Preconceito: Cordas e camarotes: cinturões da exclusão

Para reflexão de todos nós, um belo texto instigante do músico Messias Bandeira, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), publico no site overmundo. Esse exercício do pensar nossas atitudes é fundamental para sermos mais humanos, menos preconceituosos. Leiam vale a pena:

“A recente declaração de Bell Marques (Chiclete com Banana), justificando a manutenção das cordas no carnaval de Salvador, é o sintoma mais aparente do preconceito de classe que subsiste na Bahia. A novidade é que, ao expressar publicamente sua índole, Bell aperta, até o último buraco, o cinturão da exclusão na maior festa popular do mundo.

Poderíamos dizer que se trata de uma fala isolada, um deslize. Não é o caso. O carnaval dá relevo a uma situação sistêmica da desigualdade em Salvador. Bell Marques e sua turma acentuam a discriminação, empurrando as cordas e o preconceito contra aqueles que, ironicamente, deram-lhes palco, prestígio e riqueza.

O silêncio de outras estrelas da axé music diante de tal declaração é um aval ao apartheid pretendido por muitos blocos, camarotes e suas correias de transmissão instaladas nos órgãos e secretarias da (des)governança da cidade de Salvador. Eles não podem continuar dando as cartas. E o município não pode amesquinhar-se ante aqueles que operam no submundo do esquema marqueteiro.

Da aviltante “popcorn experience” — acreditem: um cercado que permite aos ilustres pagantes dos camarotes a vivência do carnaval no asfalto “sem se misturar” — ao sequestro dos espaços públicos por alguns camarotes, tudo parece nos expulsar do carnaval.

Não carrego ilusões. O carnaval baiano não é a festa da igualdade. No limite, ele subtrai o distanciamento físico de estratos sociais, falseando uma equidade que, na realidade, se apresenta apenas de forma simbólica durante 6 dias. Ou seja: entre “chupar um geladinho na corda” e apreciar um drink no espaço gourmet do camarote, há um imenso abismo. Inclusão social? Capitalismo de estado? Qual? Aquele que oferece 9.837 m2 ao Camarote Salvador e 0,6 m2 ao isopor de cerveja?

É bem verdade que o carnaval não será o locus da superação de disparidades sociais históricas. Trata-se de uma festa. Mas é exatamente por isso que o vetor mercadológico deveria estar submetido ao core cultural da festa. E não o contrário. O carnaval também é um campo de disputa política. Cordas e camarotes até podem ser justificáveis em algumas situações. No entanto, usá-los como forma de opressão é inaceitável.

Bem, eu poderia fugir do carnaval e virar as costas pra tudo isso. Mas estarei ali, ocupando o espaço público, na companhia de cidadãos que querem celebrar o carnaval, que exigem respeito e dignidade. E não apenas porque pago os meus impostos — o que me reduziria a um simples consumidor de serviços públicos. Mas, sobretudo, porque vivo nesta cidade.

Minha fórmula? Abaixem as cordas e desçam do camarote. Venham viver não a “popcorn experience”, mas a “human experience”. Depois de 35 anos pulando atrás do trio de Dodô e Osmar, eu garanto: além de uma atitude cidadã, é muito mais divertido!”

Messias G. Bandeira
Músico, Professor da UFBA

Do site Overmundo

Autor: Salvador Neto

Jornalista e escritor. Criador e Editor do Palavra Livre, co-fundador da Associação das Letras com sede no Brasil na cidade de Joinville (SC). Foi criador e apresentador de programas de TV e Rádio como Xeque Mate, Hora do Trabalhador entre outros trabalhos na área. Tem mais de 30 anos de experiência nas áreas de jornalismo, comunicação, marketing e planejamento. É autor dos livros Na Teia da Mídia (2011) e Gente Nossa (2014). Tem vários textos publicados em antologias da Associação Confraria das Letras, onde foi diretor de comunicação.

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