Esta é mais uma matéria, reportagem especial que fiz para o jornal Notícias do Dia para a seção Memória, publicada na edição de final de semana – 17 e 18 de dezembro de 2011 – que retira do baú a história do sindicalismo joinvilense com um pouco da vida do senhor Conrado de Mira, já falecido. Baseei essa reportagem em entrevista com sua viúva, dona Irany Caldas de Mira, e pesquisa em arquivos históricos e documentos familiares. Mais uma contribuição para o resgate de nossa história, falando dos trabalhadores que muitas vezes são “invisíveis” aos olhos das pessoas por falta de abordagem da mídia em geral. Compartilho com os leitores do Blog em homenagem a esses dias em que o livro está em alta com nossa Feira do Livro, confiram abaixo:
” Se hoje os trabalhadores brasileiros têm direito às férias, jornada de trabalho definida, décimo-terceiro, aposentadorias, pensões, entre outros direitos, tudo se deve a muitos líderes operários que enfrentaram a dura disputa contra o capital no início do século 20. Entre eles um marceneiro, Conrado de Mira, que entre 1929 e 1930 abraçou a causa de Getúlio Vargas com a famosa Revolução de 1930, que derrubou o governo de Washington Luís, e ampliou os direitos trabalhistas. Mira foi um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil em 1931, e logo virou seu presidente. Em seguida os trabalhadores foram se organizando nos sindicatos dos trabalhadores em olarias, dos metalúrgicos, dos gráficos, dos moinhos, das oficinas mecânicas, dos estivadores, dos têxteis e também dos trabalhadores em massas alimentícias.
Graças ao seu preparo intelectual, Conrado de Mira foi aos poucos sendo funcionário de todos os sindicatos. Ele dirigia e administrava toda a burocracia sindical, e inclusive fazia as defesas trabalhistas. Tudo isso está registrado na enorme documentação que está depositada no Arquivo Histórico de Joinville, fruto de doação da família. Mas também está em parte anotado na memória de sua viúva, Irany Caldas de Mira, que aos 72 anos mantém uma saúde em dia, viaja e passeia bastante com as amigas, e mantém tudo arrumadinho na casa em que viveu com seu marido por 25 anos, no centro da maior cidade catarinense. “Ele era viúvo, e eu trabalhava como secretária no Sindicato. Acabamos casando quando eu tinha 18 anos, e ele uns 55 acho”, explica.
Ela vive com a filha Fárida na casa quase centenária. O outro filho, Farley, mora em Foz do Iguaçu. Eles lhes deram três netos. Conrado teve ainda dois filhos do primeiro casamento, Fausto que mora em Florianópolis, e Flavio que já faleceu. Dona Irany relata que ele era muito animado, festeiro, e muito alvoroçado. “Ele não parava nunca! Trabalhava direto, no sindicato, e trazia trabalho prá casa. Não tinha ano novo, nada. Só descansou quando morreu mesmo”, confirma a senhora franzina que superou momentos difíceis ao lado do marido sindicalista. A devoção pelo trabalhismo de Vargas o levou também a política partidária. Conrado de Mira foi candidato a prefeito por duas vezes (1947 e 1955), a deputado estadual pelo menos outras duas, e foi eleito vereador.
A farta documentação meticulosamente datilografada, organizada, anotada e arquivada mostra que sua intelectualidade era acima da média. De milhares de documentos, dona Irany guarda poucas coisas, mas nesses papéis se vêem manifestos aos trabalhadores, boletins informativos periódicos, vários com o título “Deixa o trabalhador passar”, e muito material político promocional. Segundo Irany, Conrado era muito articulado. “Ele se dava bem com todos, com o Jota Gonçalves, apoiou o João Colin, mas brigavam também. Depois, voltava tudo ao normal”, conta abrindo o sorriso tímido. O sindicalista foi do PTB, PSB e também do PSP de Adhemar de Barros, até chegar o golpe militar de 1964.
Dona Irany conta, aflita com as lembranças, quando Conrado foi preso pelos militares. “Ele estava com o filho no Sindicato. Os soldados os levaram todos presos! Depois dois soldados vieram até em casa e pediram para ir buscar o Farley (filho), que ele não podia ficar lá. Foi tão ruim que nem gosto de lembrar”, assinala. A filha Fárida completa. “A mãe nem viu o pai. Deixaram ela em uma sala, e foi difícil trazer meu irmão, que chorava e dizia que estavam batendo no pai”, recorda. A família demorou meses para rever Conrado, que foi enviado para Florianópolis, depois Rio de Janeiro, até ser liberado. A acusação era de associação ao comunismo, coisa comum naqueles anos de chumbo. “A vida ficou muito difícil prá gente. Vendemos coisas para manter a casa”, revela Irany.
O medo foi companhia freqüente. A polícia invadiu a casa sem mandado, reviraram móveis, roupas íntimas, tudo que viam conta ela. “Procuravam não sei o que. Não diziam nada! E eu não sabia de nada disso, de comunismo, política. Isso não me interessava”, relembra dona Irany. A partir dessa época, diz ela, amigos e vizinhos abandonaram os Mira. “Ninguém queria falar comigo. Diziam que eu era comunista, pode? Nem brincar com meus filhos os outros pais deixavam. Temiam ser presos porque eu era vigiada”, fala emocionada. Até Conrado de Mira ser libertado, viveram também de compras em mercados que vendiam fiado.
Em meio aos móveis antigos, fotos da família e do casamento, Irany destaca o trabalho e a dedicação que o líder sindical à causa dos trabalhadores. “Ele trabalhava nessa mesa (indica sentada), dia e noite. Depois da sua prisão, ficou sem nada, sem emprego, sem vínculos com sindicatos, nada. Trabalhou como autônomo para manter a família, inclusive com o atual senador Luiz Henrique em seu escritório, até morrer”, enfatiza. A filha Fárida comenta que seu pai foi amado e odiado. “Uns diziam que era pelego, que defendia os patrões. Outros que era governista. Mas o fato é que ele defendia as suas convicções, no caso do trabalhismo de Getúlio. E foi muito, muito injustiçado”, defende. De um lado, empresas e empresários não gostavam por sua ativa defesa dos trabalhadores. De outro, os trabalhadores que achavam que seus direitos não eram defendidos. Não era possível agradar a todos.
“Olha, o que eu via era que muitas pessoas vinham trazer galinha, pato, aipim, cará, tudo já limpo em agradecimento pela vitória com o trabalho de Conrado. Eu nunca entendi porque um homem que fez tanto por tanta gente foi tao atacado. Até quando a filha nasceu ele estava fora, no Rio de Janeiro”, explica dona Irany. Conrado de Mira foi o grande articulador do movimento sindical joinvilense durante quase 40 anos. Aos poucos os sindicatos foram se desmembrando e seus dirigentes passaram a administrar suas estruturas próprias, oferecendo gradativamente assistência aos sócios e trabalhadores.
Morto aos 77 anos de infarto fulminante em 1981 – “dormiu e não acordou, relata a viúva Irany” -, seu corpo descansa no cemitério municipal próximo da escadaria que leva ao alto da cruz. Como única homenagem, seu nome está em uma rua no bairro Costa e Silva, por onde passam diariamente milhares de trabalhadores que desconhecem quem é o personagem com o nome dependurado em um poste. Ignoram a história do desbravador do movimento sindical que ajudou a consolidar os direitos básicos dos trabalhadores. Nos arquivos depositados no Arquivo Histórico com milhares de documentos e boletins informativos dos tempos em que sequer se imaginava o aparato tecnológico dos dias atuais com internet, jornais on-line, e estruturas de comunicação e de apoio aos trabalhadores, estão muitas lições aos atuais e futuros líderes sindicais. Um legado de respeito e indispensável para entender o mundo do trabalho”.
Olá dona Maria Tereza, que bom saber que meu trabalho ajuda a ter lembranças doces! Obrigado!
Sou Maria Tereza de Mira Zabot, filha do Flávio Mira! Filho mais velho do meu vô Conrado Mira. Nosso vô foi muito presente em nossas vidas. Saudades sempre. Obrigado pela linda homenagem. E doces lembranças.
Olá Henrique, tataraneto é? Caramba, que bacana! Esta matéria está também no meu livro Gente Nossa (2014). Obrigado!
Matéria sobre meu tataravô!!
Viva o eterno!!! ????????
Obrigado pela matéria
Que bacana Carlos, saber que a matéria chegou até você, lembrando seu avô… guarde, obrigado!
Meu no me e Carlos Roberto de mira,neto mais velho de Conrado.
Obrigado pela sua matéria