fruto da sua corrupção”, conta Pivetta.
Com informações do Conjur