Ele chegou de mansinho, não tinha mais de seis anos. Cabelos castanhos, lisos, olhos atentos e ágeis. Corpo mirradinho, calçava chinelinhos surrados, roupas sujinhas e manchadas. E chegou de mansinho, com uma voz tão baixa que quase não dava para ouvir. “O sinhô deixa eu te apresentar a minha arte”, disse ele ao meu pedido para ouvir novamente. Que arte? “Faço pintura no azulejo”, explicou. Matheus, esse era o seu nome.
Vai para a escola? “Sim, quando dá, vou”, respondeu. Tem irmãos, pais, onde está tua mãe? “Em casa, tenho sim mais seis irmãos e meu pai”. Já sentado no chão ao lado de nossa mesa, abriu uma pequena lata e de lá tirou seus apetrechos. Um pequeno pano velho, sujo de tinta. Alguns potes de tintas coloridas. E com seus pequenos dedos começou a mostrar a sua arte. Espalhava um pouco de cinza por toda a peça.
Você sabe que criança não devia trabalhar? “Sei sim sinhô, mas tem de ganhar prá comer né”, sussurrava Matheus. Minha esposa e filha acompanhavam a conversa, emocionadas em ver aquele garoto ali, agachado, pintando a sua obra. A cada passada de dedos, surgia um fundo escuro, mais um coqueiro, um final de dia ensolarado. Como toque final, uma lua surgindo no céu…
“A senhora gosta de praia”, puxou conversa com minha esposa. Gosto, disse ela. Aí Matheus prepara o grand finale da obra: o jateamento da peça pintada para que não borrasse e se mantivesse assim para sempre. Olhava para ele e pensava em meus filhos, nos filhos dos outros, e como esse mundo é desigual. Menos mal que ele estava ali, ocupado com arte para ganhar a vida.
O pequeno pernambucano enfim cobrou a sua arte. Agradeceu com um sorriso acanhado, preocupado em ter a aprovação de minha esposa. Saiu do restaurante pelas ruas de Porto de Galinhas, certamente a buscar outros clientes para suas belas obras em azulejos. Ganhar o pão com dignidade. Nós voltamos a conversar, refletindo sobre isso, o que Matheus nos ensinou ali. De repente, volta ele. “Esqueci de dar a caixinha!”, argumentou.
Cuidadoso, preparou uma pequena caixinha de papelão que cabia exatamente a obra. Tentou fechar, mas sua engenhosidade não foi perfeita, e para garantir o transporte do que nos faria lembrar dele por toda a vida, a fechou com palitos de dente. Satisfeito, feliz, abriu um sorriso mais maroto, largo. Agradeceu e foi-se embora com mais alguns meninos. Pelos dedos de Matheus a emoção me levou a minha infância, bem melhor que a dele.
Sua obra agora está em nossa sala. Vez em quando a olho e vejo seu olhar, seus pequenos dedos a pintar. E lembro-me do que somos, e o que não fazemos para melhorar a vida de nossos pequenos Brasil afora. Onde estará Matheus lá por Pernambuco agora? Não sei. Mas ele está em minha casa, dentro de mim a mostrar o quanto ainda temos a fazer por nós e nossa gente. Eternizado em sua pequena obra, por dedos tão pequenos. Grande Matheus.
Por Salvador Neto.